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Merkel cede sobre casamento gay

27 jun 2017 - 13h20
(atualizado às 14h19)
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De uma hora para outra, debate de anos na Alemanha poderá ser encerrado em poucos dias: chanceler libera deputados para votarem de acordo com própria consciência sobre matrimônio homossexual. Por que a mudança?

Angela Merkel
Angela Merkel
Foto: BBCBrasil.com

"Sim ao casamento! Junte-se a nós por uma União moderna" é o que está escrito, em letras garrafais, no convite para a recepção anual da LSU, sigla em alemão para Lésbicas e Gays na União, marcada para esta quinta-feira (29/06). A sigla brinca com o nome de um dos principais partidos conservadores da Alemanha, a CSU, que ao lado da CDU forma o que, no jargão político alemão, se conhece por "a União".

A LSU, que há anos luta pelo "casamento gay", ou a equiparação total da união homossexual ao casamento heterossexual, não é uma organização subordinada à CDU/CSU, como, por exemplo, a Frauenunion, a associação das mulheres. Mas ela existe como grupo oficial de representação de interesses - e isso desde 1998. Desde 2003, ela também participa de congressos da CDU com um estande próprio.

Na prática, isso significa que, na Alemanha, o debate sobre discriminação e igualdade de direitos para os homossexuais já existe há muitos anos dentro dos partidos conservadores, tradicionalmente avessos a esse tema. Mas sem grandes avanços concretos. O atual acordo de coalizão de governo, entre CDU/CSU e Partido Social-Democrata (SPD), não prevê mudanças na situação dos homossexuais, mencionando apenas que se pretende lutar contra a discriminação e refletir sobre o tema "casamento para todos".

Sem referências explícitas no acordo de coalizão, proposições vindas dos estados e que já estavam nas comissões parlamentares do Bundestag não seguiram adiante, assim como propostas encaminhadas pela oposição. A União também se utilizou do argumento de que já existe uma legislação para a chamada "união civil registrada", conhecida como "casamento light" para lésbicas e gays. Essa legislação foi introduzida em 2001, durante o governo da coalizão entre social-democratas e verdes, liderada pelo então chanceler federal Gerhard Schröder, mas não prevê pleno direito de adoção nem igualdade fiscal.

Por isso, nesta terça-feira (27/06), a mudança de posição da chanceler federal Angela Merkel, que repentinamente se disse a favor de liberar a bancada da CDU para votar de acordo com a própria consciência na questão da equiparação total, ainda que somente na próxima legislatura, deixou surpresos alguns deputados homossexuais do partido. Afinal, a chanceler sempre foi vista como o grande empecilho para o casamento gay dentro da União.

Diante das declarações de Merkel, o SPD resolveu agir e anunciou, na manhã desta terça-feira, que colocará a plena equiparação em votação ainda esta semana no Bundestag, com o apoio da oposição. Merkel foi, assim, obrigada a corrigir sua posição. Durante uma reunião da bancada da CDU no Bundestag, a chanceler, que é também a presidente do partido, liberou os atuais deputados de seguir a orientação partidária na hora de votar, também com o argumento de que se trata de uma questão de convicção pessoal.

Assim, o parlamento deverá votar sobre o tema nesta sexta-feira. Com os votos de SPD, Partido Verde e A Esquerda, mais alguns deputados conservadores, é provável que o casamento gay, que é tema de debates há anos, seja aprovado de uma hora para a outra na Alemanha.

Mas por que Merkel mudou de opinião de repente? Nos círculos políticos de Berlim, a explicação mais difundida é que ela quer retirar o assunto da campanha eleitoral. Tanto os liberais como os verdes e a esquerda, mas também o SPD, abordaram o tema "casamento para todos" e, em parte, até mesmo o colocaram como requisito para participar de uma coalizão de governo.

Diante disso, a CDU/CSU se viu obrigada a tomar posição. Ao liberar os seu deputados para votarem como quiserem, não importa se agora ou na próxima legislatura, Merkel retirou esse trunfo de campanha das mãos dos demais partidos. Segundo esse raciocínio, Merkel está sendo o que sempre foi: pragmática.

Populistas podem capitalizar

A decisão da chanceler foi combinada com o presidente da CSU, Horst Seehofer. A CSU é o partido conservador da Baviera e o principal aliado da CDU. Logo depois do anúncio de Merkel, a CSU também liberou seus deputados para votarem de acordo com a própria consciência, mas ressalvou que o partido é contra o casamento gay.

Segundo a líder do grupo de parlamentares do partido, Gerda Hasselfeldt, a Lei Fundamental (Constituição) da Alemanha afirma que o casamento, como aliança jurídica entre um homem e uma mulher, dispõe de proteção especial. Essa situação foi confirmada pela Tribunal Constitucional Federal.

Além disso, o tema não recebeu muita atenção no passado, uma situação que mudou apenas nos últimos anos. Para ela, a sociedade alemã costuma se ocupar de forma aprofundada com uma questão, sem se deixar levar por arroubos momentâneos e orientado-se, nesse debate, por seus valores, sem deixar de considerar todas as posições. "Isso vale especialmente para a União", ressalvou.

Hasselfeldt lembrou que os eleitores da CDU e da CSU estão principalmente no interior, onde muitas pessoas têm posições mais conservadoras em questões sociais do que nas grandes cidades. Na Alemanha, argumentou, essa opinião da província tem grande peso eleitoral. Merkel pode ter tentado aumentar a influência da CDU nas grandes cidades, mas nunca foi bem-sucedida nessa tentativa, disse a deputada.

Esta não é a primeira vez que Merkel põe o seu famoso pragmatismo à frente das posições de seus eleitores conservadores. O mesmo aconteceu, por exemplo, no fim da obrigatoriedade do serviço militar e na decisão de desligar as usinas nucleares. Para analistas, um resultado disso é o fortalecimento da AfD, um partido conservador à direita da CDU. Resta saber se a nova decisão sobre o casamento gay vai empurrar mais eleitores conservadores para o partido extremista.

A AfD já declarou que se mantém contra o "casamento para todos". Uma das líderes do partido, Alice Weidel, declarou ser contra o casamento gay. Weidel, que é homossexual assumida e vive numa união civil registrada com uma mulher, reiterou que a "instituição do casamento é constitucionalmente protegida e como um partido constitucionalista queremos fazer vale a Constituição". Ela acrescentou que o partido é favorável à atual lei que prevê o "casamento light" para homossexuais.

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