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América Latina

Cidade de Roraima recebe novos protestos contra venezuelanos

Pacaraima, que fica na fronteira entre os dois países, sofreu com ataques aos migrantes no último fim de semana

25 ago 2018 - 17h25
(atualizado às 17h39)
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Após uma semana de aparente calma, a tensão entre brasileiros e venezuelanos voltou a crescer na cidade fronteiriça de Pacaraima, no extremo norte de Roraima. Moradores do pequeno município de 13 mil habitantes voltaram a exigir neste sábado (25) a saída dos imigrantes da cidade e foram confrontados por venezuelanos revoltados com o tratamento que têm recebido no Brasil.

Na região central de Pacaraima, grupos de brasileiros e venezuelanos bateram boca e, por pouco, não teve início uma briga generalizada entre os dois grupos. Soldados da Polícia Federal e da Polícia Militar de Roraima acompanharam, de longe, as discussões, mas preferiram não intervir.

"Nós não vamos sair daqui, vamos continuar aqui, temos direito de estar aqui e não merecemos o que estão fazendo conosco", gritava, quase aos prantos, Ricardo Delgado, um dos imigrantes que teve seus pertences queimados pelos enfurecidos brasileiros no dia 18 de agosto.

Diante dele, a vendedora Maria de Fátima Reis afirmava que a maior parte dos venezuelanos que estão no Brasil não querem trabalhar e que preferem roubar a buscar emprego. "Esse é um problema da Venezuela, nós não temos que pagar pelos problemas que o Maduro criou", dizia ela, aos gritos, a poucos metros da fronteira entre o Brasil e a Venezuela.

Foto: DW / Deutsche Welle

Indígenas

O confronto teve início após mais uma manifestação organizada contra a presença de imigrantes venezuelanos na pequena cidade. Dessa vez, o protesto teve como mote as reivindicações dos povos indígenas de Roraima. Incentivados pelos mesmos moradores que comandaram a onda de violência que culminou com a saída de cerca de 1.200 imigrantes venezuelanos da cidade.

Índios da etnia Macuxi decidiram fechar parcialmente a BR-174 - que liga Boa Vista a Manaus - para protestar contra o apoio que o governo brasileiro tem oferecido aos indígenas do país vizinho que têm imigrado em massa para o Brasil. De acordo com eles, Brasília tem oferecido toda sorte de apoio aos indígenas da etnia Warao, sem oferecer nenhuma contrapartida aos povos de Roraima. Originários do Delta do Rio Orinoco, o Nordeste da Venezuela, os Warao têm se transferido para o Brasil por conta da crise venezuelana.

Ao contrário dos imigrantes não indígenas que chegam do país vizinho, os Warao tem recebido acolhida do governo brasileiro em Pacaraima, Um abrigo com cerca de 500 pessoas - quase a metade delas crianças - foi construído na cidade para receber os indígenas. O local é protegido pelo exército brasileiro.

"Esses índios aí têm casa, comida, médicos, entram e saem pra onde querem a hora que querem e nós não recebemos nenhuma ajuda do governo", diz Gisele Macuxi, moradora de uma comunidade indígena a poucos quilômetros de Pacaraima.

Apesar de contar apenas com poucas dezenas de participantes, o protesto - uma marcha pelas principais ruas da cidade - acirrou os ânimos entre venezuelanos e brasileiros. Pela primeira vez desde que foram expulsos das ruas da cidade os imigrantes do país vizinho protestaram publicamente sobre os ataques que sofreram.

"Nós não estamos aqui porque queremos, estamos porque precisamos, porque não temos comida, não temos nada e ainda assim nos tratam como animais", dizia José Ortiga, um venezuelano que veio da cidade de Tigre e que teve todos os seus pertences queimados no último sábado. Falando do alto de um pequeno muro para um grupo de compatriotas, foi ovacionado aos gritos de "Venezuela, Venezuela".

