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A disputa sobre ocupação ilegal na Espanha: 'Invadiram minha casa e tento recuperar há um ano'

A lei espanhola não permite a retomada à força de um imóvel ocupado: se o proprietário tentar trocar a fechadura da porta, é ele quem pode ser denunciado à polícia pelos invasores.

28 mar 2025 - 19h06
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Ricardo Bravo é porta-voz e um dos fundadores da Plataforma dos Afetados pelas Ocupações
Ricardo Bravo é porta-voz e um dos fundadores da Plataforma dos Afetados pelas Ocupações
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

"Quase me mataram", exaspera-se Carlos Gama. Há um ano ele luta na Justiça para expulsar dois homens que ocuparam seu apartamento, zona metropolitana de Madri. "Jogaram da janela um pedaço de concreto contra mim, e escapei por pouco. Eles me insultam e me ameaçam. Dizem que se eu chegar perto deles, vão cortar meu pescoço", contou à BBC News Brasil.

Em Castelldefels, na província de Barcelona, Mercedes e o marido estão em tratamento psicológico. Sua casa também foi ocupada por um casal com um bebê em maio do ano passado, quando eles haviam se mudado temporariamente para a casa da mãe enferma de Mercedes a fim de cuidar dela.

"Violaram nossa intimidade, tomaram a nossa propriedade. Uma vida inteira de mais de 20 anos, recordações, joias, roupas e móveis estão hoje em mãos de estranhos. Sem que a polícia e as autoridades nada façam", desabafa Mercedes. Ela prefere não revelar o sobrenome.

Os casos de Carlos e Mercedes não são isolados. Em várias regiões da Espanha, a ocupação ilegal de imóveis afeta milhares de pequenos e grandes proprietários - e virou uma questão de disputa na política (leia mais abaixo).

Em 2023, o número de denúncias de invasão de imóveis em todo o país superou 15 mil, segundo dados oficiais. Segundo uma ONG que acompanha o fenômeno, existem hoje em dia na Espanha cerca de 80 mil imóveis ocupados ilegalmente.

E o fenômeno não é restrito à Espanha. Déficits habitacionais em países como Reino Unido, Itália e Alemanha têm acelerado o número desse tipo de ocupação.

Na Espanha, como em outros países, o grande número de casas e apartamentos alugados para turistas atendendo a uma demanda crescente, retirou do mercado milhares de imóveis que anteriormente eram destinados a aluguéis residenciais, agravando ainda mais o déficit de moradia.

Mas, segundo jusristas, o que diferencia o problema na Espanha do de outros países europeus é que as leis são consideradas mais lenientes dificultando a retomada dos imóveis ocupados.

A lei espanhola não permite a retomada à força de um imóvel ocupado: se o proprietário tentar trocar a fechadura da porta, é ele quem pode ser denunciado à polícia pelos invasores.

E mais: pela lei, proprietários de imóveis ocupados são obrigados a continuar a pagar as contas de serviços básicos como luz e gás.

Entre os episódios que mais chamam atenção na mídia espanhola, estão casos de idosos que tiveram suas casas ocupadas ao saírem para realizar procedimentos médicos no hospital.

Estrangeiros que possuem casas de veraneio na Espanha também relatam o medo da ocupação - propriedades vazias são alvo preferencial dos invasores.

Ao mesmo tempo, o governo alega que notícias falsas sobre o tema distorcem a percepção e levam um terço dos espanhóis a terem medo de ter sua casa ocupada, enquanto o problema não chega a afetar diretamente nem 1% das moradias.

Politização

Disputas políticas à parte, para muitos o problema é real e a luta na Justiça para desocupação dos imóveis é lenta e frustrante.

Pelo Código Penal espanhol, trocar a fechadura de uma casa ocupada ou cortar serviços básicos ao imóvel pode ser considerado um delito de coação - segundo o qual o acusado busca restringir a liberdade ou forçar um indivíduo a fazer algo contra a sua vontade.

É um crime que prevê multa e até pena de seis meses a três anos de prisão, e o ocupante do imóvel pode ainda pedir indenização ao proprietário por perdas e danos.

