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Marco Aurélio rejeita herdar inquérito contra Bolsonaro

Regimento interno da Corte prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo fica com o ministro que assume a vaga

21 set 2020 - 18h58
(atualizado às 19h05)
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Responsável pela decisão que paralisou as investigações sobre suposta interferência indevida do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello disse ao Estadão que não pretende herdar o inquérito. Vice-decano do STF, o magistrado suspendeu na quinta-feira, 17, o processo (aberto com base nas acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro) por causa da licença médica do ministro Celso de Mello, que se recupera de uma cirurgia. A decisão vale até o plenário analisar como deve ser o depoimento de Bolsonaro - presencial ou por escrito.

Ministro Marco Aurélio Mello durante sessão do STF
17/10/2019 REUTERS/Adriano Machado
Ministro Marco Aurélio Mello durante sessão do STF 17/10/2019 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

A proximidade da aposentadoria compulsória de Celso de Mello, no início de novembro, reacendeu na Corte a discussão sobre quem deve assumir a relatoria do caso. Segundo o Estadão apurou, integrantes do STF se dividem sobre o tema.

"Ante a urgência de todo e qualquer inquérito, de todo e qualquer processo-crime, há de ser distribuído (a outro ministro). Não aceito simplesmente herdar", disse Marco Aurélio Mello ao Estadão, ao defender um sorteio eletrônico para definir o novo relator do caso, após a saída de Celso de Mello. "Sou substituto do ministro Celso de Mello, não pelo patronímico Mello, mas por antiguidade, enquanto ele integrar o tribunal. E não aceito designação a dedo. Mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível."

Coube a Marco Aurélio decidir sobre o recurso de Bolsonaro para suspender o depoimento presencial. A licença médica do decano vai até o dia 26 deste mês.

Por ser o segundo magistrado com mais tempo de atuação na Corte, Marco Aurélio analisou a solicitação feita pela Advocacia-Geral da União (AGU) em defesa do chefe do Executivo devido à urgência do pedido.

Pouco antes de entrar com o recurso no STF, a AGU chegou a receber um ofício da PF com a intimação de Bolsonaro para a realização do interrogatório. No documento, a PF havia oferecido três datas para que o presidente apresentasse "declarações no interesse da Justiça" nesta semana: 21, 22 ou 23 de setembro de 2020, às 14 horas.

O regimento interno do STF prevê que o relator é substituído pelo ministro imediato em antiguidade em caso de licença "quando se tratar de deliberação sobre medida urgente".

Na Corte, a discussão sobre como deve ser o depoimento de Bolsonaro é considerada politicamente delicada, por opor não apenas Celso (decano) a Marco Aurélio (vice-decano), mas também por colocar o Supremo em confronto com o Palácio do Planalto - "isso não é bom para ninguém", avalia um ministro. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, deve consultar os colegas sobre o tema antes de definir a data do julgamento. Há o risco de a decisão ser pautada apenas depois que o decano já tiver saído do tribunal.

Indicação

Para o Palácio do Planalto, Celso de Mello se converteu em um militante político contra o governo. Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República, o decano se tornou um dos principais contrapontos do chefe do Executivo no STF, com manifestações contundentes de repúdio ao que considera excessos cometidos pelo presidente - e de defesa da democracia.

Para a equipe jurídica do governo, houve muitos desgastes e ressentimentos dos dois lados. Marco Aurélio Mello, por outro lado, é considerado um nome mais tragável para supervisionar a investigação.

Ao completar 75 anos em 1º de novembro, Celso de Mello vai se aposentar compulsoriamente, abrindo a primeira vaga na Corte para indicação de Bolsonaro. O regimento interno do STF prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo é herdado pelo ministro que assume a vaga.

Dessa forma, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro deve assumir o acervo de processos de Celso de Mello - o que abre margem para a insólita situação de um ministro indicado pelo chefe do Executivo assumir a relatoria de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.

Segundo o Estadão apurou, a equipe de Fux avalia que essa tradicional regra deve ser mantida, mesmo em se tratando desse inquérito que atinge diretamente Bolsonaro.

"Seria muito ruim que o presidente estivesse na posição de nomear o ministro ou ministra que assumiria a relatoria de um inquérito contra ele. Se essa situação acontecer, espero que o Senado questione o indicado ou indicada sobre isso e, idealmente, perguntaria se ele ou ela se comprometeria em se declarar sua suspeição e pedir a redistribuição caso isso ocorresse", avaliou o professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio. "Mas o melhor seria que o inquérito fosse redistribuído antes disso, para esse debate não dominar a conversa em torno da nomeação, ofuscando outros temas de grande importância."

Um ministro do STF ouvido reservadamente pela reportagem aponta que Marco Aurélio poderia continuar com o inquérito. Dessa forma, quando o sucessor de Celso de Mello assumir a cadeira do tribunal, após ser indicado por Bolsonaro, aprovado pelo Senado e empossado, a apuração possivelmente já teria sido concluída.

Pelo regimento interno do STF, em certos casos (como habeas corpus e extradições), o presidente da Corte pode determinar a redistribuição do processo, se o interessado ou o Ministério Público solicitar. O dispositivo também pode ser acionado em "caráter excepcional" nos demais processos.

Conforme informou o Estadão em abril, logo após a abertura do inquérito, integrantes do STF já avaliavam haver espaço para uma "manobra" interna, com o objetivo de impedir que o caso seja herdado pelo sucessor de Celso de Mello. Ao menos três ministros do STF acreditam que há margem para redistribuição do inquérito, ou seja, eventual mudança de relatoria, antes que o indicado de Bolsonaro assuma uma vaga na Corte.

Um desses magistrados aponta semelhança com a situação enfrentada pelo Supremo em 2017, quando o então presidente Michel Temer escolheu Alexandre de Moraes para ocupar a cadeira de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo.

Na época, os processos da Lava Jato, que estavam com Teori, não foram herdados por Moraes, mas, sim, encaminhados para o gabinete de Edson Fachin após sorteio eletrônico.

Essa manobra foi feita internamente pelo STF como sinalização de que as investigações do bilionário esquema de corrupção na Petrobrás ficariam preservadas e blindadas de qualquer interferência política por parte de Temer. Só depois que Fachin foi definido como novo relator da Lava Jato é que o emedebista oficializou a indicação de Moraes para a vaga de Teori.

Estadão
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