Mudança na 2ª instância não impacta réus já julgados, dizem analistas
Juristas ouvidos pelo 'Estado' afirmam que situação jurídica de políticos julgados em casos anteriores, como o ex-presidente Lula, não muda com proposta de modificar artigos 102 e 105 da Constituição
Juristas ouvidos pelo Estado nesta terça-feira, 26, afirmaram que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para modificar os artigos 102 e 105 da Constituição Federal e, na prática, fazer com que processos judiciais terminem na segunda instância, não impactaria réus julgados em casos anteriores, mas consideram que seria uma medida muito ampla, com efeitos em todo o ordenamento jurídico nacional, para resolver uma situação politizada pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. Por 6 a 5, o STF decidiu contra a prisão automática após condenação em 2 instância.
Segundo o texto, que seria trabalhado em conjunto pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, recursos extraordinários, apresentados no STF, e recursos especiais, levados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), passariam a ser ações autônomas de impugnação - sanções contra decisões judiciais.
Condenados
Para João Paulo Martinelli, doutor em direito criminal pela USP, a mudança na lei não deve impactar condenados antes da modificação da lei, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou o ex-ministro José Dirceu. "Uma modificação, tanto por PEC ou por lei, só tem eficácia a partir dos processos que transitem em julgado a partir daquela data".
"Pessoas já beneficiadas com a inviabilidade de prisão automática após o julgamento em segunda instância não seriam prejudicadas ou presas. É claro que se o sujeito é réu em outros processos, nos quais ainda não houve julgamento em segunda instância, a mudança teria efeito imediato e, logo após o julgamento, seria possível a prisão", afirma o defensor público Gustavo Junqueira, professor de direito penal da PUC-SP.
A advogada constitucionalista Vera Chemim vai no mesmo sentido e é clara: "a lei não retroage para prejudicar um réu", diz. "Se depender desta nova legislação, ou desta emenda que ainda estão discutindo, a situação daqueles que foram julgados anteriormente não muda".
"Com isso, o trânsito em julgado passaria a ocorrer no âmbito dos tribunais", explica Gustavo Badaró, professor da Faculdade de Direito da USP, que defende uma discussão mais profunda sobre as consequências dessa mudança nos âmbitos cível, administrativo, tributário e em outras áreas jurisdicionais, para além do criminal. Dívidas da União, dos Estados, de municípios e de empresas poderiam ser antecipadas, por exemplo.
Badaró entende que a alteração não impediria que o STJ e o STF continuassem a exercer suas funções institucionais - o primeiro de guardião e intérprete da Constituição e o segundo de uniformizador da lei federal.
Tsunami
Na avaliação do jurista Lênio Streck, professor da pós-graduação em direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e procurador de Justiça aposentado, a medida causaria um "tsunami jurídico" no Brasil. Ele exemplifica com casos de ações relacionadas a juros bancários, à propriedade ou de dívidas geradas por condenações judiciais. "Cada desembargador pensa diferente. Imagine se o governo perde uma decisão, teria de pagar imediatamente porque não há mais recurso", disse.
"É como se tivéssemos um abscesso na perna do Brasil e decidem amputar a perna do paciente. Precisa de um canhão para acertar uma mosca?", questionou. O jurista comenta que o pano de fundo dessa discussão é a "criminalização da política" e que seria um erro o Parlamento aprovar uma lei dessas logo após o STF decidir sobre a questão.
"No mundo todo, quando a Suprema Corte decide um assunto, ela fala por último. Não se tem notícia, a não ser em republiquetas, de que imediatamente após uma decisão, o Parlamento a conteste".
Placar
A retomada da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância tem apoio da maioria dos parlamentares. Levantamento exclusivo do Estado aponta que 51 senadores e 292 deputados são favoráveis à tese. No Senado, já há aval declarado para a aprovação de uma PEC; na Câmara faltariam 16 votos para alcançar o mínimo exigido, sempre em dois turnos. Por sua vez, 115 deputados e 21 senadores não responderam aos questionamentos.