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Mundo

A cidade russa 'reduto' de brasileiros que está sendo atacada pela Ucrânia: 'Sensação de perigo'

Alvo do exército ucraniano, Kursk reúne estudantes de medicina brasileiros. "Não tenho como sair", diz brasileiro.

15 ago 2024 - 07h25
(atualizado às 19h34)
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Prédio em Kursk atingido por destroços de mísseis ucranianos
Prédio em Kursk atingido por destroços de mísseis ucranianos
Foto: Anatoliy Zhdanov/Reuters / BBC News Brasil

O estudante brasileiro Lucas*, de 25 anos, tem acordado às vezes no meio da madrugada com sirenes altas e mensagens no celular pedindo para ele se proteger: "Perigo de mísseis. Não chegue perto das janelas", dizem os recados.

O medo é que destroços de mísseis da Ucrânia interceptados pela Rússia possam atingir o seu quarto.

Lucas mora em Kursk, cidade da região russa de mesmo nome onde as tropas ucranianas têm avançado dia após dia há uma semana, capturando soldados inimigos. A cidade de Kursk fica a mais de 100 km região fronteiriça, mas já teve prédios atingidos por mísseis ucranianos e tem sentido os efeitos da guerra cada vez mais próxima.

Essa é incursão militar mais profunda e significativa da Ucrânia desde que a invasão em grande escala da Rússia em território ucraniano começou, em fevereiro de 2022.

A Ucrânia afirma que controla cerca de 1.000 km² da Rússia e 74 cidades e vilarejos. Já a Rússia diz que tem impedido forças ucranianas de avançar ainda mais na região e tem deslocado tropas.

O jovem de 25 anos não é o único brasileiro em Kursk. A cidade pouco conhecida de cerca de 500 mil habitantes é uma espécie de "reduto" de brasileiros na Rússia — especialmente, de estudantes de medicina.

"Um pedacinho de Brasil no país europeu", diz em seu site a Aliança Russa, empresa responsável por levar a grande maioria dos estudantes para a cidade e "representante das principais universidades russas no Brasil desde 2005".

Recado em Russo em grupos de mensagem pede para moradores se afastarem de cômodos com janelas
Recado em Russo em grupos de mensagem pede para moradores se afastarem de cômodos com janelas
Foto: Acervo Pessoal / BBC News Brasil

Segundo informou o Ministério das Relações Exteriores, a comunidade brasileira na Rússia é "relativamente pequena", distribuída principalmente entre as grandes metrópoles de Moscou e São Petersburgo. No último relatório do Itamaraty, com dados de 2022, eram estimados cerca de 900 brasileiros no país.

Em 2024, "em Kursk, há cerca de 30 estudantes brasileiros, a maioria matriculada na Universidade Federal de Kursk, no curso de medicina", disse em nota o Itamaraty.

Segundo Lucas, que mantém relações com toda a comunidade brasileira local, o número é maior. "São cerca de 50 estudantes aqui. Mas, no momento, como estamos de férias, só tem 15 na cidade", diz. No passado, esse número já foi muito maior, de acordo com o brasileiro: "Cerca de 500".

Reportagem recente da Folha de S. Paulo sobre o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos mostrou que, só em 2024, 164 profissionais formados na Rússia se submeteram ao teste. A principal instituição, segundo estudantes, é justamente a Universidade Médica Estatal de Kursk.

A BBC News Brasil tentou contato com a Aliança Russa, responsável por levar os brasileiros ao país, para obter dados e saber se estão dando algum suporte aos estudantes, mas não obteve resposta. Estudantes dizem também não ter conseguido contato.

Mapa mostra região fronteiriça entre Ucrânia e Rússia, com identificação das áreas da incursão ucraniana no território, na região de Kursk
Mapa mostra região fronteiriça entre Ucrânia e Rússia, com identificação das áreas da incursão ucraniana no território, na região de Kursk
Foto: BBC News Brasil

'Sensação de perigo'

Enquanto conversava com Lucas nesta quarta-feira (14/8), a reportagem ouviu a sirene tocando e um recado no alto falante dentro do quarto dele, na hospedagem da universidade. O pedido, segundo o estudante, era para se afastar da janela.