"Basicamente, o que a lei espanhola não permite é que os proprietários façam justiça com as próprias mãos", diz Josep Riba, advogado criminalista e sócio do escritório de advocacia Cuatrecasas, um dos maiores da Espanha.

Para desocupar o imóvel o proprietário tem que recorrer à Justiça.Como em outros países, na Espanha as ocupações tiveram origem no déficit habitacional pelo qual muitos culpam os governantes pela falta de uma política específica que acabou criando um grande problema social.

Atualmente, grupos criminosos perceberam a oportunidade e passaram a atuar no setor tirando proveito financeiro. Para faturar, eles chegam a colocar casais com filhos pequenos nas propriedades ocupadas, uma vez que, pela lei, a presença de vulneráveis dificulta ações de despejo. Posteriormente, "negociam" a desocupação com os reais proprietários mediante pagamento de suborno.

Muitos acreditam que o tema das ocupações ilegais foi transformado em bandeira de partidos de direita que aumentam a dimensão do problema alardeando casos como forma de levantar críticas à falta de eficácia de programas sociais dos governantes de esquerda.

Os apoiadores do governo alegam que os números divulgados pela imprensa estejam inflados por fake news postadas em redes sociais por grupos de direita para causar um clima de medo, insegurança e desconfiança do governo.

Em discurso no Congresso no ano passado, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez (do Partido Socialista Operário Espanhol, o PSOE), afirmou que "a disseminação de notícias falsas faz com que 34% dos espanhóis tenham medo de ter sua casa ocupada, quando este problema afeta menos de 0,06% das moradias do país".

Em 2023, a líder do partido esquerdista Podemos, Ione Belarra (que na época era ministra de Direitos Sociais), disse em entrevista à imprensa que tanto a direita como a direita radical criminalizam a pobreza ao falar sobre as ocupações de imóveis.

Ela acusou os partidos de direita PP e Vox de aporofobia (sentimento de aversão ao pobre) e de promover notícias falsas sobre os okupas, como são chamados os ocupantes ilegais.

Reportagem recente do jornal La Vanguardia revelou que membros do PP percorrem ruas de cidades como Barcelona oferecendo assistência jurídica a vítimas de ocupação.

Pesquisa publicada pelo jornal ABC em janeiro deste ano aponta que oito em cada dez eleitores - incluindo 82% dos partidários do governista PSOE - são favoráveis à aplicação de medidas contra os okupas.

No centro do embate político sobre as ocupações, está o projeto de lei que visa a poibir os alugéis de imóveis com finalidade turística como forma de aumentar a oferta de moradias diminuindo o déficit habitacional.

'Inqui-Ocupação': a nova forma de ocupação

E nos últimos tempos, surgiu um novo fenômeno no país: a chamada 'inqui-ocupação', em que pessoas entram em um imóvel mediante um contrato de aluguel - que rapidamente deixam de pagar.

Desde 2020, na esteira da crise provocada pela pandemia de covid-19, um decreto suspendeu ações de despejo contra pessoas em situação de vulnerabilidade. Por isso, conseguir expulsar ocupantes que se declaram vulneráveis é um processo longo e caro, que pode se arrastar por um longo tempo.

"A inqui-ocupação é a nova forma de ocupação", define Ricardo Bravo, porta-voz e um dos fundadores da Plataforma dos Afetados pelas Ocupações, associação que reúne pequenos proprietários afetados pelas ocupações ilegais.

Hoje, segundo ele, os 'inqui-ocupas' respondem pela maior parte dos casos de ocupação ilegal de imóveis na Espanha.

"Os inqui-ocupas entram no imóvel com um contrato, e como sabem que há uma lei que ampara famílias vulneráveis, eles precisam apenas se declarar vulneráveis perante as autoridades para morar sem pagar por um bom tempo. Não se pode expulsá-los até que um longo processo judicial chegue ao fim, sem que o proprietário receba nenhuma compensação financeira pelo período", acrescenta ele.

