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Libero Grassi: o empresário que enfrentou sozinho a máfia italiana

Grassi se recusou a pagar propina e pagou caro por isso, mas também inspirou movimento transformador contra a máfia em Palermo.

12 out 2021 - 17h19
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Cartaz marca o local onde Libero Grassi foi assassinado
Cartaz marca o local onde Libero Grassi foi assassinado
Foto: BBC News Brasil

Esta é a história de um empresário que pagou o mais alto preço por enfrentar a máfia italiana em seu tradicional bastião, a Sicília. Libero Grassi inspirou uma campanha contra o crime organizado na ilha.

Em agosto de 1991, uma das famílias criminais mais poderosas da Sicília, o clã de Madonia, mandou que um motorista seguisse Libero Grassi.

"Eu o segui para ver se ele ia sozinho ou se tinha proteção. Quando estávamos certos de que ele sempre saía sozinho de casa, (Salvatore) 'Salvino' Madonia decidiu matá-lo", disse o motorista, Marco Favaloro, que depois se converteu em informante.

Ele depôs às autoridades contra Salvino Madonia.

"Madonia me pediu que me encontrasse com ele perto de uma banca de jornais no centro da cidade. Depois ele me disse para dirigir seu carro, e paramos junto ao veículo de Grassi."

"Ele me disse para manter o motor ligado e a porta direita aberta. Quando o alvo saiu do edifício, Madonia saiu do carro com uma arma escondida num jornal, chegou perto dele e disparou todas as balas. Depois voltou para o carro e nós fugimos do local."

'Pizzo'

O assassinato de Grassi foi notícia de primeira página na Itália e por todo o mundo. Ele havia sido morto por romper o código de silêncio da máfia, ao se negar publicamente a pagar o que os italianos chamavam de "pizzo", ou seja, dinheiro que garantiria sua proteção.

O corpo do empresário italiano Libero Grassi, em Palermo, 29 de agosto de 1991
O corpo do empresário italiano Libero Grassi, em Palermo, 29 de agosto de 1991
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Meu pai era um homem de poucas palavras, mas não precisava de muitas para dizer o que pensava", afirmou à BBC History a filha de Grassi, Alice. "Ele tinha uma empresa de confecção de roupas, com cem empregados, e eles faziam pijamas e casacos masculinos."

"Quando a fábrica mudou-se para a parte de Palermo (capital da Sicília) controlada pelos Madonia, na década de 1980, foi quando começaram a extorqui-lo."

Começaram no estilo típico da máfia, com um homem conhecido como o "topógrafo Anzalone" pedindo, educadamente, uma contribuição mensal para a segurança ou "para ajudar alguns amigos que atravessavam momentos difíceis".

Quando Grassi se negou, começou a intimidação.

'Prezado chantagista'

"Atacaram a nossa fábrica, roubaram o salário do pessoal e sequestraram o cachorro que tomava conta do lugar. Recebíamos chamadas telefônicas ameaçadoras. Inclusive a minha mãe, que trabalhava em outra empresa, recebeu. Eles haviam se esforçado para localizá-la para poder pressioná-la", conta Alice.

Depois de anos de pressão, que também incluiu uma fracassada tentativa de explodir a fábrica, Grassi decidiu que a situação chegara ao limite. E escreveu a seguinte carta aberta a um dos principais jornais locais, em janeiro de 1991.

"Prezado chantagista,

Gostaria de pedir a nosso desconhecido chantagista que desista das chamadas telefônicas ameaçadoras e do gasto que implica adquirir bombas e projéteis, porque não vamos fazer contribuições.

Construí esta fábrica com as minhas próprias mãos. É o trabalho da minha vida, e não tenho intenção de fechá-la.

Se pagarmos os 50 milhões, depois voltarão ao escritório pedindo mais dinheiro, uma cota mensal, e estaremos destinados a fechar em pouco tempo. Por isso dizemos não ao 'Agrimensor Anzalone' e diremos não a todos aqueles como ele."

Ninguém mais

Quando a carta apareceu na primeira página, lembra sua filha, "obviamente, toda a família se preocupou, mas concordamos com sua decisão. Achamos que tornar isso público na verdade o protegeria".

