Maduro: mais um mandato, em meio ao agravamento das tensões internas e externas contra o chavismo
Oposição e grande parte da comunidade internacional, liderada pelos EUA, apontam reforma constitucional recém-anunciada como novo artifício do governo para fortalecer o chavismo às custas de repressão e perpetuação no poder
O anúncio de uma nova reforma constitucional pelo presidente Nicolás Maduro ocorre em um momento de grave crise política na Venezuela. Com a posse de seu terceiro mandato seguido marcada para a amanhã, dia 10 de janeiro, as tensões internas e internacionais aumentam. Maduro vem sendo acusado de usar a reforma como ferramenta para consolidar o poder do chavismo em meio à sua perda de legitimidade, e aos episódios de repressão. Este cenário se desenrola em um país que, há anos, enfrenta colapso político, econômico e social.
Maduro afirmou que a reforma constitucional visa consolidar a soberania popular. No entanto, críticos apontam que o verdadeiro objetivo é reforçar o controle do chavismo sobre as instituições e prolongar seu poder.
Desde 2017, quando convocou uma Assembleia Constituinte sob justificativa de pacificar o país, essas iniciativas têm sido usadas para minar as forças opositoras e fortalecer o aparato repressivo do governo.
A recente proposta inclui leis controversas, como a Lei Simón Bolívar, que prevê severas punições contra dissidentes políticos, limita a atuação de ONGs e facilita a repressão de movimentos civis. Além disso, reformas nas leis eleitorais visam restringir ainda mais o já limitado espaço de atuação da oposição.
Essas medidas ocorrem em um contexto de crescente isolamento do chavismo, que enfrenta sua pior crise política desde a chegada de Maduro ao poder em 2013. A legitimidade do governo foi profundamente abalada pelas denúncias de fraude nas eleições presidenciais de julho de 2024, em que o opositor Edmundo González Urrutia afirma ter vencido com base em atas de votação que corroboram essa tese.
A recusa do Conselho Nacional Eleitoral em divulgar os resultados detalhados aumentou as suspeitas de irregularidades. Como resultado, a reforma constitucional surge como uma manobra para reforçar a governabilidade do regime em meio à crise de legitimidade.
Além do impacto político, a reforma constitucional também deve intensificar a repressão. Após os protestos contra os resultados eleitorais, mais de 2.000 pessoas foram presas, incluindo menores de idade. Denúncias de tortura, detenções arbitrárias e perseguições continuam a alimentar o extenso dossiê de violações de direitos humanos atribuídas ao governo chavista. O caso dos menores detidos gerou condenação internacional, mas as medidas paliativas de liberação de alguns presos políticos são vistas como estratégias para reduzir a pressão externa. Personalidades da oposição, como María Corina Machado e o próprio Edmundo González, enfrentam perseguições constantes, sendo que Gonzales foi forçado ao exílio.
Alianças com China e Rússia: proteção parcial contra sanções internacionais
A comunidade internacional acompanha atentamente os desdobramentos. Organizações como a ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Penal Internacional (CPI) têm denunciado as práticas repressivas do regime, classificando-as como terrorismo de Estado e abrindo investigações sobre crimes de lesa humanidade. No entanto, as ações concretas para conter o avanço autoritário na Venezuela ainda são limitadas, enquanto o chavismo se beneficia da falta de consenso entre as potências globais.
As alianças estratégicas da Venezuela com potências como Rússia e China são fundamentais para a sustentação do regime de Nicolás Maduro. Recentemente, a vice-presidente Delcy Rodríguez esteve em Pequim para atrair investimentos e fortalecer laços comerciais, evidenciando a busca por apoio econômico. Paralelamente, os vínculos com Moscou garantem suporte militar e político, consolidando a presença russa na América Latina.
Embora essas parcerias ofereçam à Venezuela uma proteção parcial contra sanções internacionais, elas também exacerbam tensões globais ao refletirem estratégias de expansão geopolítica de Rússia e China. Moscou utiliza sua presença na Venezuela para desafiar a hegemonia dos Estados Unidos na América Latina, enquanto promove ações semelhantes em regiões como a Ucrânia, buscando ampliar sua esfera de influência no leste europeu.
Paralelamente, a China reforça seu papel estratégico ao investir em infraestrutura e recursos naturais na Venezuela, replicando iniciativas de expansão econômica e diplomática vistas em outras partes do mundo, como na África e no Sudeste Asiático, consolidando sua posição como uma potência global emergente. Essa dinâmica complexa contribui para a escalada de disputas internacionais, ampliando a rivalidade entre grandes potências e afetando a estabilidade global e regional.
Ataques da oposição, cautela dos vizinhos
Enquanto isso, a oposição tenta mobilizar esforços para reverter o cenário. Edmundo González anunciou sua intenção de retornar à Venezuela para reivindicar sua vitória, um ato que seria um confronto direto com o regime. María Corina Machado, por sua vez, convocou manifestações nacionais às vésperas da posse de Maduro, buscando aumentar a pressão interna e a visibilidade internacional da crise venezuelana. No entanto, a oposição enfrenta desafios significativos para unificar suas bases e superar os obstáculos impostos pela repressão estatal.
Regionalmente, países como Colômbia, Brasil e Chile têm adotado posições cautelosas. Embora condenem publicamente as práticas autoritárias de Maduro, esses países mantêm canais diplomáticos abertos, buscando equilibrar críticas ao regime com a necessidade de estabilidade na região.
A União Europeia e os Estados Unidos permanecem vigilantes, com algumas potências considerando sanções mais duras, enquanto outras optam por uma abordagem mais diplomática.
No plano interno, o impacto da reforma constitucional vai além das implicações políticas imediatas. Ela reflete um padrão contínuo de centralização de poder e erosão das instituições democráticas na Venezuela. Com a economia ainda em crise e milhões de venezuelanos vivendo em condições de extrema pobreza, a repressão e o autoritarismo agravam as desigualdades sociais e perpetuam o ciclo de instabilidade.
2025 e o futuro
O futuro da Venezuela depende de vários fatores: a capacidade da oposição de mobilizar apoio interno e externo, a disposição da comunidade internacional em tomar medidas concretas e a resiliência do chavismo diante de uma crescente pressão. As eleições parlamentares e regionais previstas para 2025 podem ser um ponto de inflexão, mas somente se forem realizadas sob condições transparentes e justas — algo que, no atual contexto, parece improvável.
2025 desponta como um ano crucial para a Venezuela e para a estabilidade política da América Latina. A reforma constitucional proposta por Maduro, aliada aos desdobramentos relacionados à sua posse, evidencia a intensa disputa pelo poder no país, bem como os desafios mais amplos enfrentados pela democracia, pelos direitos humanos e pelo equilíbrio geopolítico na região. Nesse contexto, o papel dos observadores internacionais e dos atores locais será determinante para definir se a Venezuela continuará trilhando o caminho do autoritarismo ou se encontrará uma solução para sua prolongada crise.
Armando Alvares Garcia Júnior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.