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África

'Gucci' Grace Mugabe, a polêmica primeira-dama no centro da luta pelo poder no Zimbábue

Mulher de Robert Mugabe, ela é figura controversa no país e busca ser a sucessora natural do marido; também é conhecida por seus hábitos de luxo e por episódios de agressão.

16 nov 2017 - 15h51
(atualizado às 16h40)
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O casal Robert e Grace Mugabe
O casal Robert e Grace Mugabe
Foto: BBC News Brasil

Inicialmente a primeira-dama do Zimbábue, Grace Mugabe, afirma que o vice-presidente Emmerson Mnangagwa é "uma cobra venenosa" que "deve ser golpeada na cabeça".

Um dia depois, o presidente Robert Mugabe destitui Mnangagwa, que é acusado de deslealdade e abandona o país. A partir daí, o casal presidencial se dedica então a reunir apoio em seu grupo político, a União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Patriótica (Zanu-PF), para conseguir que ela ocupe a vice-presidência do país.

Os fatos narrados acima deram início, na avaliação de analistas, à luta pelo poder e posteriormente à operação militar desta quarta-feira, que colocou em prisão domiciliar o presidente, de 93 anos, e poderia alçar Mnangagwa ao poder. O paradeiro de Grace ainda não está claro.

Os acontecimentos representam uma guinada na vida política da antiga Rodésia do Sul. Mugabe governa o país desde 1980, ano em que a independência do Reino Unido foi reconhecida e o país passou oficialmente a ser chamado de Zimbábue.

Ex-líder de guerrilha que ficou mais de dez anos preso por sua luta para tirar o controle do país das mãos da minoria branca, Mugabe foi elogiado internacionalmente à época por anunciar uma política de reconciliação racial e estender à população negra os melhores serviços de educação e saúde.

Mas isso durou pouco: logo ele passou a ser reconhecido como um déspota que eliminou violentamente toda a oposição política e arruinou a economia da jovem nação africana. Duas décadas depois, com decisão de tomar propriedades de fazendeiros brancos, sua transformação de "queridinho" do Ocidente a pária se completou - embora seu status de herói da libertação ainda ecoe em várias regiões da África.

A reforma fundiária terminou de arruinar a agricultura do país, afastou investidores internacionais e afundou a economia, ampliando a pobreza. Por causa de sua hiperinflação, que se tornou famosa mundialmente, em 2015 foi possível trocar US$ 1 por 35.000.000.000.000.000 (35 quatrilhões) de dólares zimbabuanos - diante da crise, o país deixou de ter dinheiro próprio.

Mesmo assim, o presidente se perpetuou no poder por meio de eleições sob as quais sempre pairaram denúncias de fraude. Mas para Andrew Harding, correspondente da BBC na África, "o erro de Mugabe foi presumir que ainda era o todo poderoso, e que podia instaurar uma dinastia tendo sua mulher como sucessora".

Para Harding, Mnangagwa tomará o controle do país, e muitos governos estrangeiros lhe darão "o benefício da dúvida".

Grace Mugabe em comício de 2014
Grace Mugabe em comício de 2014
Foto: BBC News Brasil

Como um pai

Quarenta e um anos mais jovem que seu marido, Grace Mugabe se converteu com o tempo em uma figura tão relevante quanto controversa no Zimbábue e no exterior.

O líder começou sua relação com a então datilógrafa da Presidência enquanto sua primeira mulher, Sally, se tratava de um câncer - segundo Robert Mugabe, ela havia aprovado que ele tivesse um novo relacionamento.

Em uma entrevista, Grace disse que sempre viu Mugabe como "uma figura paterna" e nunca havia pensado neles como um casal. Eles se uniram oficialmente em 1996, quatro anos após a morte da mulher dele. No período até o casamento - e com Sally ainda viva -, tiveram dois de seus três filhos.

Grace e Robert Mugabe
Grace e Robert Mugabe
Foto: BBC News Brasil

A primeira-dama se tornou uma personalidade familiar para os zimbabuanos. Muitos criticam o estilo de vida luxuoso que leva - seu gosto por roupas de grife fez com que ganhasse o apelido "Gucci Grace".

