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A volta do nazismo? Por que livro de Hitler virou best-seller após 70 anos de proibição

16 jun 2016 - 11h02
(atualizado às 11h52)
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Foto: Getty Images

Pouco antes de o livro de Adolf Hitler entrar em domínio público, no ano passado, a Alemanha se deparou com o dilema sobre como lidar com os escritos do homem que está no centro do capítulo mais sombrio da história do país.

Nos 70 anos anteriores, o Ministério das Finanças do Estado da Baviera manteve o controle sobre os direitos autorais da obra - e, assim, impediu a republicação da notória obra antissemita Mein Kampf (Minha Luta) na Alemanha.

A Alemanha tinha como opção de seguir o caminho mais liberal adotado nos EUA, no Reino Unido, Canadá e Israel, que deixam a sociedade civil lidar com o Mein Kampf. Outra opção era fazer como a Áustria e outros países no passado, proibindo o livro de Hitler.

Mas a Alemanha rejeitou ambas as opções e optou por uma abordagem altamente paternalista.

O que é o Mein Kampf?

O livro "Mein Kampf" (Minha Luta), por Adolf Hitler, exposto no Museu Histórico Alemão, em Berlim, em outubro de 2010.
O livro "Mein Kampf" (Minha Luta), por Adolf Hitler, exposto no Museu Histórico Alemão, em Berlim, em outubro de 2010.
Foto: Andreas Rentz / Getty Images

1. Publicado originalmente em 1925 - oito anos antes da chegada de Hitler ao poder

2. Editado pelo vice-líder de Hitler, Rudolf Hess, o livro aborda sua ideologia política

3. Inclui os futuros planos dele para o país, como o Lebensraum, a necessidade de colonizar territórios vizinhos para permitir que a Alemanha alcançasse seu potencial de forma plena

4. O direito autoral sobre a obra, após a Segunda Guerra Mundial, foi dado ao Estado da Baviera, que se recusou a permitir a republicação do livro por temer seu poder de incitar ódio

5. O livro caiu em domínio público no fim de 2015 e a nova edição vendeu milhares de cópias

A edição 1941 do livro de Adolf Hitler está na biblioteca do Museu Histórico Alemão, que fica em Berlim.
A edição 1941 do livro de Adolf Hitler está na biblioteca do Museu Histórico Alemão, que fica em Berlim.
Foto: Sean Gallup / Getty Images

O Estado da Baviera deu meio milhão de euros para o Instituto de História Contemporânea (IfZ, na sigla em alemão), com sede em Munique e parcialmente controlado pelo governo, para produzir uma edição crítica comentada do livro de Hitler.

Ao mesmo tempo, disse que processaria qualquer pessoa que publicasse edições não comentadas. Mas depois, em uma reviravolta, o governo da Baviera deu a entender que havia retirado o apoio financeiro para a edição comentada, deixando o IfZ sozinho no centro da polêmica.

Estratégia fracassada

Enquanto a data limite de janeiro de 2016 se aproximava, e, com ela, a publicação da nova versão do Mein Kampf, o instituto de Munique e autoridades do governo começaram a manifestar preocupação com possíveis consequências do lançamento.

O instituto disse, na época, que seria perigoso se o Mein Kampf se tornasse um best-seller na Alemanha.

Mas, ao mesmo tempo, ele garantia ao público que isso nunca aconteceria. O diretor do instituto, Andreas Wirsching, declarou que seria irresponsável liberar o Mein Kampf para publicação sem comentários, porque neste caso todo mundo poderia fazer o que quisesse com o livro de Hitler.

O IfZ produziu uma edição de pouco apelo comercial, pesando 5,4 kg, incluindo 3.700 notas de rodapé e mais parecendo um tratado acadêmico.

Até especialistas consideraram a leitura é extremamente tediosa.

Por várias semanas foi quase impossível achá-lo nas livrarias, já que o instituto havia optado por fazer uma edição inicial com tiragem baixíssima. E mesmo as edições impressas demoraram - estranhamente - a chegar às lojas.

Mesmo assim, a abordagem paternalista defendida pelo instituto de Munique e autoridades alemãs fracassou completamente na tentativa de impedir que o Mein Kampf se tornasse um best-seller.

