A história de amor entre uma militante de partido francês anti-imigração e um refugiado
Béatrice Huret enfrentou o preconceito, a Justiça e até a prisão para viver seu amor com imigrante iraniano que tentava chegar à Inglaterra.
Béatrice Huret estava em uma praia do norte da costa francesa antes do amanhecer, observando um barco improvisado que levava seu namorado pelo Canal da Mancha.
Será que ela o veria novamente? Ou será que havia sido apenas usada pelo homem, que havia conhecido algumas semanas antes, apenas para ajudá-lo a realizar o sonho de uma nova vida na Inglaterra? Será que ele sobreviveria ou se afogaria pelo caminho?
Enquanto o barco desaparecia no horizonte, Béatrice retornou para seu carro cheia de esperanças, mas também de dúvidas.
- O conceito de doença mental é um mito, diz autora de estudo anti-psiquiatria no Canadá
- A vida oculta do alfaiate que morreu na prisão após polícia saudita descobrir sua transexualidade
Dois anos antes, essa mulher de 45 anos era uma militante registrada do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN) e viúva de um policial que, segundo ela, era racista.
Agora, ela estava ali, ajudando seu namorado imigrante, Mokhtar - que conheceu no campo de refugiados francês apelidado de Jungle ("selva") em Calais - a entrar clandestinamente na Inglaterra.
Béatrice conta a história de como sua vida mudou no dia em que ofereceu carona para um imigrante adolescente no recém-lançado livro Calais Mon Amour ("Calais meu amor", em tradução literal).
Inversão de papéis
Ela conta que antes da morte do marido, em 2010, ele era um dos muitos policiais enviados a Calais para impedir a entrada de imigrantes no terminal do Canal da Mancha e nas balsas na tentativa de chegar até o Reino Unido.
Como agente, ele não tinha permissão para apoiar nenhum partido político, então, pediu para que a esposa aderisse à Frente Nacional daquela que viria a ser a segunda colocada da eleição presidencial deste ano.
A legenda, então, passou a pagar para que ela distribuísse panfletos partidários.
Béatrice garante que, ao contrário do marido, não era racista. Mas lembra que estava preocupada com "todos esses estrangeiros, que pareciam tão diferentes e estavam entrando na França".
Após a morte do marido, ela vivia com o filho adolescente e a mãe a cerca de 20 quilômetros do campo de refugiados, mas nunca havia visto a grande favela formada por barracas e tendas construída sobre um lixão na periferia de Calais.
Mas, na volta para casa em um dia frio de 2015, ficou sensibilizada com o pedido de um garoto sudanês e concordou em leva-lo até o local, que no auge da ocupação, no ano passado, chegou a abrigar 10 mil pessoas - a maioria fugindo de guerras ou da miséria na África, Oriente Médio e Afeganistão.
- Quatro maneiras como a pobreza pode afetar o cérebro
Foi então que viu, pela primeira vez, como eram as condições no campo de refugiados.
"Eu senti como se estivesse numa área de guerra. Era como um campo de guerra. Alguma coisa me deu um 'clique', e eu disse para mim mesma que eu precisava ajudar aquelas pessoas", relata.
De repente, os imigrantes deixaram de ser apenas uma palavra, ou uma abstração.
O encontro
Béatrice, que trabalha num centro onde jovens são treinados para serem cuidadores, começou a levar comida e roupas para as pessoas que viviam no campo, além de incentivar amigos e familiares a ajudarem também.
Com o tempo, tornou-se conhecida das pessoas que moravam por lá e que, agora ela sabia, tinham trajetórias distintas - "de pastores a advogados e cirurgiões".
Foi então que, em fevereiro do ano passado, viu pela primeira vez Mokhtar, um ex-professor de 34 anos que teve de fugir do Irã, onde enfrentava perseguição e foi abandonado pela própria família por ter se convertido ao cristianismo.
Ela o conheceu no momento em que fotos dele e de outros iranianos estavam sendo publicadas em jornais ao redor do mundo - eles haviam costurado os próprios lábios em protesto contra as condições precárias de vida no campo de Calais.
