Mitos da Educação: as imensas dificuldades para o ensino superior brasileiro melhorar suas posições nos rankings internacionais
A percepção de que a baixa posição das universidades públicas do Brasil no rankings internacionais seria um sinal de que se gasta muito e mal com ensino público no Brasil é uma grande falácia
Ao longo do tempo, por diversas razões, em geral relacionadas à disputa pela destinação dos recursos financeiros disponíveis para desenvolver ações que projetem um futuro brasileiro menos desigual, análises e conclusões superficiais sobre a educação no Brasil foram se cristalizando na sociedade. Na série de artigos "Mitos da educação", o mestre em Física, doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e membro pesquisador do SouCiência Nelson Cardoso Amaral examina em profundidade algumas dessas crenças equivocadas sobre o setor. Abaixo, no sexto artigo da série, Nelson aborda outro equívoco comum: o de que a baixa performance das instituições de ensino superior brasileiras na comparação com universidades estrangeiras é uma prova de que a educação pública no país não funciona.
Frequentemente, as universidades e outras instituições públicas de educação superior do Brasil são cobradas por não conseguirem ocupar posições mais altas nos rankings internacionais de educação. E criticadas por isso, como se essa diferença de performance fosse justificativa para se apontar a ineficiência das universidades públicas brasileiras. Mais um mito que em nada contribui para o desenvolvimento do ensino no país.
De fato, das 100 primeiras posições do ranking de 2024 da conceituada editora inglesa Quacquarelli Symonds, 82 são ocupadas por instituições pertencentes a nações desenvolvidas integrantes da OCDE: Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Holanda, Irlanda, Japão, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia e Suíça.
O mito de que o Brasil deveria pertencer a essa elite vem do fato de que, comparativamente, aplica-se aqui em educacão o mesmo percentual do PIB do que nestes países. Esta análise desconsidera, contudo, os valores absolutos destes PIBs, bem como os tamanhos de suas populações em idades educacionais.
Nesta comparação, os valores aplicados por estudante no Brasil são consideravelmente menores que aqueles aplicados nos países acima, como mostra a tabela abaixo:
Comparação entre os valores médios aplicados por estudante em 14 dos países mais ricos da OCDE e no Brasil
Na educação básica, há uma grande distância entre os valores destes 14 países e os do Brasil. Na Educação Superior a diferença é realmente menor. Porém, deve-se considerar as especifidades existentes nos orçamentos das universidades e instituições públicas de ensino superior brasileiras, que também possuem hospitais, fazendas, televisões, rádios, teatros, museus e muitos outros equipamentos culturais que exigem um volume imenso de recursos financeiros para o desenvolvimento de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Tudo isso torna as comparações internacionais muito mais complexas.
Esses valores é que realmente importam, pois são eles que pagam salários dos profissionais da educação, adequam a infraestrutura das escolas e equipam suas instalações e laboratórios.
Somente para exemplificar, a tabela que segue mostra os salários iniciais médios nos 14 países da OCDE listados anteriormente e no Brasil. Eles referem-se à pré-escola, aos anos iniciais do ensino fundamental (EF-AI), aos anos finais do ensino fundamental (EF-AF) e ao ensino médio (EM). As informações, tanto dos países selecionados da OCDE quanto do Brasil, constam do banco de dados da OCDE. E o valor brasileiro se refere ao Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN):
Salários anuais iniciais dos professores
Importante também notar que, para a obtenção de melhores posições nos rankings pelas instituições de ensino superior brasileiras, deve-se considerar que o Brasil aplica valores equivalentes a apenas US$ 174 por habitante em ciência e tecnologia. Enquanto os 14 países da OCDE elencados acima aplicam, em média, US$ 1.418 por habitante.
Além dessas diferenças fundamentais para estabelecer condições que propiciem que as universidades públicas brasileiras ocupem melhores posições nos rankings internacionais, há muitos outros desafios que dificultam esse acesso.
A performance brasileira
Nas 100 primeiras posições do ranking da Quacquarelli Symonds, o Brasil participa apenas com a Universidade de São Paulo (USP), na 86ª posição. As próximas posições brasileiras na lista são da Unicamp (220ª posição), UFRJ (371ª) e Unesp (419ª).
Para a elaboração do ranking foram utilizados os seguintes componentes: reputação acadêmica; reputação do empregador das pessoas formadas na insituição; Proporção Estudantes/Corpo Docente; citações por docente; proporção de professores estrangeiros; proporção de alunos estrangeiros; rede internacional de pesquisa; resultados de empregos e sustentabilidade.
Diversos desses componentes são quantitativos e pode-se examiná-los comparativamente entre as dos 14 países da OCDE e as quatro IES brasileiras mais bem colocadas.