Fila de pessoas para atravessar fronteira da Venezuela com a Colômbia 03/08/2018 REUTERS/Carlos Eduardo Ramirez
Fila de pessoas para atravessar fronteira da Venezuela com a Colômbia 03/08/2018 REUTERS/Carlos Eduardo Ramirez
Foto: Reuters

Organização

Os brasileiros afirmam, no entanto, que não suportam mais a presença dos venezuelanos na cidade e que vão "limpar" a cidade daqueles que ficaram em Pacaraima. "Quase todos aí são bandidos, a Polícia e o Exército não fazem nada, estão roubando tudo aqui, sujando tudo, há trabalho lá do outro lado, eles não precisam vir para cá", dizia uma das organizadoras do protesto contra os imigrantes que não quis se identificar.

Ela faz parte de um grupo de brasileiros comandados por Fernando Abreu, um professor aposentado que vive na cidade há cinco anos e que se tornou uma espécie de agitador local contra os imigrantes. Foi ele quem assumiu o carro de som nos protestos que culminaram na onda de violência contra os imigrantes e quem convenceu os indígenas da etnia Macuxi a se integrar à luta contra os venezuelanos.

"Temos que defender nossa cidade, quase todos que estão chegando aqui são bandidos", dizia ele, enquanto era acusado pela venezuelana Xiomayira Muñoz de ter sido o responsável por atear fogo nos pertences. "Você fala de paz, mas eu vi você jogando gasolina em nossas coisas", dizia ela, enquanto um coro de brasileiros a chamava de mentirosa.

Fernando Abreu é um defensor ferrenho do candidato à Presidência pelo PSL Jair Bolsonaro. Em seu carro pintou uma foto do candidato e colou diversos adesivos. "Quando nosso presidente chegar ao Planalto tudo isso vai mudar, as leis finalmente vão ser para os brasileiros, não para os estrangeiros que estão nos invadindo". Abreu acusa a imprensa de distorcer a realidade dos acontecimentos em Pacaraima e afirma que os jornalistas que estão na cidade são pagos para contar mentiras sobre a população.

Clima de tensão entre brasileiros e venezuelanos eclodiu após assalto ao comerciante
Clima de tensão entre brasileiros e venezuelanos eclodiu após assalto ao comerciante
Foto: Mauricio Castillo / Reuters

Efeito

Apesar de ter recebido apoio dos empresários locais para organizar o movimento, Abreu começa a encontrar resistência. A onda de violência reduziu o número de indigentes nas ruas, mas também fez o comércio da cidade despencar. Pelos cálculos dos empresários locais, houve uma redução nas vendas de até 50% desde o último sábado. "A limpeza foi boa, mas ele precisa pegar mais leve, essa cidade depende da Venezuela, não pode assustar a todos", dizia um empresário local que viu suas vendas caírem 40%.

Praticamente toda a economia de Pacaraima está ligada à venda de bens de consumo aos venezuelanos. A crise de abastecimento no país fez com os negócios aqui passassem por um verdadeiro boom nos últimos anos. Pelas contas da Associação Comercial de Pacaraima, apenas entre 2016 e 2018 o faturamento do comércio da cidade dobrou.

Já no início da tarde deste sábado (25), os ânimos voltaram a se acalmar na cidade. Na rua principal, venezuelanos voltaram a circular. Mas o medo e os rumores só aumentaram.

"Nos disseram que não é para nenhum venezuelano estar na rua hoje depois das seis da tarde porque será perigoso", dizia Jorge Bello, um imigrante que teve seus pertences queimados. "As coisas parecem calmas, mas nunca estiveram tão tensas", dizia o venezuzelano que passa os dias vendendo café aos seus compatriotas que chegam todos os dias à fronteira brasileira fugindo da fome e da crise que assola o país natal. "Hoje vou para casa mais cedo, não convém dar chance ao inimigo".

Veja também:

'Bota fogo!': o ataque de brasileiros a imigrantes venezuelanos em Pacaraima:
Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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