Lula pede que Maduro apresente atas, mas diz não ver "nada grave" em crise
Presidente cobra atas após regime declarar "vitória" de Maduro, mas disse não ver "nada de assustador" no processo e sugere, no caso de discrepância, que a oposição vá à Justiça - controlada pelo chavismo - e espere.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez nesta terça-feira (30/07) sobre a eleição presidencial na Venezuela. Lula ainda evitou reconhecer Nicolás Maduro como vencedor e cobrou que o regime venezuelano apresente detalhes sobre o resultado do pleito.
Por outro lado, Lula disse que via "nada de anormal" na condução do processo eleitoral no país vizinho e na contestação do resultado oficial pela oposição. A Organização dos Estados Americanos (OEA) já classificou o pleito como "fraudulento" e a Venezuela viu a eclosão de protestos que deixaram pelo menos seis mortos.
Passadas quase 48 horas desde a declaração de vitória de Maduro, o regime ainda não apresentou resultados completos da votação.
"Tem uma briga, como vai resolver essa briga? Apresenta a ata. Na hora que tiver apresentado as atas, e for consagrado que a ata é verdadeira, todos nós temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral da Venezuela", disse.
Lula ainda sugeriu que a oposição venezuelana, caso sejam constadas discrepâncias nos resultados completos, recorra à Justiça e espere uma decisão.
"É normal que tenha uma briga. Como resolve essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar", afirmou o presidente.
Na Venezuela, o Judiciário é fortemente aparelhado pelo regime de Maduro. Recentemente, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a mais alta corte do país, barrou candidatos da oposição no pleito presidencial. Em 2017, o TSJ ainda teve papel central em cassar os poderes da Assembleia Nacional, à época controlada pela oposição.
Lula, no entanto, diz enxergar a opção de recorrer à Justiça como "tranquila". "Eu estou convencido que é um processo normal, tranquilo", completou Lula, em entrevista à TV Centro América, afiliada da TV Globo em Mato Grosso.
Nota do PT
O presidente ainda comentou sobre uma nota divulgada pela Executiva do PT, o seu partido, que prontamente reconheceu a "reeleição" de Maduro e classificou o processo eleitoral como uma "jornada pacífica, democrática e soberana. A posição do partido contrastou com o Itamaraty, que ainda evita reconhecer a declaração de vitória de Maduro anunciada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, um órgão controlado pelo chavismo.
"O PT reconheceu, a nota do Partido dos Trabalhadores reconhece, elogia o povo venezuelano pelas eleições pacíficas que houveram. E, ao mesmo tempo, ele reconhece que o colégio eleitoral, o tribunal eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não. Então, tem um processo. Não tem nada de grave, não tem nada de assustador", disse Lula.
"Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40% e pouco. Um concorda, o outro não".
Lula conversa com Biden sobre crise venezuelana
Ainda nesta terça-feira, Lula conversou por telefone por cerca de meia hora com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sobre a crise na Venezuela. A conversa foi marcada a pedido da Casa Branca.
De acordo com o Palácio do Planalto, Lula disse a Biden que o governo brasileiro quer a divulgação das atas eleitorais por parte do regime venezuelano.
"Lula reiterou que é fundamental a publicação das atas eleitorais do pleito ocorrido no último domingo. Biden concordou com a importância das divulgações das atas", informou o Planalto em nota.
A Casa Branca também divulgou, em comunicado, que Lula e Biden "concordaram com a necessidade da divulgação imediata de dados completos, transparentes e detalhados sobre a votação nas seções eleitorais pelas autoridades eleitorais venezuelanas".
"Os dois líderes compartilharam a perspectiva de que o resultado da eleição venezuelana representa um momento crítico para a democracia no hemisfério e se comprometeram a permanecer em estreita coordenação sobre a questão", diz a nota.
Regime ainda não divulgou resultados detalhados
Na madrugada de segunda-feira, o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, Elvis Amoroso, um aliado de Maduro, anunciou que o autocrata havia vencido o pleito com 51,2% dos votos, e que o resultado seria "irreversível". Amoroso se limitou a ler uma folha de papel diante das câmeras. O site do CNE seguia fora do ar na tarde desta terça-feira, e o regime ainda não divulgou nenhum resultado detalhado ou disponibilizou todas as atas da eleição. Não se sabe nem mesmo se a contagem total foi de fato completada.
A oposição, que montou uma enorme operação para fotografar o máximo de boletins de urna e atas possíveis durante o pleito, afirma que tem como provar que seu candidato, Edmundo González, teve mais que o dobro de votos que Maduro.
"Temos 73,2% das atas e, com este resultado, o nosso presidente eleito é Edmundo González Urrutia [...] A diferença foi tão grande, tão grande, a diferença foi esmagadora, a diferença estava em todos os estados da Venezuela", frisou a ex-deputada, ao lado de González, líder da Plataforma Unitária Democrática (PUD), o maior bloco da oposição.
Machado indicou que, de acordo com 73,2% das atas, Maduro obteve 2.759.256 votos, enquanto González Urrutia 6.275.182. A oposicionista explicou que todas essas atas foram verificadas e digitalizadas. Elas já foram disponibilizadas num portal de internet criado pela oposição.
OEA acusa "manipulação fraudulenta"
O departamento de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) declarou nesta terça-feira que não tem como reconhecer o resultado anunciado pelo CNE da Venezuela e apontou que regime chavista aplicou todo o "manual da manipulação fraudulenta" para distorcer o resultado real."Mais de seis horas após o encerramento da votação, o CNE fez um anúncio [...] declarando vencedor o candidato oficial, sem fornecer detalhes das tabelas processadas, sem publicar a ata e fornecendo apenas as porcentagens agregadas de votos que as principais forças políticas teriam recebido", afirmou o órgão da OEA.
"Durante todo esse processo eleitoral, o regime venezuelano aplicou seu esquema repressivo, complementado por ações destinadas a distorcer completamente o resultado eleitoral, tornando-o vulnerável para a manipulação mais aberrante", prossegue a OEA. "O manual completo da manipulação fraudulenta do resultado eleitoral foi aplicado na Venezuela na noite de domingo, em muitos casos de forma muito rudimentar."
"As evidências mostram um esforço do regime para ignorar a vontade da maioria expressa nas urnas por milhões de homens e mulheres venezuelanos. O que aconteceu mostra, mais uma vez, que o CNE, as suas autoridades e o sistema eleitoral venezuelano estão a serviço do Poder Executivo e não dos cidadãos", completou o departamento de Observação Eleitoral da OEA.