A freira que acompanha até à forca os presos condenados à morte
'Independentemente dos pecados cometidos, todo mundo merece uma morte digna', defende a irmã Gerard Fernandez, que já acompanhou 18 presos até o cumprimento de suas sentenças de morte em Cingapura.
Em 1981, uma freira católica começou a escrever cartas para uma presa no corredor da morte. De um lado desta troca, que durou sete anos, estava a irmã Gerard Fernandez. Do outro, Tan Mui Choo, ex-aluna da freira condenada à pena capital por um dos assassinatos mais brutais que Cingapura já havia visto.
Gerard conhecia a jovem como Catherine, uma "menina doce e simples" que veio de uma família devota e frequentou a escola do seu convento. Tan, junto com seu marido Adrian Lim e a amante dele, Hoe Kah Hong, foram considerados culpados de um assassinato ritualístico de duas crianças.
"Ela cometeu um erro grave. Fiquei triste quando ouvi a notícia pela primeira vez, mas sabia que precisava vê-la", diz a freira, de 81 anos.
Por anos, a irmã visitou Tan na prisão, muitas vezes passando longas noites com ela em oração. O processo, diz a freira, permitiu que elas se reconectassem e construíssem juntas um entendimento mais profundo. "Estava lá para apoiar Catherine, e ela sabia que poderia conversar comigo. Acho que isso a libertou de sua prisão mental."
A freira esteve ao lado de sua ex-aluna até o final, em 25 de novembro de 1988 — dia da execução de Tan. Em sua última manhã, Tan usava um vestido azul com uma faixa e sapatos combinando. "Ela estava muito calma", lembra Gerard.
As duas mulheres deram as mãos na caminhada até à forca. A irmã cantou a canção cristã How Great Thou Art, a favorita de Tan, quando estava entrava na câmara fechada. "Eu a ouvi subir a escada em espiral e a alavanca ser puxada. A porta do alçapão se abriu. Foi quando soube que Catherine se fora", diz Gerard.
Tan foi um dos 18 detentos condenados à morte que receberam o acompanhamento de Gerard Fernandez no complexo de segurança máxima localizado no nordeste de Cingapura, que abriga os presos da cidade-Estado que tenham cometido os atos mais graves.
"Uma sentença de morte não é algo que se aceita prontamente. Leva tempo, e naturalmente envolve muita dor. Os presos no corredor da morte precisam de muito apoio mental, emocional e espiritual", diz a freira.
A irmã Gerard continuou seu trabalho com os prisioneiros pelos 40 anos seguintes, motivada por o que ela acredita ser sua missão. "Queria ajudá-los a entender que, com o perdão, eles seriam capazes de ir para um lugar melhor. Toda pessoa vale mais do que o pior que já fez. Independentemente dos pecados cometidos, todo mundo merece uma morte digna."
'Quando encontrar Deus, vou contar tudo sobre você'
Anos depois, outro condenado se aproximou de Gerard depois de vê-la em sua cela. "Ele disse que minha presença lhe trouxe conforto", lembra ela. O detento pediu para vê-la um dia antes de ser enforcado. A freira se lembra de suas últimas palavras: "Vou encontrar Deus de manhã e, quando o fizer, contarei a Ele tudo sobre você".
A irmã Gerard considera "o maior privilégio" andar com os presos no corredor da morte. "Alguém compartilhar suas mais profundas tristezas e me permitir entrar em seu coração durante seus momentos finais é amor e confiança no mais alto nível", diz ela.
O Serviço Penitenciário de Cingapura, que administra 14 prisões e centros de reabilitação de drogas, disse que o apoio oferecido pela irmã é "essencial para a reabilitação e reintegração dos reclusos".
"A irmã serviu como voluntária [conosco] por 40 anos. Sua dedicação, paixão e sacrifício continuam a inspirar todos nós, assim como muitos outros que dedicam seu tempo e esforço para apoiar os internos e suas famílias", disse um porta-voz do órgão à BBC
Para muitos, as perspectivas teriam sido muito diferentes sem a irmã Gerard. Falando sob condição de anonimato, a mãe de um traficante de drogas afirma que a freira foi uma influência positiva na vida de seu filho, já falecido.
"A irmã Gerard nunca o julgou ou desistiu dele", diz ela, que viu uma grande mudança na atitude do filho. "Sua raiva e ressentimento se transformaram em aceitação e resignação." A mãe acrescenta: "Ela era muito gentil e também estava lá quando eu não sabia o que fazer ou como me sentir".
A pena de morte continua sendo um tópico polêmico em Cingapura. A rica cidade-Estado do Sudeste Asiático orgulha-se de sua reputação como um lugar seguro e com baixa taxa de criminalidade.
Em 2012, o governo aprovou mudanças em suas leis de pena de morte, tornando-as ligeiramente menos severas. Mas estatísticas oficiais mostram que 13 pessoas foram executadas em 2018 — o número mais alto nos últimos anos.
"Existe um grande apoio público à pena de morte por ser visto como algo que previne crimes", disse o cingapuriano Kirsten Han, cofundador do grupo We Believe in Second Chances (Nós acreditamos em segundas chances, em tradução livre), que faz campanhas por prisioneiros no corredor da morte.
"Mas há um condicionamento que leva os cingapurianos a apoiar leis tão rígidas, mas pouquíssimo debate, e poucas informações chegam ao público em geral."
A organização sem fins lucrativos Human Rights Watch condena a pena de morte. "É inerentemente cruel e flagrantemente viola as normas internacionais de direitos humanos", disse o vice-diretor da organização na Ásia, Phil Robertson. "Não há justificativa aceitável para um governo matar alguém."
A própria irmã Gerard Fernandez se opõe à pena de morte. "Toda vida é preciosa. Respeito nossas leis, mas espero ver a pena de morte abolida um dia."
BBC 100 Women
O BBC 100 Women divulga todos os anos uma lista de cem mulheres inspiradoras e influentes de todo o mundo.
Neste ano, o mote da nomeação foi: Como seria o futuro se ele fosse comandado por mulheres?
De uma arquiteta que está planejando reconstruir a Síria à gerente de um projeto da Nasa para explorar Marte, muitas das mulheres incluídas na lista estão testando os limites em seus campos de atuação.
Outras, como uma política "fantasma" que desafia a máfia e jogadoras de futebol combatendo a misoginia, estão usando suas experiências de vida extraordinárias para abrir o caminho para outras e outros.
Duas brasileiras estão entre as eleitas deste ano: a filósofa Djamila Ribeiro e a deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP).