A refugiada síria que teve os pais deportados enquanto estava na escola
Autoridades do Líbano estão intensificando ofensiva para deportar sírios que, segundo elas, vivem no país ilegalmente; a pequena Raghad foi uma das afetadas por essa política.
Havia certa apreensão no carro enquanto atravessávamos as montanhas do Líbano para chegar à casa da tia de Raghad.
Conversar com uma garotinha que acabou de se separar de sua família e que não sabe quando os verá novamente é uma tarefa muito delicada.
Mas, assim que a vimos, nossa ansiedade diminuiu. Raghad estava vestida com roupas brilhantes com o cabelo preso em um rabo de cavalo.
Ela deu um sorriso e seus olhos se iluminaram. Sua calma nos tranquilizou.
Raghad mal falava, então seu tio nos contou o que aconteceu com ela e sua família.
A jovem ouvia nossa conversa atentamente. A única vez que ela interveio foi para corrigi-lo quando ele disse que ela tinha sete anos e ela insistiu que tinha oito.
Seguiu-se um debate descontraído. Um momento divertido em uma história sombria.
Raghad agora mora em um país diferente de seus pais e nunca teve a chance de se despedir. Em 19 de abril, apenas dois dias antes do Eid, a celebração muçulmana que marca o fim do Ramadã, o Exército libanês invadiu a casa de Raghad.
Os documentos de seus pais haviam expirado. Sem aviso prévio, todos foram presos e posteriormente deportados para a Síria.
"Eles nos disseram para vestir nossas roupas e levar todos os pertences preciosos que tivéssemos", disse-nos seu pai por telefone.
Eram cerca de nove da manhã e Raghad estava na escola. Seu pai nos disse que havia implorado ao Exército para deixá-los esperar por seu retorno, mas eles se recusaram. Raghad voltou da escola e bateu na porta, mas ninguém abriu. Ela desfez-se em lágrimas.
"Estava com muito medo", disse ela. Uma vizinha ligou para a tia dela, que mora perto e veio correndo. Raghad agora mora com ela. A deportação da família de Raghad foi parte de uma repressão do Exército aos sírios que vivem ilegalmente no país.
Sua família vive no Líbano há 12 anos, desde o início do conflito na Síria. Raghad nasceu no Líbano, mas sua família é de Idlib, no noroeste da Síria, um local importante na guerra e o último reduto remanescente das forças rebeldes.
"Imagine viver em um país por 12 anos apenas para ser expulso assim. Não podemos voltar para nossa cidade devido à situação lá", diz o pai de Raghad, cuja identidade estamos protegendo devido a questões de segurança.
A família de Raghad está com amigos na capital síria, Damasco. Perguntei se eles estão tentando levar Raghad para a Síria, mas me disseram que preferiam voltar para o Líbano. Não será fácil.
Discriminação
As autoridades libanesas, imbuídas pelo que parece ser um aumento do sentimento anti-sírio em todo o país, dizem que querem que os refugiados voltem para casa.
O Líbano abriga o maior número de refugiados do mundo quando comparado ao tamanho de sua população. Segundo as Nações Unidas, são 800 mil, embora as autoridades libanesas estimem que o número real de refugiados seja mais que o dobro desse número.
Várias vezes na última década, houve ondas de sentimento anti-síria e um endurecimento das leis e regulamentos direcionados a eles. Mas desta vez, o debate mudou, e parece haver um consenso generalizado sobre mandá-los para casa.
Os libaneses dizem que não podem mais suportar o fardo de cuidar de tantos refugiados quando enfrentam uma das mais severas crises financeiras e econômicas da história recente. Eles dizem que os refugiados sírios estão prejudicando o país ao competir com eles por recursos e serviços escassos.
Também os culpam pelo aumento da criminalidade e por ameaçar um delicado equilíbrio demográfico. As altas taxas de natalidade entre os sírios são frequentemente destacadas em contraste com as baixas taxas de natalidade entre os libaneses para impulsionar essa narrativa.
O clamor levou algumas autoridades locais a endurecer os regulamentos para os sírios.
A cidade de Bikfaya, nas montanhas acima de Beirute, impôs um toque de recolher a eles. "Ninguém no mundo acolheu os sírios como nós", disse a prefeita Nicole Gemayel, defendendo a política, que grupos de direitos humanos dizem ser racista.
Os defensores do plano também apontam para a situação de segurança na Síria, onde não há mais grandes confrontos militares. Isso está de acordo com as aberturas políticas ao regime do presidente sírio Bashar al-Assad, que não é mais considerado um pária por muitos governos da região.
As autoridades libanesas dizem que todos esses fatores deveriam pôr fim à crise dos refugiados. Também destacam o que descrevem como "movimentos ilegais" de um lado para o outro na fronteira.
Dizem ainda que esse "tráfego" enfraquece o argumento dos sírios de que temem em retornar ao seu país natal.
Enquanto isso, o Exército alega que está apenas seguindo as regras ao deportar sírios.
Algumas vozes políticas proeminentes no Líbano também acusam países estrangeiros e organizações internacionais de tentar manter os sírios no Líbano, dizendo que a ajuda que a ONU fornece é um incentivo para que eles ali permaneçam. A ONU nega e argumenta que qualquer retorno de refugiados deve ser voluntário.
Mas para a pequena Raghad, nada desse debate importa. Ela sente falta dos pais e quer voltar para casa com eles.