Moçambique em turbulência pós-eleitoral: políticas econômicas podem fazer a diferença
A agitação política em Moçambique reflete o descontentamento com o status quo, incluindo oportunidades limitadas de progresso.
A turbulência após as contestadas eleições presidenciais e parlamentares nacionais em Moçambique tem sido severa. Os resultados preliminares das eleições de 2024 indicam uma vitória esmagadora do partido no poder, a Frelimo. Os resultados são amplamente contestados, existindo vários relatos de irregularidades.
Embora as disputas pós-eleitorais não sejam novas no país, desta vez parece diferente.
Os protestos atuais têm sido mais sustentados e generalizados do que nunca. Uma paralisação de uma semana da atividade econômica convocada por Venâncio Mondlane, um dos candidatos presidenciais da oposição, recebeu amplo apoio, especialmente na capital, Maputo.
Praticamente todos os estratos socioeconômicos participaram, com bairros de luxo fazendo panelaços para mostrar seu descontentamento.
Às vezes, os protestos tem se transformados em violência e saques, levando ao fechamento temporário da principal fronteira terrestre do país com a África do Sul. Pela primeira vez, o acesso à internet foi restringido.
Mas a agitação não é somente devido aos resultados eleitorais contestados. Reflete o desencanto generalizado com o status quo, incluindo a mobilidade social limitada para muitos. Para alguns acadêmicos, o surgimento do terrorismo islâmico no norte do país desde 2017 é outro sintoma das crescentes desigualdades e das expectativas não concretizadas da extração de recursos naturais, num contexto de rápido crescimento populacional.
Apesar dos apelos por diálogo, incluindo um manifesto de cidadania preparado por importantes acadêmicos, não há nenhum compromisso político em vista. No entanto, independentemente do acordo político que surja, o novo governo enfrenta desafios severos de política econômica, que só se tornarão mais agudos se a instabilidade e a violência continuarem.
Com base em uma série de evidências e em anos de investigação acadêmica no país, este artigo resume esses desafios econômicos. Para colocar Moçambique no caminho do desenvolvimento e da redução da pobreza, proponho prioridades e ações que deveriam ser consideradas por um novo governo.
Algum contexto
A crise atual resulta de vários desafios econômicos e institucionais de longa duração. Um fator principal é a crise das "dívidas ocultas" que veio à tona em 2014, envolvendo empréstimos comerciais de bilhões de dólares garantidos pelo governo para a criação de uma frota de pesca de atum. Quando estas dívidas se tornaram públicas, Moçambique assistiu a uma forte contração da ajuda oficial concedida ao governo, a rápida depreciação da taxa de câmbio e à elevada inflação dos preços no consumidor.
A nossa pesquisa sugere que essas dinâmicas têm contribuído substancialmente para aumentar a pobreza no país. A recente Estratégia Nacional de Desenvolvimento do governo reconhece que quase dois terços da população do país de 30 milhões vivem abaixo da linha nacional de pobreza. Isto é acima dos pouco menos de 50% de dez anos atrás.
No entanto, as crises raramente têm causa única. Problemas mais profundos incluem distorções devido ao crime organizado e uma percepção de captura do Estado pela elite. Existe uma percepção generalizada de que os contratos governamentais e as concessões mineiras são rigorosamente controlados por políticos. Estes privilegiados atuam frequentemente como guardiões dos investidores privados externos.
Além disso, o país tem enfrentado choques recorrentes, como a COVID-19 e grandes eventos climáticos.
A gestão das finanças públicas adicionou combustível a esse fogo latente. Há muito esperados, os ganhos fiscais da extração de recursos naturais, incluindo carvão e gás natural, permanecem distantes.
Ao longo da última década, o investimento público caiu drasticamente e os empréstimos dos bancos locais ao governo dispararam. As despesas do governo foram reduzidas, uma vez que a maior parte das receitas fiscais é agora alocada ao pagamento dos salários do setor público, ao serviço de dívidas e à manutenção de um mínimo de serviços públicos.