Estima-se que mais de metade dos empresários de Palermo pagavam o 'pizzo'
Estima-se que mais de metade dos empresários de Palermo pagavam o 'pizzo'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Esse, talvez ingenuamente, fosse o plano de Libero Grassi. Ele queria iniciar um movimento em Palermo contra o pizzo. Estima-se que, na época, mais de 50% das empresas pagavam essa propina.

"Ele achava que outros empresários o apoiariam, mas infelizmente nenhum fez isso. O chefe da Associação de Empresários de Palermo disse que não estava ciente de nenhum problema... E ele mesmo pagava o pizzo!"

Mesmo sem receber apoio de nenhum de seus colegas, Grassi atraiu a atenção da imprensa italiana. Inclusive foi convidado a aparecer na televisão nacional.

"Se eu cedesse, eu estaria renunciando à minha dignidade como empresa independente e tomando minhas decisões com a máfia. Se todos seguissem meu exemplo, o chantagista seria destruído", declarou Grassi na ocasião.

Um herói?

Em agosto de 1991, quando o motorista da família Madonia começou a seguir Grassi, ele notou que o modesto homem de 67 anos frequentemente usava sandálias, como se fosse um monge franciscano.

E andava sem proteção pessoal. "Ele só pediu proteção para a fábrica e os empregados, então um carro de polícia fazia uma patrulha no local."

Ele se via como um herói?

"Absolutamente não. Ele se considerava uma pessoa normal. Pensava que o normal realmente era dirigir um negócio sem intimidação da máfia. Na maioria dos países isso seria um comportamento normal."

O clã Madonia era dirigido por Francesco Madonia. Seu filho Salvino se encarregou pessoalmente da execução, um sinal da importância de Grassi.

"Eu estava em Barcelona com meu marido e liguei para casa à noite. Meu irmão me disse que havia ocorrido um atentado. E que ele estava morto."

Foi uma completa surpresa. "A máfia não costumava matar dessa maneira. Esperávamos um ataque ao nosso negócio, não ao meu pai pessoalmente. Mas a investigação mostrou que, na realidade, ele foi assassinado pelo próprio filho de Madonia para que servisse de exemplo."

Sequelas

Em 2006, o pai, Francesco Madonia, e o filho Salvino foram presos pelo assassinato de Libero Grassi.

"Ficamos sabendo mais tarde, por meio das provas, que as outras famílias mafiosas não estavam de acordo porque pensavam que seria contraproducente e que outros empresários se negariam a pagar, e isso foi o que aconteceu: depois que mataram meu pai, as pessoas tiveram que decidir de que lado estavam."

Pouco a pouco, mais e mais empresas da Sicília passaram a seguir o exemplo de Libero Grassi e se negaram a pagar à máfia. E o movimento Addiopizzo ("adeus ao pizzo") foi iniciado por uma geração mais jovem de sicilianos, em 2004.

"Nós os chamamos de os garotos Addiopizzo, porque nesse momento eram uns garotos recém-saídos da universidade que queriam abrir um bar. Quando foram ameaçados, não tinham como pagar. Então, naquela noite, eles pensaram num slogan que dizia 'um povo que paga o pizzo é um povo sem dignidade'."

"Colocaram o slogan nesses cartões que se usam para avisos funerários - brancos com as bordas pretas - e espalharam os cartões por toda a cidade. Então, numa manhã, Palermo acordou com esse protesto anônimo. Uns dias depois, descobrimos que eram esses rapazes, e mais tarde eles formaram o movimento Addiopizzo."

Selo atesta que loja não paga propina
Selo atesta que loja não paga propina
Foto: BBC News Brasil

O movimento agora dá conselhos a empresas que desejem denunciar a máfia, além de oferecer aos consumidores uma lista de empresas que estão livres dos mafiosos.

"Eles reconhecem meu pai como o precursor do movimento antimáfia em Palermo. Agora existem 1 mil empresas inscritas. Isso não é muito para uma cidade como Palermo, mas, comparado com zero em 1991, é um bom resultado."

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