4 perguntas para entender escândalo que ameaça premiê britânico Boris Johnson
Revelação das festas que ocorreram nos momentos mais difíceis da pandemia, enquanto a maioria dos cidadãos britânicos não podia promover encontros ou estar com suas famílias, causou "raiva e tristeza" no país.
Para o governo britânico liderado por Boris Johnson, esta foi uma semana de pedir desculpas.
Primeiro, foi na quarta-feira (12/1), diante do Parlamento. Lá, o primeiro-ministro britânico pediu desculpas aos colegas de Westminster por ter participado de uma festa realizada em maio de 2020, em pleno confinamento devido à pandemia de covid-19.
Então, nesta sexta-feira (14/1), um porta-voz de 10 Downing Street, residência oficial do primeiro-ministro, enviou uma carta ao Palácio de Buckingham, residência da rainha Elizabeth 2ª, na qual se desculpou pela celebração de duas festas na noite anterior ao funeral do príncipe Philip de Edimburgo, marido da monarca, em abril de 2021.
"O gabinete do primeiro-ministro lamenta profundamente que isso tenha ocorrido em um momento de luto nacional", dizia o comunicado.
Esses encontros também foram realizados em um momento em que o país estava em confinamento devido à pandemia de covid-19 e havia restrições aos encontros sociais.
O escândalo das festas que ocorreram enquanto a maioria dos cidadãos britânicos não podia reunir-se ou estar com suas famílias nos momentos mais difíceis da pandemia causou "raiva e tristeza" no país.
Líderes de partidos da oposição, como o Trabalhista e os Liberais Democratas, pediram a renúncia de Johnson. E até mesmo vários parlamentares do próprio partido conservador pediram a saída do primeiro-ministro.
A seguir, veja os principais pontos deste escândalo, que muitos acreditam que pode ter consequências sérias para o futuro político de Boris Johnson.
1. O que aconteceu em Downing Street?
Um ponto de partida para o escândalo poderia ser estabelecido em meados de 2021, quando o jornal The Sun revelou uma foto e um vídeo do então secretário de Saúde britânico Matt Hancock beijando Gina Coladangelo, assessora do governo.
A imagem era datada de maio daquele ano, quando vigoravam sérias restrições e distanciamento social, estabelecidas pelo próprio Hancock para proteger a população durante a pandemia.
A publicação dessas imagens forçou a demissão do ministro e abriu uma porta que ainda não foi fechada: o vazamento de imagens mostrando funcionários de Downing Street em reuniões e festas quando o próprio governo proibia encontros de mais de duas pessoas.
Embora tenham aparecido em uma ordem diferente, diferentes celebrações já vieram a conhecimento do público.
Um dos encontros aconteceu em maio de 2020, e imagens mostram o primeiro-ministro no jardim da residência oficial bebendo vinho com outros funcionários.
Também foram divulgadas reuniões que ocorreram em dezembro de 2020, durante as comemorações de Natal, em que vários funcionários são vistos compartilhando comidas e bebidas entre si.
Naquela época, o Reino Unido vivia uma situação crítica, com mais de 400 mortes por dia.
Em uma imagem daquela época de Natal, o primeiro-ministro pode ser visto resolvendo um quiz ou enigma típico das comemorações britânicas de fim de ano com outras pessoas na mesma sala e sentados à mesma mesa, em 15 de dezembro de 2020, segundo a data da foto.
Entre os encontros estão a despedida de funcionários que estavam se aposentando do governo - ou a já famosa festa de Natal de 18 de dezembro de 2020.
Depois que as primeiras informações foram divulgadas, Johnson inicialmente negou que essas reuniões tivessem ocorrido e depois disse que não havia participado delas.
Mais tarde, fez pedido de desculpas no Parlamento, admitindo ter estado presente.
Também foi divulgada a informação de que um encontro com consumo de álcool na noite anterior à cerimônia fúnebre do príncipe Philip, em 9 de abril de 2021.
Uma das imagens que marcaram aquele momento - e que ressurgiu com a divulgação das festividades de integrantes do governo - é a da rainha Elizabeth 2ª sozinha durante a cerimônia fúnebre do marido para cumprir as normas impostas pelo próprio governo para controlar a pandemia.
2. Qual tem sido a reação no Reino Unido?
A reação foi "raiva e tristeza", como analistas e líderes políticos do país resumiram.
Líder da oposição, o trabalhista Keir Starmer tem defendido de forma veemente que Johnson renuncie diante de uma enxurrada de detalhes sobre reuniões sociais em Downing Street.
"Tudo isso mostra a maneira muito séria pela qual Boris Johnson rebaixou o cargo de primeiro-ministro", disse Starmer nesta semana.
E acrescentou: "A festa acabou, primeiro-ministro. A única questão que resta é se serão os britânicos que o expulsarão ou o seu próprio partido, ou se você, como a última coisa decente a fazer, vai renunciar."
De fato, muitos britânicos expressaram sua rejeição ao que aconteceu. Principalmente aqueles que perderam familiares para o vírus e não puderam se despedir deles.
"Duas semanas antes de Boris Johnson comparecer a uma dessas festas, me despedi de meus pais pela última vez. E tive que fazer isso de longe", escreveu o jornalista Chris Bishop em uma coluna publicada no Eastern Daily Press.
"O que mais me incomoda em tudo isso é que, enquanto quase todo mundo faz sacrifícios diariamente, aqueles próximos aos mais altos escalões do governo agiam como se as diretrizes não se aplicassem a eles", disse.
Os cidadãos também mostraram seu descontentamento em diferentes áreas.
"É repugnante. Eles nos dizem que não podemos fazer isso ou aquilo e que não podemos levar nossos filhos e então eles podem ter reuniões sociais com quem quiserem, quando quiserem. Realmente não acho isso justo", disse Sakeena, de 35 anos, mãe de cinco filhos, à BBC em entrevista.
Várias pesquisas também indicam que, se uma eleição fosse realizada agora, o Partido Trabalhista (oposição) teria uma vantagem de mais de 10 pontos.
3. O que disse Boris Johnson - e o que o espera?
Quando os primeiros relatos de reuniões em Downing Street começaram a ser conhecidos, Johnson negou ter participado.
No entanto, as revelações feitas nas últimas semanas levaram-no a alterar o seu discurso.
Foi então que, no Parlamento, ele admitiu que tinha estado numa dessas reuniões, embora tenha dito que sempre pensou que eram reuniões de trabalho.
"Quero me desculpar. Conheço os sacrifícios extraordinários que milhões de pessoas fizeram nos últimos 18 meses. Estou ciente da raiva que sentem por mim e meu governo quando pensam que as regras não foram seguidas em Downing Street", disse ele durante a sessão parlamentar.
E acrescentou, sobre a festa que foi realizada no jardim de sua residência: "Do ponto de vista de hoje, acho que deveria ter pedido a todos que voltassem para dentro. Deveria ter percebido que, embora tecnicamente as recomendações oficiais estivessem sendo seguidas, milhões de pessoas não veriam dessa maneira."
Segundo alguns analistas, o que ele conseguiu com essas desculpas foi apenas um pouco de fôlego até que apareça o próximo capítulo desta história: a investigação em que Sue Gray trabalha.
Gray é secretária permanente do gabinete do governo, mas, acima de tudo, é a pessoa escolhida para realizar a investigação que foi determinada para apurar detalhes das festas e estabelecer se de alguma forma infringiram leis.
Esse relatório será divulgado em algumas semanas.
Para a editora política da BBC, Laura Kuenssberg, "alguns dos aliados de Johnson sugerem que o relatório de Sue Gray pode acabar se tornando um fardo (para Johnson) depois de suas explicações públicas na quarta-feira passada".
"Embora não signifique sua saída imediata, a verdade é que coloca sobre a mesa algo que antes era impensável: que o período de Boris Johnson no poder pode terminar em breve."
4. O que é o Comitê 1922 e por que ele é crucial agora?
Uma das possibilidades que ganharam força nas últimas semanas é a saída antecipada de Boris Johnson do governo.
Isso pode acontecer de várias maneiras, mas principalmente de duas: se ele mesmo renunciar ao cargo - algo que por enquanto parece improvável - ou se membros de seu próprio partido o retirarem.
É aí que entra o Comitê 1922, que na verdade foi criado em 1923 e consiste basicamente em um grupo de parlamentares conservadores que se reúnem semanalmente para rever as estratégias e ações que o partido está tomando.
O apoio do comitê é essencial para manter o primeiro-ministro e os membros do seu gabinete no poder, nas circunstâncias em que o Partido Conservador está no governo, como acontece atualmente.
O comitê tem uma ferramenta de voto de desconfiança que funciona da seguinte forma: se um parlamentar conservador discordar da liderança do partido, ele pode enviar uma carta ao líder do Comitê 1922.
Caso cheguem cartas de 15% dos parlamentares conservadores na Câmara dos Comuns expressando desacordo com a liderança do partido, seria possível convocar um voto de confiança em relação ao atual líder, que poderia terminar com sua renúncia ao cargo.
Até agora, o primeiro-ministro luta para se manter no posto - e os próximos dias tendem a ser decisivos.
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