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África

Três anos após queda de Mubarak, Egito segue dividido e imprevisível

25 jan 2014 - 10h28
(atualizado às 11h13)
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Após ser símbolo de protestos, Praça Tahrir reflete volta dos militares ao poder
Após ser símbolo de protestos, Praça Tahrir reflete volta dos militares ao poder
Foto: AP

A praça Tahir está mais verde. O empoeirado endereço no coração do Cairo, epicentro dos protestos que transformaram o Egito, ganhou um novo gramado. Mas o horizonte não é de esperança.

Após a derrocada do longo regime do ex-presidente Hosni Mubarak, da inédita ascensão da Irmandade Muçulmana e do breve governo de Mohamed Morsi - com o contestado retorno do Exército ao poder na sequência - o Egito se mostra cansado. A revolução que derrubou Mubarak e desencadeou as mudanças políticas completa três anos neste sábado.

E a praça Tahir continua a ser o palco onde se desenrola boa parte da história recente do Egito.

As faixas de protesto e os manifestantes que em 2011 pareciam anunciar o advento de um novo Egito voltaram a ser proibidos. Protestar, aliás, é praticamente proibido no país, novamente sob o forte poderio militar.

Muita coisa mudou no Egito. Apenas o clima de confrontos permanece. Há sete meses, Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana, foi deposto pelas Forças Armadas um ano após assumir como primeiro presidente democraticamente eleito.

O Exército voltou a ditar os rumos da política e iniciou uma onda de repressão vista como sem precedentes: a liderança da Irmandade e milhares de partidários foram presos, e o grupo foi classificado como organização terrorista.

O cerco chegou a renomados jovens e ativistas, inclusive os organizadores dos atos que forçaram a queda de Mubarak - mais um exemplo da atual intolerância à oposição e críticas, no que analistas veem como o retorno do "Estado policial".

Clima acirrado

"Traidores": é assim que esses ativistas passaram a ser chamados nos meses seguintes à revolução, em meio ao caos e violência que pareciam não ter fim. O clima acirrado piorou, com discursos inflamados nas ruas e na TV e o apoio maciço de egípcios às Forças Armadas, que parecem ter recebido carta branca no que militares e a imprensa pró-Exército chamam de "luta contra o terrorismo".

"A repressão (agora) vai além da Irmandade... Há coisas que estamos vendo hoje que não víamos antes. O nível de detenções não se compara com o que vimos nas últimas décadas sob Mubarak", disse um ativista que acompanha os movimentos políticos, e que conversou com a BBC Brasil sob condição de anonimato por questões de segurança.

O atual cenário no Egito resume-se à batalha entre setores pró-Exército e os partidários da Irmandade. No meio do conflito, esquálidos, grupos seculares, liberais e os chamados revolucionários tentam se fazer ouvir.

Para grande parte dos jovens que deram o tom da primavera egípcia o sentimento é de apatia e frustração com o atual processo político. Mas eles não perderam a esperança em um futuro menos turbulento, conforme as histórias ouvidas pela BBC Brasil.

"Voltaremos às ruas"

Na última semana, filas se formaram em salas de votação no Cairo durante o referendo sobre a nova Constituição. A maioria eram eleitores idosos. Os jovens se mantiveram distantes.

Enquanto caminha pela Tahrir, o médico Fareed, 35 anos, se diz cansado. Ele exibe o local onde ficou acampado durante a revolução e diz ter boicotado o referendo. "Não votei porque ninguém que se opôs pode fazer campanha", diz.

"Estou desapontado. Todos nós estamos. Depois da revolução, nós éramos os heróis. Agora, somos causadores de confusão. Tudo de ruim no Egito é culpa nossa", diz. Para proteger a identidade dele e dos outros entrevistados, os nomes aqui expostos foram alterados.

A "confusão" citada por ele é um dos fatores que fizeram do general Abdel Fattah al-Sisi o novo herói do Egito. Cartazes com o rosto do chefe do Exército são vistos por toda a parte, e muitos o têm como único capaz de tirar o país da crise.

Fareed parece ter medo de criticar Sisi. Sentado em um café do centro do Cairo, ele olha ao redor e põe a mão sobre a boca quando cita o nome do general. "Estamos todos desapontados com esse apoio a ele", diz. "Mas as pessoas vão voltar às ruas novamente. Nós não temos mais medo".

Pão e água

Ao contrário de Fareed, o universitário Khaled, de 24 anos, ainda exibia a tinta rosa no dedo da sua participação no referendo. "Estou apoiando o Exército porque a Irmandade iria destruir o país. Mas não estou mais interessado em política. A maioria das pessoas só quer saber do dia-a-dia", diz. "Elas só querem o pão e água".

A opinião baseia-se num sentimento de cansaço que parece ser consenso, especialmente entre os mais pobres: "As coisas não melhoraram desde a revolução, e os protestos só atrapalham". É debruçado nesse apoio que o Exército continua suas ações no Egito.

"Se Sisi decidir ser mais um Mubarak, as pessoas vão protestar. Se tudo voltar como antes, haverá mais revolta. Jovens não estão com medo, porque é a nossa vida que está em jogo", diz Khaled.

Foi assim contra Mubarak e seu regime. Novamente, contra os militares que assumiram em 2011 até a conturbada eleição de Morsi, em 2012. E, outra vez, no ano passado, para derrubá-lo. Em todos os casos, jovens formavam grande parte dos movimentos - e centenas deles morreram em confrontos.

O estudante Christian, de 21 anos, também não quer a Irmandade de volta. Tampouco o Exército. Um dos líderes do movimento jovem dos cristãos ortodoxos coptas, exibe no rosto ferimentos da violência. Preso duas vezes "por ser revolucionário", diz, participou do protesto dos cristãos que pediam segurança, em 2011. Na ocasião, veículos militares atropelaram os manifestantes, matando 24.

"Não estou apoiando ninguém", diz. "Estou frustrado... Mas enquanto houver juventude, haverá revolução".

Ingênuos demais

Revolucionários também são responsabilizados pelo caos atual: não conseguiram levar para a política os ideais defendidos nas ruas, num comportamento visto por observadores como demasiadamente ingênuo.

"Os ativistas nunca tentaram formar seu próprio partido... (É) devido ao fato de que (eles) não têm qualquer ideologia clara, muito menos uma plataforma política", escreveu o analista Eric Trager, do Washington Institute, em artigo para a revista New Republic.

Entre um trago e outro de narguilé, tradicional fumo árabe, Fareed reconhece o fracasso de levar adiante os sonhos das praças: "Não somos unidos".

Esse coro parece tomar fôlego. "Chegou a hora destes jovens muito patriotas e bem intencionados levarem este ativismo a outro patamar. Ao invés de somente 'irem às ruas', eles deveriam estabelecer partidos políticos", escreveu a professora Maha Ghalwash, da Universidade Britânica no Egito, em texto no site do jornal semioficial Ahram.

Christian também sugere um "fracasso" na revolução. "Nossas exigências, nosso sangue, os mártires. Não há resposta para nada disso".

Sinal de que as flores e o gramado na Tahrir, por enquanto, são mudanças apenas estéticas.

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