Enquanto seus simpatizantes destacam seu trabalho assistencial - fundou um orfanato com ajuda da China em uma fazenda nos arredores da capital do país, Harare - e a chamam de Doutora "Amai" (mãe), seus detratores a acusam de ter empreendido uma campanha implacável em busca de riqueza e influência.

Ela e o marido possuem empresas e fazendas espalhadas pelo país e no exterior - eles são acusados de ilegalmente tomar terras de outras pessoas.

Grace acompanhava o marido em quase todas suas viagens oficiais, muitas delas ao Oriente Médio, onde o casal também possui propriedades. Em algumas dessas viagens, não faltaram polêmicas envolvendo seu nome.

Em agosto, ela foi acusada de tentar estrangular a modelo Gabriella Engels, de 20 anos, com um cabo elétrico depois de encontrá-la ao lado de seu filho durante uma passagem da família pela África do Sul.

A primeira-dama, que tem outras acusações de agressão - já bateu em um fotógrafo inglês que tentava fotografá-la em Hong Kong, por exemplo -, recorreu à sua imunidade diplomática para deixar o país.

Outra polêmica envolvendo Grace Mugabe ocorreu no meio acadêmico.

Em 2014, ela conseguiu, em apenas dois meses, concluir um doutorado em sociologia na Universidade do Zimbábue. Mas, ao contrário do que acontece com os estudantes, sua tese nunca foi registrada e nem se tornou pública.

Seu título de doutora foi um dos méritos que ela apresentou para se tornar líder da ala feminina do partido União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Patriótica.

História se repete

Joice Mujuru
Joice Mujuru
Foto: BBC News Brasil

Na política, os ataques ferozes a adversários políticos têm sido uma das marcas de Grace.

Em meio às dúvidas sobre o estado de saúde de Mugabe, que é o presidente mais velho do mundo, as investidas dela contra Mnangagwa foram interpretadas como uma tentativa de se posicionar como a sucessora do marido. E ela nunca escondeu suas ambições. Em 2014, disparou: "Dizem que quero ser a presidente. Por que não? Não sou uma zimbabuana?".

Muitos analistas veem a recente ação do Exército do Zimbábue como uma tentativa de impedir que, com a morte de Mugabe, Grace chegue ao poder, instalando uma dinastia no país. Em todas essas décadas ao lado do marido, ele sempre mostrou total sintonia com um líder que, segundo ela, ganharia as eleições no país até depois de morto.

Mnangagwa não é o primeiro vice-presidente do Zimbábue que sofreu um ataque de Grace Mugabe.

Em 2014, ela teve importante papel no afastamento de Joice Mujuru, então cotada para substituir seu marido.

A primeira-dama chamou a vice-presidente de "corrupta, chantagista, incompetente, mentirosa e ingrata", além de acusá-la de atuar com a oposição e com a população branca para enfraquecer as conquistas que vieram com a independência do país.

Meses depois, Mujuru foi afastada do cargo. Hoje ela está no partido opositor Coalizão Arco-Íris e convoca constantemente as pessoas a votarem para evitar que os Mugabe se perpetuem no poder.

A atual disputa de Grace com Mnangagwa, porém, vai além.

O agora vice-presidente destituído sucedeu Mujuru após ter sido reconhecido publicamente pelo presidente como um auxiliar "leal e disciplinado" em sua passagem pelo Ministério da Justiça.

Mais tarde, Mnangagwa precisou ser levado para tratamento no exterior depois de passar mal em um comício. Seus seguidores afirmaram que ele havia sido envenenado com um sorvete feito com o leite proveniente de uma empresa da primeira-dama.

O político chegou a dizer que de fato havia sido envenenado, mas chamou de falsas e mentirosas as acusações contra Grace. Ela, por sua vez, pediu a seu marido que fizesse o vice parar de falar sobre o assunto.

Mas no Mnangagwa acabou afastado pelo presidente - além dos ataques de Grace, o ministro da Informação afirmou que ele havia dado sinais de deslealdade.

O vice-presidente abandonou o país, mas muitos acreditam que, diante da operação militar, ele voltará. O paradeiro da primeira-dama segue desconhecido.

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