A tabela que segue apresenta o número total de estudantes, o número de estudantes estrangeiros, o número de professores, a relação estudante por professor e a relação estudantes estrangeiros pelo total de estudantes das IES presentes nos países da OCDE e das quatro primeiras IES.
Indicadores das IES dos 14 países da OCDE e das quatro brasileiras presentes no QS-WUR-2024, USP, Unicamp, UFRJ e Unesp
Examinando-se as informações da tabela pode-se concluir que:
a) As 82 instituições dos 14 países membros da OCDE que participam das 100 primeiras colocações do QS-WUR-2024 possuem, em média, um número total de 27.419 estudantes, enquanto as quatro univcersidades brasileiras mais bem colocadas (USP, Unicamp, UFRJ e Unesp) possuem em média 46.105 estudantes. O MIT, que ocupa a primeira posição, possui apenas 11.035 estudantes. A Stanford University, que ocupa a 5ª posição, tem 14.518. O California Institute of Tecnology (Caltech), na 15ª posição, possui apenas 2.240. E a Princeton University, que ocupa a 19ª posição, tem 7.766.
No Brasil, a USP possui 65.027 estudantes. A Unicamp tem 8.076, a UFRJ conta com 49.310 e a Unesp, 42.008.
Além dessa diferença no quantitativo de estudantes, a relação estudantes/professor nos 14 países da OCDE é de 8,5 estudantes por professor em média, enquanto que nas quatro brasileiras é de 14,1.
O MIT, primeira colocada, possui 3,8 estudantes por professor. A University of Oxford, 2ª colocada, tem 3,6. Harvard University, 4ª colocada, tem 4,9, e a Stanford University, em 5ª, conta com 3,1 professores para cada aluno.
b) O percentual de estudantes de pós-graduação nas 82 instituições da OCDE é bem maior que nas quatro universidades brasileiras. No MIT, é de 61,0%. Em Harvard, 74%. Na Columbia University, que ocupa a 23ª posição no ranking, 70,0%. E na Université Paris Sciences et Lettres (PSL), na 24ª posição, opercentual é de 75%.
Das quatro brasileiras, a USP possui 44%, a Unicamp, 43%, a UFRJ, 25,0% e a Unesp, 21,0%.
As instituições brasileiras precisariam elevar os seus percentuais de estudantes de pós-graduação, o que permitiria uma ascensão em rankings internacionais, pois isto permitiria melhorar a reputação acadêmica, a reputação dos empregadores e as citações, todos componentes importantes usados na elaboração do ranking.
c) O percentual de estudantes estrangeiros em relação ao total de estudantes nos países da OCDE atingiu 33,6% em média, enquanto nas quatro instituições brasileiras mais bem colocados ficou em apenas 5,3%.
Ressalte-se que o MIT, primeiro colocado, esse percentual foi de 55%. Na ETH Zurich, 7ª posição, 77%. Na University of Pennsylvania, 12ª colocada, 41%. E no California Institute of Technology (Caltech), 50%.
Já no Brasil, a USP conta com 5%. A Unicamp e a UFRJ com 6%, e a Unesp com 4%.
Países como o Brasil, de dimensões continentais, possuem dificuldades extras neste indicador em relação aos países da OCDE. Principalmente os europeus. Pois aqui um professor que se desloca mais de 3.500 quilômetros entre o Amapá e o Rio Grande do Sul continua sendo nacional, enquanto uma professor inglês viaja meros 466 quilômetros entre Londres e Paris para ser um professor docente estrangeiro na França.
d) A mesma situação do item anterior também está presenta ao se avaliar a relação de estudantes estrangeiros em relação ao total de estudantes. Esta relação nos países da OCDE foi de 30,9%, e nas quatro brasileiras foi de apenas 2,3%.
Nota-se, portanto, que os componentes utilizados para o ranqueamento internacional estabelecem barreiras difíceis de serem ultrapassadas pelas universidades brasileiras. Os componentes para a constituição do ranking são mais adequados para aqueles países que já superaram os enormes desafios educacionais que o Brasil ainda terá que enfrentar.
Continuar disseminando mais esse Mito sobre a educação brasileira só pode interessar às pessoas que defendem que não se deve incrementar o volume de recursos aplicados em educação e em ciência e tecnologia no Brasil. Pessoas, instituições e/ou corrente políticas que querem impedir a redução da relação estudantes/professor e a elevação do quantitativo de estudantes de pós-graduação, além de bloquear a implementação de programas que tornem possíveis a vinda de professores e estudantes estrangeiros para as universidades brasileiras.
Nelson Cardoso Amaral não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.