Jane Goodall: a primatologista que mudou o conhecimento humano sobre os chimpanzés
O trabalho inovador de Jane Goodall mudou a maneira como percebemos os chimpanzés - nossos parentes mais próximos no reino animal. Ela se tornou uma ativista e pioneira no trabalho de conservação. Aos 86 anos, a cientista falou à BBC sobre suas seis décadas de dedicação.
"Eles se cumprimentam com beijos e abraços e trocam tapinhas nas costas como forma de se tranquilizar. Eles se dão as mãos. Eles buscam o contato físico para aliviar o nervosismo ou o estresse. É muito parecido conosco."
É assim que Jane Goodall, uma das maiores especialistas do mundo em chimpanzés, descreve nossas semelhanças com nossos parentes mais próximos no reino animal. Mas não é só.
"Foi muito chocante descobrir que, como nós, eles podem ser brutais e até mesmo travar uma espécie de guerra. Eles também podem amar de forma altruísta. Eles mostram os dois lados da natureza", diz ela.
Compartilhamos 98,6% de nosso DNA com os chimpanzés, mas o mundo sabia muito pouco sobre eles até que a cientista britânica chegou a Gombe, no oeste da Tanzânia, em 1960.
Goodall falou à BBC sobre como suas seis décadas de dedicação ajudaram a fazer o mundo se importar com os primatas, e como eles podem nos ajudar a refletir sobre o que é ser humano.
Fama
Goodall alcançou a fama em 1965, quando apareceu na capa da revista National Geographic.
Seu trabalho foi o foco central do documentário Miss Goodall and the Wild Chimpanzees - este e outros filmes, notícias e artigos de revistas e livros apresentaram a vida social e emocional de chimpanzés selvagens a milhões de espectadores em todo o mundo.
O documentário mostra Goodall andando descalça na densa selva, brincando e lutando com chimpanzés bebês. Dá a impressão de que seu trabalho era incrivelmente romântico.
Refletindo sobre aqueles momentos de fama na casa de sua família em Bournemouth, na costa sul da Inglaterra, ela relembra sua luta para ganhar a confiança dos animais.
"Eles me trataram como se eu fosse uma predadora", disse ela.
Os chimpanzés faziam gestos agressivos em sua direção. Eles gritaram com ela mostrando os dentes, balançando galhos com seus pelos eriçados.
'Estranho macaco branco'
"Foi intimidante." Goodall sabia que os chimpanzés eram muito mais fortes do que ela, mas de alguma forma suprimiu seu medo.
"Levei quatro meses antes que eu pudesse chegar razoavelmente perto de um e … um ano para sentar com eles. Eles não tinham visto nada parecido com este estranho macaco branco."
Então, ela fez amizade individualmente com membros do grupo. E deu nomes a alguns.
"David Greybeard pegou uma banana de mim, me deixou fazer carinho nele. Outro brincou comigo", Goodall lembrou.
Ela aprendeu a diferenciar sons e aprendeu como os chimpanzés usam comunicações verbais e não verbais. As semelhanças e diferenças com as interações humanas a intrigavam.
"Chimpanzés não se despedem, simplesmente vão embora. Não é engraçado?", ela notou.
Ferramentas
Ela viu um chimpanzé macho fazendo uma dança enérgica e observou os jovens criando laços com suas mães. Ela também descobriu sua habilidade de fazer ferramentas.
"Eu vi sua (David Greybeard) mão pegando pedaços de grama e empurrando-as para dentro dos cupinzeiros e puxando-as de volta com os cupins mordendo a grama."
Goodall estava animada. "Ele não está apenas usando objetos como ferramenta. Ele está modificando objetos e usando-os como ferramenta", pensou ela.
Isso, em termos da nossa compreensão do que eram os chimpanzés, representou um grande passo à frente.
Indiferença acadêmica
A comunidade científica no Reino Unido estava cética sobre seus métodos e descobertas quando ela voltou ao Reino Unido para fazer seu doutorado na Universidade de Cambridge.
"Eu não poderia falar sobre eles terem personalidades, mentes capazes de resolver problemas e certamente não emoções", disse ela, já que esses atributos eram considerados exclusivos dos humanos.
"Os chimpanzés deveriam ter números, não nomes, me disseram", conta ela.
"Muitos desses professores me disseram que eu tinha feito tudo errado."
Guerra civil
O sucesso de Goodall em educar o mundo sobre os chimpanzés foi notável.
Muitos que nunca tinham visto um chimpanzé na vida desenvolveram uma espécie de afinidade com eles. Quando a matriarca dominante do grupo que ela estudava na Tanzânia morreu em 1972, o jornal The Times até escreveu um obituário.
Dois anos depois, mais mortes ocorreram.
"Um pequeno número de machos se separou de algumas fêmeas e assumiu o sul da área que todos eles compartilhavam anteriormente", ela contou.
Os chimpanzés têm uma hierarquia de domínio estrita e, como o grupo tinha muitos machos, uma divisão era inevitável. O que se seguiu foi verdadeiramente chocante.
A relação entre os dois grupos tornou-se extremamente hostil e os machos do grupo maior começaram a atacar os machos do grupo menor um por um, deixando-os morrer por causa dos ataques.
"Eles estavam matando indivíduos com os quais haviam brincado e se tratado antes. Foi realmente horrível. Os ferimentos infligidos foram terríveis", ela lembrou.
A luta - que Goodall equipara a uma guerra civil - durou quatro anos.
"Achei que eles eram como nós, mas mais agradáveis. Mas então percebi que eram ainda mais parecidos conosco porque também têm esse lado brutal", disse ela.
Ativismo
Uma década depois, em 1986, ela foi a uma conferência em que as condições terríveis dos chimpanzés em cativeiro foram ressaltadas.
"Fui como cientista e saí como ativista", lembra ela.
A transformação a levou para os Estados Unidos, onde ela decidiu convencer aqueles que estavam usando chimpanzés em experimentos mudassem seus hábitos. Ela conseguiu.
"Nos Estados Unidos, todos os 400 chimpanzés usados pelos institutos nacionais de saúde estão em santuários ou aguardando a construção de santuários."
Na África, seu habitat está diminuindo, e a caça continua sendo um problema.
Ela previu isso em 1991, depois que Gombe foi reduzida a uma pequena ilha de floresta cercada por colinas totalmente áridas.
"Ocorreu-me que, sem ajudar as pessoas a viver sem destruir o meio ambiente, não podemos salvar os chimpanzés", disse ela.
Ela iniciou o projeto Roots and Shoots através de seu Jane Goodall Institute para capacitar os habitantes locais a assumir um papel de liderança na preservação de suas florestas e animais.
Goodall levou uma vida muito agitada, passando até 300 dias fora de casa em alguns anos.
Seu trabalho inspirou muitos jovens cientistas, e estranhos param e conversam com a senhora de 86 anos nos aeroportos e pedem uma selfie.
Mas a mulher que prefere ficar sozinha na selva permanece indiferente a suas realizações.
"Sou uma pessoa comum que teve sorte e conseguiu fazer coisas bastante interessantes na vida", diz ela.