Martina e Josep Maria, proprietários de imobiliária, publicaram carta no La Vanguardia alegando que lei espanhola sobre okupas é leniente em comparação com outros países europeus
Martina e Josep Maria, proprietários de imobiliária, publicaram carta no La Vanguardia alegando que lei espanhola sobre okupas é leniente em comparação com outros países europeus
Foto: Claudia Wallin/BBC / BBC News Brasil

Na Espanha, há distinção entre os diferentes casos de ocupação. Diferentemente das ocupações de propriedades isoladas, o termo okupa é geralmente associado a grupos antissistema que com a invasão de imóveis tentam denunciar a aguda crise habitacional da Espanha.

São eles que ocupam edifícios vazios - em geral, pertencentes a grandes bancos e fundos de investimento - para viver e dar-lhes um uso social.

O termo okupa, no entanto, é, atualmente, o mais genericamente usado para todos os tipos de ocupantes ilegais.

48 horas

A preocupação dos proprietários aumenta devido a um elemento singular da atual jurisprudência aplicada pela polícia: em geral, se um okupa entra em uma casa e sua presença não é detectada e denunciada nas primeiras 48 horas, tirá-lo de lá pode ser um processo extremamente penoso e longo.

Quando a ocupação ilegal é denunciada dentro deste prazo de 48 horas, e se o imóvel é a residência principal ou secundária - como uma casa de veraneio - do proprietário, as forças policiais podem expulsar os invasores sem que seja necessária uma ordem judicial.

Mas tudo muda se o período de ocupação supera as 48 horas: nestes casos, em princípio, o dono deve recorrer aos tribunais para obter uma ordem de despejo.

O prazo das 48 horas não está estipulado em lei - destaca o criminalista Josep Riba. Mas segundo diversos especialistas, este é o prazo que a polícia toma como referência para que exista um flagrante delito e os policiais possam despejar os ocupantes sem que seja necessária uma ordem judicial.

A polícia espanhola afirma que, embora o prazo de 48 horas não esteja determinado na legislação, "está estabelecido por jurisprudência que há um prazo de 48 horas no qual a ocupação ilegal é considerada um delito flagrante de invasão do domicílio" - segundo apurou o site espanhol de fact-checking Maldita.se.

Os ocupantes ilegais, por vezes, apresentam documentos falsos - como um contrato de aluguel inexistente - o que faz com que a polícia encaminhe o caso a um juiz para verificação.

E até que um juiz determine o despejo dos invasores, o proprietário não pode entrar no imóvel. Do contrário, a ação da polícia pode se voltar justamente contra ele.

Foi o que ocorreu com Esteban Cano Valle, ao tentar trocar a fechadura de sua casa ocupada em março do ano passado em San Pedro de Riudevitlles, também na província de Barcelona.

"A mulher que ocupou minha casa fez uma denúncia, e recebi uma intimação para comparecer à polícia. É uma situação kafkiana, e emocionalmente exaustiva", diz Esteban. "Você quer entrar na sua própria casa, mas a polícia protege o estranho que a invadiu".

A casa de dois andares de Esteban foi tomada, na sua ausência, por uma cuidadora que vivia no andar de baixo com o tio dele. Após a morte do tio, segundo ele, ela ocupou a casa e levou outros parentes para o imóvel.

María Rosa Casanovas Esplugas, e a filha , Rosa María Cano Casanovas, que tiveram sua casa ocupada e tiveram que viver em outro lugar
María Rosa Casanovas Esplugas, e a filha , Rosa María Cano Casanovas, que tiveram sua casa ocupada e tiveram que viver em outro lugar
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Os invasores sabem que as primeiras 48 horas da ocupação de um imóvel são cruciais. E por isso, recentemente muitos deles começaram a adotar a chamada 'tática da pizza'.

O método consiste em pedir uma pizza a domicílio para o imóvel que se pretende invadir, 48 horas antes da invasão. Caso a polícia seja acionada após a ocupação, o invasor apresenta o recibo da compra da pizza como uma das supostas provas de que ele reside no imóvel há mais de 48 horas.

E o caso pode passar, então, a se arrastar nos corredores dos tribunais.

"Os okupas usam ainda outras táticas para dar a impressão de que estão vivendo no imóvel há vários dias, em uma casa que, na verdade, acabaram de ocupar", aponta Ricardo Bravo.

