'Abenomics' e fim de pacifismo: o legado de Shinzo Abe
Ex-premiê do Japão foi assassinado a tiros nesta sexta-feira (8)
Um evento mais do que qualquer outro marcou a vida de Shinzo Abe, o ex-primeiro-ministro do Japão assassinado nesta sexta-feira (8), em um atentado a tiros durante um comício na cidade de Nara.
No fim da década de 1950, quando tinha apenas cinco anos de idade, Abe ouviu, enquanto brincava no colo de seu avô premiê, Nobusuke Kishi, os confrontos fora do Parlamento entre a polícia e manifestantes de esquerda que protestavam contra o pacto de segurança assinado com os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial.
Décadas depois, Abe insistiria na necessidade de "abandonar o regime do pós-guerra", marcado pela ocupação americana e pelo desmantelamento do poderio militar do Japão, fatos que, segundo o ex-premiê, "suprimiam o orgulho nacional".
Para Abe, o Japão precisava adotar uma postura de país plenamente autônomo, ainda que em amizade com os EUA.
O conservador foi o premiê mais longevo na história japonesa, com uma rara dupla oportunidade de governar o país. Na primeira, entre 2006 e 2007, assumiu as rédeas deixadas pelo carismático Junichiro Koizumi e se tornou, aos 52 anos, o mais jovem primeiro-ministro do Japão.
Seu mandato foi breve por causa de uma colite ulcerosa crônica, doença que voltaria a atormentá-lo mais adiante, mas que não o impediu de voltar ao governo em dezembro de 2012, permanecendo no cargo ininterruptamente até setembro de 2020.
Abe tinha 67 anos e era herdeiro de uma das famílias mais tradicionais da política japonesa. Seu avô Nobusuke Kishi foi premiê entre 1957 e 1960; seu pai, Shintaro Abe, foi ministro das Relações Exteriores de 1982 a 1986; e seu irmão Nobuo Kishi é o atual ministro da Defesa.
Em seu segundo e maior período no poder, Abe adotou uma cartilha apelidada de "Abenomics", que mirava combater a deflação que freava a economia japonesa havia décadas, com um mix de políticas monetárias expansionistas e reformas para reverter o rápido envelhecimento da população.
Além disso, batalhou para superar o pacifismo que marcou a história do Japão no pós-guerra, promovendo o reforço das capacidades militares, em processo já acelerado pelo atual premiê Fumio Kishida por conta da invasão da Rússia à Ucrânia e da crescente assertividade da China na Ásia.
Também adotou leituras revisionistas sobre as ações do Japão na Segunda Guerra, a fim de que as gerações futuras não tivessem "de se desculpar eternamente pelos erros do passado".
Abe ainda foi determinante para a realização das Olimpíadas de 2020 em Tóquio, tendo aparecido fantasiado de Super Mario na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.
A lenta reação contra a pandemia de Covid-19 e escândalos políticos abalaram sua popularidade na reta final de seu governo, culminando com uma renúncia por motivos de saúde.