Isolados nos Estados do Norte e sem usufruir das conquistas da economia do País, brasileiros todos os dias atravessam clandestinamente a fronteira fluvial para o lado da Guiana Francesa. Do outro lado, encontram melhores empregos sem necessidade de especialização, normalmente em construções e com um salário 4 vezes maior que no Brasil, além de serviços como hospitais e escolas gratuitos. O “sonho francês” custa 200 Euros.
O “sonho francês” custa 200 Euros. A soma é cobrada em Euros porque o esquema conta com colaboração de quem mora no outro lado
Este dinheiro é pago aos que começam a facilitar esta travessia do lado brasileiro. Com as mesmas lanchas que fazem todo o transporte entre os dois países, os ilegais brasileiros são levados ao outro lado do rio Oiapoque e conduzidos através de picadas na floresta amazônica por horas até a “route de l’Est”, rodovia que leva até a capital, Caiena. A soma é cobrada em Euros porque o esquema conta com colaboração de quem mora no outro lado.
Por 200 Euros, brasileiros cruzam fronteira em busca de oportunidades no País vizinho Vídeo: Fernando Borges/Terra
Estima-se em no mínimo 20 mil o número de brasileiros ilegais apenas na capital do país vizinho. Na cidade mais próxima do Brasil, Saint Georges, o percentual de brasileiros é de 70% da população. Entre as precauções tomadas para que a aventura não termine em prisão nas mãos da temida polícia de fronteira, a “gendarmerie” ou a “Police Aux Frontiers (PAF)”, os facilitadores da imigração ilegal utilizam caminhos que levam até um ponto após o posto de fiscalização da rodovia.
Outra motivação para atravessar o outro lado é a grande presença de ouro nos veios guianenses. De acordo com o Bureau de Busca Geológica e Mineração daquele país, a atividade tem potencial de 120 t e pode chegar a até 400 t do metal precioso. Como ele se encontra no subsolo de reservas florestais, sua exploração é um grave problema ecológico. “Quando me colocaram num helicóptero e sobrevoamos 70 garimpos ilegais cheios de brasileiros, ficamos sem argumento”, diz o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Estado do Amapá, deputado Paulo José.
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O maior dirigente da Guiana Francesa, Rodolphe Alexandre, ocupa o cargo de conselheiro regional do país e chegou a sugerir em novembro que exista uma “orquestração política”, que chamou de uma “rede quase mafiosa” que utiliza a vinda de imigrantes clandestinos como mão de obra análoga à escravidão para a extração do ouro. “Há uma grande importância quando se trata de prendê-los”, disse. Brasil e França assinaram em 2008 um acordo de cooperação contra a busca ilegal de ouro, ratificado em abril passado no Parlamento francês. No Brasil, o acordo ainda tramita no Congresso.
De acordo com o Bureau de Busca Geológica e Mineração da Guiana Francesa, extração de ouro tem potencial de 120 t e pode chegar a até 400 t do metal precioso
Dono de uma empresa que explora o transporte de barco no rio, Josimar Oliveira da Silva relata os momentos de conflito entre brasileiros ilegais e polícia. “Prendem e, se você tiver ouro, fica 8 meses, um ano preso”, diz. O ex-garimpeiro relata que é costume dos guardas ficarem até duas horas em horário de almoço, momento que é aproveitado pelos ilegais para atravessar os conhecidos pontos de barreiras sem risco. Outros métodos também seriam usados. Uma garota de programa brasileira relatou à reportagem que foi paga e levada de barco com outras colegas até a fronteira com a Guiana, onde se encontraria com oficiais franceses em troca de um relaxamento na fiscalização.
Trilha usada por mateiros para entrada ilegal na Guiana. Foto: Fernando Borges/Terra
Procurado, um adido da Embaixada Francesa que pediu para não se identificar desmentiu a prática do “suborno sexual” e também a falha na fiscalização devido ao horário de almoço. “É inteiramente inaceitável dizer que nossos homens aceitariam este ‘suborno’. Sempre que alguém sai para almoçar, deixa outro colega no posto e ele nunca fica descoberto”, garantiu.
Garota de programa brasileira relatou que foi paga e levada de barco até a fronteira com a Guiana, onde se encontraria com oficiais franceses em troca de um relaxamento na fiscalização