Prioridades da política econômica
A legitimidade política do novo governo dependerá de sua capacidade de fazer melhorias genuínas dentro de um tempo razoável.
No contexto de severas restrições de recursos e apenas com a disponibilidade de alavancas rudimentares de política econômica, é necessária uma reflexão e um debate cuidadoso para identificar o que fazer primeiro e como produzir resultados.
Na minha opinião, cinco prioridades devem orientar o foco da política econômica de um novo governo:
· Fortalecer a estabilidade macroeconômica por meio de finanças públicas prudentes. Criar espaço fiscal por meio da gestão ativa da folha de pagamentos e da dívida interna.
· Estabelecer um novo contrato social. Os gastos públicos devem se concentrar em serviços públicos críticos, abordar desigualdades regionais e apoiar os mais vulneráveis. O novo governo precisará inspirar a geração de jovens de que elas podem esperar uma vida melhor do que seus pais.
· Empreender investimentos em larga escala em infraestruturas econômicas, com vista a adaptação a choques climáticos e mudanças climáticas de longo prazo. Isso será crítico para estimular e sustentar o crescimento econômico.
· Apoiar ativamente os sectores de exportação (verdes) como impulsionadores do crescimento e da criação de empregos, particularmente no sector agrícola, onde se encontram a maioria dos trabalhadores e dos pobres, bem como nas agroindústrias relacionadas.
· Melhorar as competências da função pública, promovendo profissionalismo, competência técnica, imparcialidade, integridade, transparência e responsabilidade.
Ações concretas imediatas
Claro, definir prioridades é a parte mais fácil. Mais difícil é identificar meios viáveis para alcançá-las. Nesse espírito, apresento algumas ideias para ações concretas imediatas:
· Congelamento temporário das despesas salariais do governo e da aquisição de novos equipamentos não essenciais.
· Restruturar de forma inteligente a dívida pública, se necessário por meio de renegociação com os principais credores.
· Estabelecer um caminho claro a uma taxa de câmbio real mais competitiva, reconhecendo que a inflação moderada e controlada pode desempenhar um papel fundamental na redução do custo real dos salários do governo e de certas obrigações de dívida. Além disso, uma taxa de câmbio mais competitiva e estável dará um impulso aos sectores de exportação.
· Implementar uma reforma e uma expansão dos programas de proteção social. Isso precisa de ser feito com urgência. O objectivo seria fazer com que o dinheiro fluísse através da economia em geral (especialmente para além dos centros urbanos) e apoiar os mais vulneráveis. O maior programa de proteção social do país, uma pensão social para idosos, praticamente não realiza transferências desde 2023.
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Tentar oferecer aos pequenos agricultores um preço mínimo para os produtos agrícolas selecionados, para promover a estabilidade dos rendimentos e estimular as cadeias de valor agrícolas.
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Basear as políticas em evidências e deliberações de elevada qualidade.
Por último, o governo deve considerar medidas para angariar recursos adicionais para investimento e proteção social. Isto pode incluir:
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Defender o acesso rápido aos fundos globais para a adaptação e mitigação das alterações climáticas. Isto requer investimento inicial em diplomacia, conhecimentos técnicos e desenvolvimento de projetos em todo o governo.
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Recuperar uma parte de ativos ilícitos. Isto poderia ser feito, por exemplo, através de acordos de reconciliação. No mínimo, deverão ser estabelecidos registos públicos de ativos detidos por pessoas politicamente expostas, quer no país, quer no estrangeiro. Esta é uma agenda ambiciosa, mas não há soluções simples. O novo governo não poderá ignorar a gravidade e a provável dependência histórica dos desafios econômicos que o país enfrenta, e não seria sensato adotar reformas puramente ideológicas, populistas ou não testadas.
É essencial colocar Moçambique num caminho que proporcione às gerações mais jovens oportunidades genuínas de mobilidade social.
Sam Jones não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.