Jogar para perder?
Difícil entender a estratégia de Bolsonaro na crise do PSL
A coluna deste sábado poderia se referir à aprovação da reforma tributária, uma proposta tão moderna e desburocratizante que se tornará modelo para o mundo. Ou sobre a reforma administrativa que acabou com privilégios e deixou a máquina pública enxuta e pronta para servir ao cidadão que paga impostos. Talvez a respeito do novo plano industrial. Quem sabe sobre o sucesso do programa de combate ao desemprego, que levou ao pleno emprego, fez a renda crescer e devolveu ao cidadão brasileiro esperança e felicidade.
Mas não será a respeito de nenhum desses temas. O governo nem conseguiu montar seu projeto de reforma tributária. A reforma administrativa é um sonho mais do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do que do presidente Jair Bolsonaro. O plano industrial, se existe, existe só no papel. O programa de criação de empregos ainda não apareceu. E a renda do cidadão é uma tragédia. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) com dados de 2018, divulgada na quarta-feira, 16, mostra que mais de 100 milhões de brasileiros - quase a metade da população - vivem com apenas R$ 413 mensais.
A vergonha nacional revelada pelo estudo da Pnad Contínua, com aumento ainda maior da desigualdade entre ricos e pobres, nem foi tão comentada porque um outro tema a encobriu. Trata-se da crise do PSL, o escândalo da arapongagem que grampeou todo mundo, até o presidente da República, e suas possíveis consequências para o projeto de reformas do País. Como até agora só a reforma da Previdência entrou na pauta, e esta parece estar resolvida, pois depende apenas da votação do segundo turno, pelo Senado, pode-se deixar as considerações sobre a agenda econômica para um futuro próximo. E ater-se ao comportamento político do presidente Jair Bolsonaro na crise do PSL.
Nos 28 anos em que foi deputado federal, Bolsonaro se diferenciou muito de seus colegas. Não ocupou presidência de comissão nem disputou relatorias. Teve como foco as pautas conservadoras, a defesa de direitos de militares, uma aversão a reformas, o combate à corrupção e o enfrentamento à centro-esquerda. Se tudo isso fez parte de um projeto político, foi um projeto vitorioso. Bolsonaro conseguiu firmar-se como o antiPT e o antiLula num momento de crise dos petistas e do centro, fez uma campanha eleitoral sem dinheiro nenhum, sem tempo de propaganda na TV e venceu. Alguns atribuem a vitória dele ao atentado à faca que sofreu em Juiz de Fora, que o transformou em vítima e o livrou dos debates com os adversários. Mas isso é apenas uma afirmação empírica.
Ao assumir a Presidência da República, Bolsonaro abominou o fatiamento da Esplanada dos Ministérios adotado por seus antecessores como forma de garantir a governabilidade. Decidiu que o governo era dele, porque ganhara a Presidência praticamente sozinho. Partidos reclamaram. Mas, sem ter o que fazer, e não podendo votar contra uma pauta positiva para o País como a reforma da Previdência, tiveram de aprová-la. Até então, a estratégia política de Bolsonaro vinha dando certo.
Por isso, é difícil entender seu comportamento na crise do PSL. Primeiro, a fez detonar, ao dizer a um eleitor que esquecesse o partido, esquecesse o presidente do partido, Luciano Bivar, "queimado para caramba". Depois, liderou pessoalmente a tentativa de destituição do líder na Câmara, Delegado Waldir (GO), para em seu lugar pôr o filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também seu preferido para a Embaixada em Washington. Foi derrotado, grampeado e ainda xingado de "vagabundo", por Waldir.
Quando um presidente da República entra numa briga, tem de entrar para ganhar. Pior é que a derrota de Bolsonaro foi dupla. Dele e do filho.