"O anúncio de perigo de míssil toca numa caixinha de som para emergências o tempo todo, ouvimos barulhos de explosão, notícias de prédios residenciais sendo atingidos por destroços de mísseis, pessoas gravemente feridas. É tipo o som de Silent Hill [filme de terror em que toca uma sirene]", diz o estudante.

"A gente que é brasileiro não tem ideia [o que é uma guerra], a gente só sabe de ouvir nas aulas de história."

Para Lucas, apesar dos alertas e dos barulhos, a vida na cidade segue com certa normalidade. "A sirene toca, mas as pessoas seguem fazendo suas coisas. Ninguém fica desesperado."

A internet, porém, tem apresentado instabilidade.

"A gente sabe que o exército russo é bom em interceptar os mísseis, mas o medo é que os estilhaços atinjam os prédios", conta.

"Então causa uma preocupação porque pode ser que caia algo na nossa cabeça e não tenha para onde correr. É uma sensação de perigo físico", descreve Lucas. O jovem diz que, em crises de ansiedade, precisa ligar aos pais no Brasil.

Cidade de Kursk atrai estudantes de várias partes do mundo
Cidade de Kursk atrai estudantes de várias partes do mundo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O brasileiro diz que escolheu ir à Rússia porque, desde criança, admirava a cultura do país — e também pelos valores mais baratos do que uma universidade particular de medicina no Brasil. Ele paga cerca de R$ 17 mil por semestre, com a hospedagem.

Lucas pretende concluir seu curso de 6 anos de medicina em Kursk, mas diz que agora a "vontade é de ir para um lugar em que eu me sinta mais seguro".

"Não tenho dinheiro pra sair da cidade, para pagar acomodação em outra cidade e ir para o Brasil é inviável, porque além da passagem ser cara, as aulas poderão voltar no futuro próximo e eu teria que descontinuar o curso", explica.

O estudante diz esperar um plano do Itamaraty para os brasileiros em Kursk, como a acomodação em outra cidade.

A Embaixada em Moscou teria se reunido com dois estudantes que saíram de Kursk e apresentaram as demandas dos moradores da região. Eles teriam ouvido que há uma necessidade de liberação de verba a partir de Brasília, mas que há um plano de evacuação caso necessário.

Fonte do Itamaraty disse que a instituição está atenta aos desdobramentos na região de Kursk e "pronta para agir".

O Itamaraty também informou em nota que "desde fevereiro de 2022, com o início do conflito entre a Ucrânia e a Rússia, tem prestado regularmente apoio à comunidade brasileira residente em Kursk". "Em diversas ocasiões, diplomatas, inclusive o próprio Embaixador, foram a Kursk para encontrar e dar apoio e orientação aos estudantes residentes naquela cidade", complementa a nota.

Cidade símbolo da Segunda Guerra

Batalha de Kursk foi ponto de virada para soviéticos na Segunda Guerra
Batalha de Kursk foi ponto de virada para soviéticos na Segunda Guerra
Foto: Sovfoto/Universal Images Group via Getty Images / BBC News Brasil

A cidade e o oblast (tipo de Estado na Rússia) de Kursk são um dos símbolos do orgulho russo.

Foi nessa região que a então União Soviética venceu a maior batalha de tanques da história, contra o exército nazista alemão na Segunda Guerra Mundial, em 1943.

O conflito é considerado um "ponto de virada" na história da guerra, quando o exército vermelho frustrou um enorme contra-ataque nazista, depois que as tropas de Adolf Hitler sofreram uma derrota colossal em Stalingrado (hoje Volgogrado) no inverno de 1942-43.

A cidade também tem monumentos de importância federal, como a Catedral Znamensky, e é considerada um dos centros culturais e religiosos da Rússia

Localizada perto da fronteira com a Ucrânia, Kursk também é uma cidade bastante cosmopolita, segundo estudantes, justamente pela atratividade de suas instituições de ensino.

"A cidade em si é muito internacional, com muita gente do Uzbequistão, Azerbeijão e, principalmente, da Índia", diz Lucas.

O estudante conta que se sente "em casa" nessa cidade "pequena com ar de cidade grande, onde me sinto seguro".

*O nome foi trocado a pedido do entrevistado, por questões de segurança

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