Vinte anos se passaram sem que nenhum dos responsáveis pelo massacre do Carandiru fosse punido ou preso. O único condenado, o coronel da Polícia Militar Ubiratan Guimarães, que coordenava a operação no dia 2 de outubro de 1992, teve sua pena de 632 anos de prisão anulada em 2006, meses antes de morrer. No dia 27 de setembro de 2012, porém, a Justiça finalmente marcou uma data para dar início ao julgamento: 28 de janeiro de 2013, quando 28 dos 79 PMs acusados de participação no caso enfrentarão o banco dos réus do Fórum da Barra Funda, em São Paulo.
Ao todo, 120 policiais foram denunciados pelo Ministério Público paulista por participação no episódio, mas 36 já escaparam da condenação, pois o crime de lesão corporal prescreveu. Dos outros 84 acusados de homicídio, pelo menos cinco morreram até 2010 (data do último levantamento) e, com isso, 79 aguardavam para enfrentar o júri popular, de acordo com a advogada Ieda Ribeiro de Souza, responsável pela defesa dos réus.
O caso continuava sem data para ser julgado, pois tanto a defesa quanto a acusação aguardavam a perícia das armas, o que ainda não foi feito pelo Instituto de Criminalística (IC). O exame de confronto balístico aponta de qual arma partiu qual projétil e, somente com esse teste, é possível identificar quem atirou em cada um dos 102 detentos mortos naquele dia – as outras nove vítimas foram assassinadas a facadas.
O exame foi solicitado há anos, mas de acordo com a Promotoria, o IC já havia respondido que seria praticamente inviável executar o exame, em razão das proporções do caso: o arsenal usado durante a operação pela PM contabilizava 362 itens, entre pistolas, fuzis e metralhadoras, e mais de 450 projéteis foram extraídos dos corpos das vítimas. Em maio deste ano, porém, o órgão voltou a ser cobrado pela Justiça, mas respondeu que não poderia fazer as balísticas de forma rápida, devido à complexa metodologia da perícia e à impossibilidade de interromper os demais trabalhos: em média, 12 mil exames ao mês. Havia ainda mais um problema: como já passou muito tempo, era provável que o resultado obtido fosse inconclusivo, já que os objetos podem ter sofrido oxidação (enferrujado), o que inviabilizaria o confronto balístico.
Para o juiz José Augusto Nardy Marzagão, da Vara do Júri de Santana, que marcou a data do julgamento, a ausência do exame não prejudica o caso, já que "fora apreendido menos de um projétil por arma", o que reforça a "impossibilidade " da perícia, na opinião dele, "fadada ao insucesso".
"Não tem cabimento esse julgamento ainda não ter ocorrido. É preciso prestar contas à sociedade. É uma questão de honra julgá-lo o quanto antes", afirmou o juiz, em entrevista.
Já advogada dos réus criticou a decisão de marcar o julgamento sem os testes, e afirmou que iria recorrer. "O que precisamos é individualizar a conduta de cada um dos policiais no caso. Do jeito que está, todos estão respondendo por tudo", afirmou Ieda.
Preparativos
Mesmo antes de ter uma data, a defesa e a promotoria já haviam apresentado a lista das testemunhas que gostariam de ouvir em plenário. Ao todo, 75 testemunhas foram arroladas pelo Ministério Público – sendo 22 agentes penitenciários, um ex-diretor da Casa de Detenção e detentos que sobreviveram à chacina. Já a defesa espera convocar 10 testemunhas, entre elas os três juízes que acompanharam as negociações com os presos durante a rebelião, o ex-secretário de Segurança Pública Pedro Franco de Campos e o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho.
O juiz observou, porém, que antes do julgamento será preciso fazer um levantamento de quais réus e testemunhas continuam vivos, o que deve diminuir o número de pessoas ouvidas.
“O número de vítimas e eventuais testemunhas também já foi bastante reduzido, muitas delas já faleceram. Essas testemunhas e vítimas já não têm na memória com exatidão aqueles fatos que ocorreram. Não têm condição de lembrar os fatos com a mesma precisão que tiveram na época”, disse o promotor Fernando Pereira da Silva, responsável pela acusação.
Devido ao grande número de réus, é impossível julgar este caso de uma vez só, portanto, o Tribunal de Justiça paulista optou por reparti-lo em blocos, divididos de acordo com a atuação de cada grupo na Casa de Detenção. Segundo a denúncia, o Batalhão de Choque atuou no 1º e 2º andares, o Comando de Operações Especiais (COE) agiu no 3º andar, e o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) foi destacado para o 4º. A previsão é que cada julgamento ocorra com pelo menos 45 dias de intervalo entre um e outro, mas é impossível apontar o tempo e quanto irá custar para finalizar o caso todo.
Com ou sem exame de confronto balístico, a Promotoria está confiante na condenação dos acusados. Já a defesa acredita na absolvição do grupo, seguindo a mesma lógica que absolveu o coronel Ubitatan: que os PMs cumpriam ordens, estavam trabalhando e agiram em legítima defesa.