Alemanha define sucessor de Merkel e futuro do país
Chanceler começa a se despedir do poder na sexta-feira, quando seu partido elege novo líder
BERLIM - A União Democrata-Cristã (CDU), partido de Angela Merkel, começa a definir na sexta-feira o futuro político da Alemanha. Na convenção de dois dias em Hamburgo estará em jogo o cargo de Merkel na direção da legenda. Quem ganhar, como é tradição, garante um posto de favorito na corrida pelo comando da maior economia da Europa nas eleições de 2021 - quando termina o atual e quarto mandato da chanceler.
"Algum dia quero encontrar o jeito certo de sair da política." A frase de Merkel foi dita em 1998 para a fotógrafa Herlinde Koelbl, que a retratou por uma década para mostrar como o poder transforma fisicamente as pessoas. Ao longo do projeto, Merkel passou de secretária da CDU a chanceler. Mas, aparentemente, mudou pouco.
Assim como nas imagens, Merkel manteve o controle, se mostrou impassível e afastou todos os possíveis adversários. Agora, no entanto, corre o risco de ver eleito um adversário como sucessor e terá de provar novamente a sua força.
As próximas eleições serão em 2021. Mas, na prática, a disputa começou no momento em que Merkel anunciou que deixará o comando da CDU, em outubro, após 18 anos. Na convenção do partido, cerca de mil delegados decidirão entre a ala mais conservadora e crítica a Merkel e outra mais ao centro, que apoiou as medidas da chanceler - como a política de imigração, que permitiu asilo a mais de um milhão de refugiados em 2015.
Nas pesquisas, Annegret Kramp-Karrenbauer e Friedrich Merz lideram, enquanto Jens Spahn surge em um distante terceiro lugar. Quem vencer a disputa estará em vantagem para comandar a maior economia da Europa, já que é tradição que o chefe do partido seja também candidato ao governo. No sistema parlamentarista alemão, o partido majoritário indica o nome do chanceler, que precisa ser aprovado pela maioria dos deputados do Bundestag (Parlamento).
Embora não tenha apoiado oficialmente nenhum dos candidatos, Annegret, secretária-geral do partido, é chamada de "mini-Merkel" e vista como a continuidade. Ela é liberal na agenda econômica, mas conservadora em questões sociais, como o casamento gay.
Ser a candidata de Merkel tem prós e contras. Apesar de obter apoio político, Annegret tem de mostrar independência e apresentar algo novo diante da crise da CDU. A renovação é um desejo de integrantes do partido, após resultados ruins nas eleições estaduais em Hesse e na Baviera, quando tanto os verdes como os populistas de direita da Alternativa para a Alemanha (AfD) cresceram.
Já Merz é um executivo que está retornando à política depois de dez anos no setor privado. Ele se afastou do partido em 2009 por divergências com Merkel. Conservador e crítico da chanceler, anunciou sua candidatura imediatamente após ela anunciar que deixaria o comando da CDU. Ele já chamou a política de refugiados adotada por Merkel de "catastrófica".
Merz tem como vantagem o fato de que vem da Renânia do Norte-Vestfália, um dos Estados mais ricos da Alemanha, que tem um quarto dos representantes do Parlamento. No início de novembro, entretanto, os integrantes do partido no Estado foram liberados para votar como preferirem na convenção. Como desafio, Merz tenta se distanciar da imagem de homem rico.
Terceiro colocado nas pesquisas, o ministro da Saúde, Jens Spahn, defende a renovação da CDU. Ele virou uma das principais vozes contra Merkel dentro do partido nos últimos anos, principalmente quando o assunto é imigração. No jornal Frankfurter Allgemeine, ele escreveu que Merkel perdeu o controle da entrada de refugiados e disse que o assunto é o "elefante branco na sala".
Merkel já afirmou que pretende cumprir o mandato até o fim. No entanto, uma eventual vitória de Merz poderia dificultar esses planos. Além de desafeto declarado da chanceler, ele é visto como representante da direita na CDU e poderia dificultar a coalização do atual governo com o partido de centro-esquerda SPD.
Dentro do partido de Merkel, Annegret e Merz buscam apoio das mulheres, após a percepção de que há uma forte divisão por gênero entre os eleitores. Na semana passada, ela defendeu cotas para mulheres no Parlamento e ele incentivou a entrada de mais mulheres no partido e prometeu mais leis sobre a igualdade de gêneros.
Na última eleição, em 2017, a CDU teve 8 pontos porcentuais a mais de votos femininos. Os extremistas de direita da AfD tiveram 6 pontos porcentuais a mais de votos masculinos, principalmente vindos da antiga Alemanha Oriental.
Para o cientista político Aiko Wagner, a divisão por gênero é um dos dados mais "robustos" e perceptíveis quando se trata do populismo de direita. Ele considera que, na Alemanha, os homens votam mais na AfD porque costumam ser mais hostis à entrada de imigrantes.
"Há uma lacuna representativa. Esse vazio se deve ao fato de que a política se deslocou para o centro. Os partidos mudaram de posição, mas os eleitores não", disse Wagner. Ele afirma que o populismo de direita prega um discurso do "nós contra os de cima, contra os de fora, contra os diferentes", o que pode ser direcionado para minorias étnicas, de gênero ou orientação sexual.
* Viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha