A batalha geopolítica sobre represa gigantesca que alterou rio Nilo
Em meio à construção de reservatório, Egito acusa a Etiópia de ameaçar o seu abastecimento de água do rio Nilo
O Egito acusa a Etiópia de ameaçar o seu abastecimento de água do rio Nilo.
A Etiópia confirmou que concluiu o enchimento do reservatório da sua nova barragem gigante, que utiliza água do Nilo.
Qual é o projeto da barragem gigante da Etiópia?
A Grande Barragem da Renascença Etíope (Gerd, por suas siglas em inglês) fica no Nilo Azul, nas terras altas do norte da Etiópia, de onde fluem 85% das águas do Nilo.
A Gerd fica a 30 quilômetros a sul da fronteira com o Sudão e é o maior projeto de barragem hidroelétrica da África. Tem mais de um quilômetro de comprimento e 145 metros de altura.
Ainda não está totalmente concluída, mas já está há mais de 12 anos em construção.
O reservatório por trás da barragem de US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 20 bilhões) tem uma área de superfície do tamanho da Grande Londres.
Como a barragem ajudará a Etiópia?
A Etiópia quer que a barragem produza eletricidade para 60% da sua população que atualmente não tem abastecimento.
É esperado que isso duplique a produção de eletricidade da Etiópia, permita um fornecimento constante de eletricidade às empresas e impulsione o desenvolvimento.
Poderá também fornecer eletricidade aos países vizinhos, incluindo o Sudão, o Sudão do Sul, o Quênia, o Djibuti e a Eritreia.
Por que o Egito e o Sudão estão preocupados com a barragem?
O Egito, com uma população de cerca de 107 milhões de pessoas, depende do rio Nilo para quase toda a sua água doce.
O país necessita dela para as famílias e a agricultura - especialmente para o cultivo de algodão, que usa muita água.
A água do Nilo também é usada para encher o lago Nasser, o reservatório da própria usina hidrelétrica do Egito, a Represa Alta de Assuã.
O Sudão, com uma população de 48 milhões de pessoas, também depende intensamente da água do Nilo.
Ambos os países questionam se a Etiópia deixará fluir água suficiente para eles no futuro.
"As medidas unilaterais da Etiópia são consideradas um desrespeito pelos interesses e direitos dos países a jusante e pela sua segurança hídrica", afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Egito.
A entidade ainda argumentou que uma redução de 2% na água do Nilo poderia resultar na perda de cerca de 81 mil hectares de terra irrigada.
Os baixos níveis dos rios também podem afetar o transporte no Nilo.
"A principal preocupação do Egito sempre foi a operação a longo prazo da Gerd após a fase inicial de enchimento", diz Mohammed Basheer, da Universidade de Toronto.
"Não há acordo sobre como a Gerd deve ser gerida durante e após os períodos de seca. A Etiópia pode adotar uma abordagem que maximize a produção de eletricidade após as secas, o que seria desfavorável para o Egito."
A Etiópia encheu a barragem ao longo de três anos, classificando como inaceitável o pedido do Egito de que deveria levar entre 12 e 21 anos.
Embora o Sudão seja tão afetado pelos níveis de água no Nilo como o Egito, a sua resposta à barragem foi restringida pelo conflito no país.
Será possível chegar a um acordo sobre o futuro da barragem?
A barragem tem sido fonte de desentendimentos entre os países desde o início da sua construção, em 2011.
Um tratado de 1929 (bem como outro tratado de 1959) deu ao Egito e ao Sudão direitos sobre quase toda a água do Nilo.
Também deu o direito de vetar projetos de países a montante (como a Etiópia) que os privariam da sua parcela de água.
A Etiópia disse que não estaria vinculada a esses antigos tratados e decidiu começar a construir a barragem durante a Primavera Árabe, quando houve turbulência política no Egito.
O Egito, o Sudão e a Etiópia assinaram um novo tratado em 2015, mas as negociações sobre a forma como a Etiópia utiliza a água do Nilo para encher a barragem fracassaram repetidamente.
Em 2019, o Grupo Internacional de Crise - uma organização que trabalha para prevenir guerras - alertou que o conflito armado era possível.
Os Estados Unidos intervieram em 2019, para tentar chegar a um acordo entre o Egito e a Etiópia, mas com pouco sucesso.
As conversações só foram reiniciadas três semanas antes de a Etiópia anunciar que tinha terminado o enchimento da barragem.