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África

Clínicas de Uganda vendem testes falsos negativos de HIV

Clínicas vendem testes falsos a R$ 46 para ajudar portadores a conseguir emprego, viajar para exterior ou para mostrar para parceiros

4 abr 2014 - 08h37
(atualizado às 08h38)
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Funcionário de clínica recebe pagamento para liberar teste de HIV negativo
Funcionário de clínica recebe pagamento para liberar teste de HIV negativo
Foto: BBC News Brasil

Uma investigação da BBC revelou que clínicas privadas em Uganda estão vendendo testes negativos falsos a portadores do vírus HIV para ajudá-los a conseguir emprego.

A repórter da BBC África, Catherine Byaruhanga, juntamente com outros colegas da BBC, visitou 15 clínicas da capital Kampala para entender o que está por trás deste comércio. A equipe de reportagem também buscou pessoas que tenham comprado o teste falsificado para entender suas razões. Abaixo, o relato de Catherine Byaruhanga:

O horário do rush matinal está quase no fim quando eu encontro Sarah perto de um supermercado popular em um subúrbio de Kampala. Ela é jovem, tem pouco mais de 20 anos e parece ansiosa. Mal consegue me olhar. Então vou com cuidado para não pressioná-la demais.

Passamos semanas atrás de alguém que tenha pagado por um teste falso. A maioria das pessoas com quem conversamos tinha medo de dar entrevista.

Sarah não é seu nome verdadeiro. Ela só concordou em falar comigo se aceitássemos esconder sua identidade.

"Eu tive que conseguir o atestado falso de HIV negativo porque se mostrasse à empresa o resultado positivo não conseguiria emprego", disse ela à BBC.

"Sou mãe solteira e preciso de dinheiro. Preciso trabalhar para sustentar meu filho", diz ela.

Estigma

Nós ouvimos vários relatos de pessoas que compraram testes falsos de HIV negativo para conseguir trabalho, viajar ao exterior ou até para mostrar aos parceiros. O estigma contra portadores da Aids no país é grande.

Nós visitamos várias clínicas em Kampala, fingindo ser portadores do vírus HIV em busca de um teste negativo para apresentar a potenciais empregadores.

As clínicas são pequenas, mas numerosas. Há centenas delas em toda Kampala. Nós visitamos 15 clínicas, 12 das quais estavam dispostas a nos vender um teste falso.

Um técnico de laboratório nos disse que era muito arriscado conceder um teste falso e que poderia ser preso. Mas após negociar, ele concordou em liberar um certificado por cerca de 12 libras (R$ 46).

O documento tem todos os elementos que o fazem parecer oficial, incluindo o selo oficial da clínica e a assinatura do funcionário de saúde responsável.

Líder global

Estas evidências vêm à tona em um momento em que muitas pessoas criticam a abordagem das políticas de saúde de Uganda voltadas para Aids. Durante anos, o país foi visto como líder global na luta contra doença.

Há 20 anos, um em cada cinco ugandenses tinha o vírus. O governo agiu de forma enfática e, em 2005, este índice caiu para 6,3%.

Mas recentemente o número de pessoas com HIV começou a crescer novamente e, em 2012, chegou a 7,2%.

Mais uma vez, governo e ativistas estão lutando para reverter este quadro. A mensagem é: faça o teste.

Até o presidente Yoweri Museveni e sua mulher fizeram testes cujos resultados vieram a público.

A ideia é que, uma vez que descobrem ser portadoras do vírus, as pessoas comecem a tomar medicamentos antiretrovirais e sejam orientados sobre como não espalhar a doença.

Mas o preconceito que cerca o tema deixa muitos com medo.

No ano passado, uma pesquisa com mais de mil ugandenses portadores de HIV revelou que mais de 60% deles enfrentam o estigma: seja dentro da própria família, dos amigos ou no local de trabalho.

Para muitos, a doença é visto como algo imoral, fruto de uma vida promíscua.

Portadores de HIV afirmam que empresas não estão dispostas a contratá-los porque creem que a doença vai torná-los menos eficientes no trabalho.

Leis

Nicolette Uwimana decidiu se abrir sobre sua condição, mas diz que isso tornou sua vida difícil.

Nicolette Uwimana contraiu vírus HIV aos dez anos
Nicolette Uwimana contraiu vírus HIV aos dez anos
Foto: BBC News Brasil

Ela contraiu o vírus aos dez anos após ser estuprada. Inicialmente sua família lhe deu o suporte necessário, mas depois ela foi expulsa de casa porque o tratamento ficou caro. Hoje ela divide um pequeno quarto com outras quatro pessoas.

"Meus amigos não querem mais saber de mim", disse ela.

"E há um bom tempo eu não procuro trabalho porque a todo lugar que vou a primeira coisa que me perguntam é sobre minha condição de saúde."

Nós mostramos nossa filmagem ao ministro da Saúde de Uganda, Ruhakana Rugunda. Ele admite que o governo poderia fazer mais para frear o comércio de testes negativos.

"Isso não me choca. No entanto, é um desafio para o governo e para o país encarar este problema de frente," disse ele à BBC.

Ele acrescentou que polícia já lidou com alguns casos, mas que isto não é um problema para a corporação resolver.

Em vez disso, defende, as empresas deveriam rever o preconceito contra portadores da doença.

Mas não há leis que protegem portadores contra a discriminação. Ao mesmo tempo, o governo está propondo uma legislação que segundo ativistas, vai aumentar ainda mais o estigma.

Esse projeto de lei têm cláusulas que preveem a punição de pessoas que transmitem o vírus.

Agentes de saúde também serão obrigados a divulgar o status de qualquer pessoas que eles acham que podem transmitir HIV para o parceiro.

Sarah disse que prefere quebrar a lei e mentir sobre sua condição de saúde.

"Por que eu devo fazer a coisa certa? No final das contas eu é que vou sofrer e meu filho também".

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