"Por exemplo, espalham bolsas e pertences seus no local, e põem comida no fogão para dar aparência de habitabilidade. Se a polícia considera que a casa está habitada há vários dias, não vai expulsar os invasores. Cabe então a um juiz dirimir a causa."

Longa batalha

A Lei de Arrendamentos Urbanos (equivalente à Lei do Inquilinato no Brasil) estipula que é dever do proprietário manter as condições de habitabilidade do imóvel - assim, ao cortar o fornecimento de água, luz e gás, o proprietário também estará violando os direitos do inquilino. A mesma regra vale para os invasores:

"Continuo a pagar as contas de luz, água e gás, porque do contrário os dois homens que ocupam meu imóvel podem me denunciar à polícia por coação. Nós, pequenos proprietários, estamos indignados. Muitos ainda estão pagando as prestações do financiamento imobiliário, e todos nós também pagamos o imposto predial", ressalta Carlos Gama.

Segundo dados do Conselho Geral do Poder Judiciário da Espanha, o prazo médio que um proprietário espera para obter uma sentença de despejo de okupas é de 23,2 meses.

Quando se trata da ocupação de imóveis vazios, o prazo é consideravelmente maior: recuperar a propriedade, nestes casos, é um processo que, em geral, exige vários anos.

Em 2023, a polícia expulsou 300 pessoas - 62 famílias ao todo - que desde 2009 ocupavam quatro blocos de um edifício em Alcobendas, na região de Madri. Os blocos haviam sido ocupados quando a incorporadora imobiliária do edifício faliu. Coube aos novos proprietários travar a longa batalha judicial.

As empresas privadas de desocupação: 'Okuparam a sua casa? Nos chame'

Sem uma solução rápida à vista, os proprietários recorrem cada vez mais a empresas privadas especializadas em desalojamento de okupas.

Com fotos de homens corpulentos, é extensa a lista na internet de empresas privadas que oferecem serviços de desocupação de imóveis na Espanha.

O valor cobrado por essas empresas é de cerca de 3 mil euros (o equivalente a cerca de R$ 19 mil) - e o êxito da operação não é garantido:

As técnicas empregadas por estas empresas incluem, inicialmente, uma mediação com os okupas para tentar, por exemplo, convencê-los a sair do imóvel em troca de uma quantia em dinheiro.

Se o acordo não funciona, em alguns casos, o passo seguinte pode ser pura pressão. Há relatos de agentes fazendo plantão permanente na porta da casa invadida para controlar o acesso ao imóvel e intimidar os ocupantes.

A 'Bíblia' dos okupas

Nas redes sociais, há verdadeiros manuais de instruções para aqueles que pretendem ocupar um imóvel.

"O momento de entrar é o mais perigoso do processo, pois pode nos trazer complicações se nos pegarem em flagrante", diz uma das mais conhecidas 'bíblias' de okupas.

O manual também recomenda imprimir e colar na porta do imóvel ocupado uma "advertência legal" à polícia e ao proprietário, "para demonstrar que conhecemos nossos direitos e para intimidar os policiais".

Segundo a imprensa local, quando se trata de edifícios ou propriedades vazias, a ocupação é em muitos casos controlada por grupos criminosos especializados - que lucram com acordos que fazem com grandes proprietários para abandonar as propriedades em troca de compensações financeiras.

A atuação de máfias organizadas na ocupação ilegal de imóveis está detalhada em diversos artigos na mídia espanhola.

Segundo o jornal El País, estes grupos criminosos chegam a usar mulheres com filhos menores para aparentar vulnerabilidade e apropriar-se de imóveis, e uma investigaçao judicial em 2023 mostrou que bancos e fundos de investimento pagaram milhares de euros para recuperar seus imóveis.

É extensa a lista na internet de empresas privadas que oferecem serviços de desocupação de imóveis na Espanha
É extensa a lista na internet de empresas privadas que oferecem serviços de desocupação de imóveis na Espanha
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Os conselhos da Polícia

A crise provocada pela pandemia de covid-19 foi um novo ponto de inflexão. As ocupações ilegais chegaram a atingir muitos profissionais de saúde que na época dormiam nos hospitais, além de idosos que durante o confinamento se mudaram temporariamente para a casa de filhos.