Hitler escreveu o livro enquanto era um prisioneiro na Alemanha em 1920.
Hitler escreveu o livro enquanto era um prisioneiro na Alemanha em 1920.
Foto: Daniel Berehulak / Getty Images

Primeira posição

O máximo que conseguiram foi adiar o aparecimento do livro de Hitler na lista de mais vendidos da Alemanha.

O interesse do público parece na verdade ter aumentado, de forma desnecessária, nesta tentativa de ocultar o livro, que manteve viva sua aura do "obra proibida".

Pelo meio de abril, o Mein Kampf havia chegado aos primeiros lugares da famosa lista de best-sellers da Spiegel, onde ficou por várias semanas.

Até agora ele está lá, na 14ª posição, apesar de muitas livrarias não terem o livro à mostra e outras só venderem sob encomenda.

A abordagem pode ter falhado mas, pelo visto, a preocupação com as possíveis consequências do livro de Hitler também se mostraram infundadas.

Não há sinais de que as pessoas que compram o livro o estejam fazendo por outra razão senão curiosidade e interesse genuíno.

Também não há nenhuma razão para pensar que, em um ano, mais ou menos, esta primeira empolgação com todo o caso tenha desaparecido, e o Mein Kampf seja mais popular na Alemanha do que na Inglaterra ou nos EUA.

Muitos devem se perguntar, como eu mesmo o fiz em um texto para o jornal alemão Die Welt, se não teria sido melhor seguir a abordagem liberal do mundo anglosaxônico, em vez do tratamento paternalista que desconfia da sociedade civil.

Na verdade, alguém poderia até questionar se o sucesso de Mein Kampf - e o fato e ele levar os alemães a se engajar com seu passado - é tão ruim assim, em um momento em que políticos do mundo todo são constantemente comparados a Hitler e que ressurge um populismo parecido com os dos anos 1920.

O medo expresso na Alemanha e em outros lugarres, claro, é de que o livro possa dar início a uma nova onda de antisemitismo e que permita o fortalecimento da direita radical.

A preocupação cresceu com o anúncio da editora de extrema-direita alemã Schelm de que publicaria uma versão de Mein Kampf sem comentários. O Estado da Baviera pediu a promotores que processassem a editora.

O anúncio da Schelm deve ser visto como uma jogada de marketing, assim como a decisão, anunciada na semana passada, do jornal italiano Il Giornale de distribuir cópias gratuitas do livro de Hitler.

Mas esses lances só se tornam possíveis porque o governo da Baviera decidiu impedir publicações do livro por 70 anos e é improvável que tenham um efeito duradouro.

Neonazistas e seus simpatizantes tinham acesso fácil ao livro pela internet por anos e, por isso, é improvável que sejam afetados pelo volta do Mein Kampf impresso.

Na verdade, não há correlação entre a forma com que os países lidaram com o livro no passado e a força de movimentos extremistas nesses locais.

Pode-se argumentar que o perigo está em outro lugar: que é o paternalismo da abordagem alemã na republicação de Mein Kampf, mais do que o livro em si, que está fortalecendo o populismo de direita.

Como o intelectual alemão Nils Minkmar alertou na Der Spiegel, a arrogância cultural e a "soberba em relação a classes menos educadas" está levando à "alienação das classes baixas da sociedade liberal", e assim ao reaparecimento do populismo de direita no país que Hitler uma vez liderou.

Thomas Weber é professor de História e Assuntos Internacionais na Universidade de Aberdeen. Seu livro Wie Adolf Hitler zum Nazi Wurde (Como Hitler virou um nazista - Propyläen, 2016), será publicado em inglês pela Oxford University Press and Basic Books. @Thomas__Weber

Christian Hartmann, editor chefe, durante lançamento da edição crítica de Adolf Hitler "Mein Kampf" em 08 de janeiro de 2016 em Munique, Alemanha. A nova edição faz análise crítica ao texto original escrito por Hitler em 1920.
Christian Hartmann, editor chefe, durante lançamento da edição crítica de Adolf Hitler "Mein Kampf" em 08 de janeiro de 2016 em Munique, Alemanha. A nova edição faz análise crítica ao texto original escrito por Hitler em 1920.
Foto: Johannes Simon / Getty Images
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