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A terrível história da mãe condenada injustamente por sumiço da filha

Após seu bebê desaparecer da barraca em que acampava com o marido em Uluru, na Austrália, o relato da mãe Lindy Chamberlain foi recebido com ceticismo pelos meios de comunicação e com acusações por parte do público

13 nov 2023 - 22h42
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Lindy Chamberlain
Lindy Chamberlain
Foto: AFP / BBC News Brasil

Após seu bebê desaparecer da barraca em que acampava com o marido em Uluru, na Austrália, o relato da mãe Lindy Chamberlain foi recebido com ceticismo pelos meios de comunicação e com acusações por parte do público.

Condenada por homicídio há 41 anos, num dos casos mais controversos e polêmicos da história jurídica australiana, ela passou anos lutando para limpar seu nome. Nestes clipes exclusivos do BBC Archive, como parte da nova série In History, ela conta como foi ser acusada injustamente.

Lindy Chamberlain se recosta e observa com cautela enquanto o apresentador Terry Wogan, da BBC, lhe faz perguntas em seu programa em 1991. Vestida com uma jaqueta azul-clara e com a fala mansa, ela tem bons motivos para ser cautelosa. Sua vida foi arrasada após a trágica morte de sua filha, a pesada cobertura da imprensa que se seguiu e sua condenação injusta por assassinato.

Lindy ganhou essa notoriedade internacional indesejada após o desaparecimento de sua filha, Azaria. Em 17 de agosto de 1980, ela e o marido Michael acampavam com a família em Uluru, então chamado de Ayers Rock, quando seu bebê de nove semanas sumiu da barraca.

Lindy disse ter visto um dingo - um cachorro selvagem australiano - saindo da barraca e acreditava que ele havia levado seu bebê. Apesar de uma intensa busca conduzida pelo grupo do acampamento e pelos moradores da região, nenhuma pista surgiu e o corpo de Azaria nunca foi encontrado. Após o desaparecimento, um inquérito inicial aceitou o relato dos Chamberlains, mas os promotores australianos e muitos meios de comunicação não.

A extensa cobertura da imprensa fez com que o casal sofresse muitos abusos. Alem de cuspidas na rua, eles receberam diversas ameaças de morte. "Durante o primeiro inquérito, recebi tantas ameaças que o tribunal me designou um guarda-costas policial", contou Lindy a Wogan no vídeo exclusivo da BBC.

Lindy explicou que ela e o marido concordaram em falar com a imprensa após o sumiço da filha, pois queriam alertar outros pais. Rapidamente, porém, entenderam que não teriam controle sobre a forma como seriam retratados.

"O que o público australiano viu foi o que a mídia queria retratar de mim. Eu desabei na primeira entrevista que dei, e a mídia vem em sua direção e diz: 'Olha, lamentamos muito o que aconteceu com a sua filha. Estamos chateados porque não há nada por perto para alertar as pessoas. Sabemos que você está (por perto). Você pode nos ajudar a fazer isso? E, claro, você diz sim," conta.

"E foi o que fizemos. E aí aquele primeiro repórter foi e disse que a entrevista foi muito fácil e que eles não demonstraram emoção suficiente. Apesar de ela ter desmaiado no meio, deve haver algo errado," acrescenta Lindy.

A crença de que a polícia vazava informações, e suas próprias suspeitas, a repórteres, não ajudava.

"A polícia passava informações à imprensa a todo momento, o que não tínhamos como combater. Então, o público recebia essas imagens iniciais de uma mulher horrível. E sempre que eu chorava em entrevistas como essa, por exemplo, eles tiravam na edição porque o público ficaria chateado. Então, se você sorrisse com uma piada, diriam que você não se importava. Se você chorasse, você estava atuando e, de uma forma ou de outra, você apanhava.

"Então, essa era a bruxa que todo mundo conhecia."

O processo judicial tornou-se um grande acontecimento jurídico e midiático, coberto de forma sensacionalista na época pela imprensa, dividindo fortemente a opinião pública.

Debateu-se o papel dos dingos no desaracimento do bebê. Os animais nao eram, até entao, vistos como perigosos. Houve também suspeita e preconceito sobre a formação religiosa dos Chamberlains como Adventistas do Sétimo Dia, o que levou a acusações infundadas de atividades semelhantes a cultos.

O caso foi baseado em grande parte em evidências circunstanciais, sem qualquer corpo encontrado. Parte fundamental do caso da acusação foram as descobertas de sangue infantil no carro da família - provas que mais tarde seriam amplamente desacreditadas.

Durante todo o período de escrutínio público e procedimentos legais, Lindy defendeu sua inocência. Mas em 29 de outubro de 1982 acabou sendo condenada por homicídio e sentenciada à prisão perpétua. Seu marido, Michael, também foi acusado, mas foi condenado por ser cúmplice após o fato e recebeu uma pena de 18 meses.

Com todas as opções legais esgotadas, Lindy ainda estava na prisão em 1986 quando, por acaso, novas evidências foram descobertas. O casaquinho de Azaria, que a polícia afirmava não existir, foi encontrado parcialmente enterrado em uma área de tocas de dingo em Uluru.

"Se eles admitissem que eu estava certa sobre isso, teriam que admitir que eu estava certa sobre muito mais", disse ela. "O que representava um grande problema." As evidências levaram Lindy a ser libertada e, em 1988, ela e o marido foram oficialmente inocentados de todas as acusações. Eles se divorciaram em 1991 e Michael morreu em 2017.

Apesar de reconhecido o erro judiciário, a causa oficial da morte permaneceu objeto de especulações e insinuações nos anos seguintes. Em 1988, o caso foi transformado no filme A Cry in the Dark, com Meryl Streep como Lindy e Sam Neill como Michael.

Lindy escreveu um livro, Through My Eyes, em 1990, detalhando o profundo impacto que o episódio teve na vida dela e de sua família. À BBC, ela disse que era quase uma forma de proteção para seus três filhos, cujas vidas foram dominadas pelo caso.

"Eles receberam muitas informações erradas colocadas diante deles; meus filhos têm o direito de viver com as informações corretas. E com as pessoas continuamente se aproximando de você na rua e fazendo perguntas, pelo menos este livro responde a muitas delas."

Em 2012, um legista emitiu o relatório final do caso Chamberlain, afirmando formalmente que a sua filha Azaria foi atacada e levada por um dingo - como Lindy e Michael defendiam desde o início.

O julgamento do caso Chamberlain causou muita reflexão na Austrália. Tem sido difícil para muitos australianos entender como tantas pessoas, os meios de comunicação, a polícia e os tribunais estavam tão dispostos a acreditar que uma mulher inocente era culpada e a punir uma mãe enlutada.

"Os australianos sempre pensaram em si, e neste país, como sendo o país do jogo limpo", disse John Bryson, autor de Evil Angels, o livro sobre o desaparecimento de Azaria no qual o filme Cry in the Dark foi baseado. "E esse certamente não foi o caso."

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