"Eu me sentei e ele gentilmente veio me oferecer um chá. E me preparou um chá - e isso foi um pouco chocante. Foi amor a primeira vista", conta.
"O olhar dele era tão terno. Eles estavam lá, com os lábios costurados, e me perguntam: 'Você quer um pouco de chá?'."
A comunicação era um obstáculo, já que Mokhtar não falava francês e ela, ao contrário dele, sabia pouco inglês. A solução foi usar o tradutor do Google.
O romance cresceu e Béatrice, contrariando os conselhos de amigos, se ofereceu para levar Mokhtar e alguns colegas para morar em sua casa.
O sonho britânico
Ela não tinha ilusões sobre os objetivos dele.
Mokhtar já havia tentado entrar na Inglaterra escondido atrás de caminhões, mas estava prestes a mudar sua tática para uma nova tentativa. Ele e dois amigos deram a Béatrice cerca de 1 mil euros (R$ 3,7 mil) e pediram que ela comprasse um barco.
Em 11 de junho do ano passado, Béatrice e o trio de imigrantes levaram o barco até uma praia perto de Dunkirk. Eles fariam uma viagem que começaria às 4h por meio de um dos canais mais movimentados do mundo. Para piorar, nenhum deles havia pilotado um barco antes.
"Nós os vestimos como pescadores para parecer que estavam numa viagem de pesca, com varas e anzóis", diz ela, sorridente.
Naquele momento, Béatrice pensou que tudo tinha acabado. Enquanto torcia por um desfecho feliz, se preocupava com a possibilidade de que Mokhtar e seus amigos se afogassem.
E isso quase aconteceu: a água começou a entrar no barco por volta das 6h30, já próximo da costa inglesa.
Era assustador, mas olhando em retrospectiva, havia um elemento meio cômico ali.
"O mais novo estava vomitando de medo, o mais forte estava fumando um cigarro atrás do outro e dizendo 'bom, se temos que morrer, temos que morrer, essa é a vida' e Mokhtar tentava tirar a água de dentro do barco e telefonava para os serviços de emergência ao mesmo tempo."
A guarda costeira britânica enviou um helicóptero, que os avistou e enviou um barco de resgate.
Dúvidas sobre o futuro
Os três imigrantes foram interrogados por autoridades da imigração. Dias depois, Mokhtar foi levado até um centro de refugiados onde, finalmente, conseguiu entrar em contato com sua amada, que aguardava ansiosamente do outro lado do canal.
"Ele me deu seu endereço em Wakefield (no norte da Inglaterra) e fui vê-lo na semana seguinte", conta.
Desde então, a cada duas semanas, ela pega uma balsa e dirige até a cidade pra ver Mokhtar, que está em um albergue para refugiados na cidade de Sheffield, também no norte da Inglaterra, e já fez um pedido de asilo formal para o Reino Unido. Eles se falam via webcam todas as noites.
E sobre o futuro? Béatrice diz que o casal não tem planos - nada que "possa doer quando planos não dão certo".
"Se o nosso relacionamento acabar, acabou. E eu devo a Mokhtar uma linda história de amor, a mais bonita da minha vida."
Mas seu relato não termina com um tom feliz.
Em agosto do ano passado, foi presa, acusada de tráfico de pessoas. Ela ri quando fala da acusação - diz que a suposição de que fez isso por dinheiro não é nada além de ridícula.
Béatrice foi levada para a mesma delegacia de polícia onde seu marido costumava trabalhar e foi solta após pagar fiança, mas ficou sob supervisão judicial e tem que se reportar à polícia uma vez por semana enquanto espera pelo julgamento, programado para o fim deste mês.
Se for considerada culpada, ela correria o risco de pegar uma pena de 10 anos de prisão e uma multa de 750 mil euros (R$ 2,7 milhões). Em seu caso, porém, a punição poderia ser menos severa.
Além disso, entrou na lista de vigilância de pessoas que representam uma ameaça à segurança do Estado. A maioria das pessoas nessa situação é considerada como radical islâmica. O que também a faz rir.
E tudo valeu a pena?
"Sim", ela responde, sem hesitar. "Eu fiz por ele. E faço qualquer coisa por amor."