A fim de mitigar os efeitos da pandemia para milhares de cidadãos afetados pela crise, a resposta do governo foi o Real Decreto-Lei 11/2020, que determinou a suspensão de todos os procedimentos de despejos de pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade e sem alternativa habitacional.

"O problema é que este decreto, que deveria ser uma medida temporária, tem sido renovado todos os anos, e já entrou no sexto ano de vigência. Hoje, muitíssimas pessoas e famílias se declaram vulneráveis, sem que na realidade o sejam, e sem que se façam as verificações necessárias", afirma Ricardo.

Na opinião de representantes do setor imobiliário, apesar de proteger famílias em real situação de vulnerabilidade, a aprovação do decreto também resultou em um aumento exponencial da inadimplência dos contratos de aluguel e consequentemente da 'inqui-ocupação'.

Os números da ocupação ilegal

Em 2010, o número de denúncias por ocupações ilegais de imóveis foi de cerca de dois mil casos. Nos últimos anos, a tendência foi de alta desde 2018 até 2021, quando o número de denúncias chegou a 17.274.

Em 2023, segundo as estatísticas mais recentes do Ministério do Interior espanhol, a cifra foi de 15.289 casos - número mais baixo do que em 2021 e 2022 (16.765), embora superior ao de 2020 (14.792).

A Catalunha é a região mais afetada, com cerca de 40 porcento dos casos.

A média oficial em todo o país é de 45 denúncias de ocupação ilegal de casas por dia. A Plataforma dos Afetados pelas Ocupações calcula que o número de casos na Espanha já chega a 80 mil de imóveis ocupados ilegalmente.

"As cifras do Ministério do Interior não incluem os casos de 'inqui-ocupação', que são a nova forma de ocupar um imóvel sem precisar arrombar a porta. Estes casos não aparecem nas estatísticas oficiais", aponta Ricardo Bravo. Ele acrescenta que há muita subnotificação pois várias pessoas afetadas já não fazem denúncias devido à lentidão da Justiça,

As estatísticas do governo incluem dois tipos de ocupação: a invasão de domicílio e a usurpação da propriedade.

"No caso da invasão de domicílio, a pena para os infratores é de seis meses a dois anos de prisão. E se a invasão se realiza com violência ou intimidação, pode chegar a quatro anos de prisão e multa", aponta o criminalista Josep Riba.

Já a usurpação de propriedade está relacionada à ocupação de um imóvel vazio sem a permissão do proprietário. O imóvel pode ser, por exemplo, de propriedade de grandes bancos ou fundos de investimento, ou um edifício que foi construído e cujos apartamentos ainda não tenham sido vendidos.

Ou ainda, um imóvel recebido como herança, e que permanece vazio até que se realizem os trâmites de inventário.

"O delito de usurpação com violência ou intimidação prevê pena de um a dois anos de prisão. Caso contrário, a ocupação sem violência de um imóvel vazio é considerada um delito leve, cuja pena é uma multa", diz Riba.

Nas redes sociais, há verdadeiros manuais de instruções para aqueles que pretendem ocupar um imóvel
Nas redes sociais, há verdadeiros manuais de instruções para aqueles que pretendem ocupar um imóvel
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Problema é mais grave na Espanha

O fenômeno das ocupações ilegais divide opiniões na Espanha. De um lado, críticos e vítimas destacam que a ocupação é um ato ilegal, e defendem maior segurança jurídica para que os proprietários afetados possam recuperar o imóvel em um prazo razoável.

De outro, muitos se solidarizam com os okupas, diante da crise habitacional que há tempos afeta o país - a questão da moradia está hoje entre as principais preocupações dos espanhóis.

Para estes, a questão mais grave que a Espanha enfrenta não são as ocupações ilegais, e sim as dificuldades de acesso à moradia. Apesar de muitos considerarem, por outro lado, que a atuação de máfias nas ocupações tenha arranhado a imagem do movimento Okupa original.

O problema das ocupações é mais grave na Espanha do que em outros países europeus - apontam Josep Maria Marbà e Martina Maya.

Proprietários da imobiliária Finques Marbà, empresa familiar fundada em 1935 e uma das mais tradicionais de Barcelona, eles acreditam que em outros países europeus os casos de ocupação ilegal se resolvem em um prazo máximo de 72 horas.

Números oficiais indicam que a falta de moradia na Espanha é uma questão alarmante: segundo o banco central da Espanha, o país enfrenta um déficit habitacional de 600 mil domicílios.

"Sem um aumento significativo da construção de novas habitações, o acesso à moradia vai continuar a se deteriorar, afetando especialmente os jovens e as famílias de média e baixa renda", alerta estudo do think tank espanhol Funcas.

Diversos países europeus também enfrentam o problema, que tem origem semelhante ao caso espanhol.

Na França, estatísticas governamentais indicam que em 2021 foram registrados um total de 124 casos de propriedades ocupadas.

Na Itália, apesar da ausência de cifras oficiais, a agência de notícias italiana AGI afirma que na capital, Roma, havia 82 edifícios ocupados ilegalmente em 2019 - e segundo outras fontes, há no país mais de 50 mil propriedades vazias que estão sujeitas ao risco da ocupação ilegal.

No Reino Unido, estimativas oficiais de 2011 davam conta de 20 mil propriedades ocupadas de forma ilegal.

Com leis mais severas do que as espanholas, estes países em geral são mais céleres na tentiva de reprimir as ocupações apesar do déficit habitacional continuar em crescimento.

Na Alemanha, o despejo de invasores ocorre em um prazo de 24 horas após denúncia apresentada pelo proprietário do imóvel, e a Justiça alemã aplica pena de um ano de prisão para os infratores, que pode ser acompanhada de multa.

Na Itália, a polícia expulsa os ocupantes após julgamentos rápidos, além de aplicar multas e penas que chegam a dois anos de prisão.

No Reino Unido, quem invade um imóvel residencial pode ser punido com multa e seis meses de prisão caso não saia da propriedade até 24 horas após receber uma notificação judicial.

Na França este prazo é de 48 horas, e os infratores são punidos com até três anos de prisão e uma multa que pode chegar a 45 mil euros.

Crise habitacional

À insuficiência de moradia na Espanha, soma-se o fato de que cerca de 45% dos inquilinos encontram-se em risco de pobreza ou exclusão social, 13 pontos percentuais acima da média da União Europeia - segundo indica informe do Banco de España (o banco central da Espanha) publicado em outubro passado.

"A grave situação que vive o setor de habitação é consequência de décadas de políticas errôneas ou não implementadas. Dispor de apenas 1,5% de moradias sociais, quando a média europeia é de 9,3%, é lamentável. Em países como a Holanda, esse índice é de mais de 30%", ressaltou Gerard Duelo, presidente do Conselho Geral do Colégio Oficial dos Agentes da Propriedade Industrial, em carta aberta ao primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.

Reprodução da internet, mostra a primeira ocupação ilegal da história na Espanha, em 1984
Reprodução da internet, mostra a primeira ocupação ilegal da história na Espanha, em 1984
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

A solução

Através de contatos frequentes com os partidos políticos e também no âmbito do Parlamento Europeu, a Plataforma de Afetados pela Ocupação pede uma lei abrangente contra as ocupações ilegais mas que contemple também o déficit habitacional.

"Sabemos que não se pode aprovar tal lei sem fornecer apoio em termos de recursos e assistência social para as famílias verdadeiramente vulneráveis", diz o porta-voz da Plataforma.

Em fevereiro do ano passado, o Senado espanhol aprovou uma lei anti-ocupação nos moldes defendidos pela Plataforma. Mas, o tema foi paralisado no Congresso, com a inclusão de pedidos de emendas.

Segundo os críticos, não interessa politicamente ao governo produzir imagens de famílias sendo despejadas de suas casas.

Ao mesmo tempo - e pelo sexto ano consecutivo -, o governo renovou no fim de dezembro passado, e até o final de 2025, o Real Decreto de 2020 que suspendeu as ações de despejo de pessoas vulneráveis.

"Ainda temos presentes em nossa mente as imagens dramáticas de famílias sendo despejadas de suas casas em consequência da crise econômica de 2008. Colocar famílias vulneráveis na rua provoca indignação", acrescenta Ricardo Bravo.

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