'Indulto humanitário' ou 'pacto por impunidade'? Por que perdão a Fujimori no Peru é polêmico
Indulto concedido a ex-presidente condenado por corrupção e crimes contra a humanidade, poucos dias após voto de seu filho ter ajudado a livrar atual presidente do impeachment, gera suspeitas de 'acordo político' nos bastidores.
O presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski concedeu indulto "por razões humanitárias" a Alberto Fujimori, ex-presidente do país condenado por corrupção e violações dos direitos humanos.
A decisão foi alvo de protestos e causou intenso debate no país, que já estava no centro de uma tempestade política desde as acusações contra vários políticos - entre eles, o próprio Kuczynski, que escapou de um processo de impeachment na semana passada - de terem recebido propina de empreiteiras brasileiras.
A Presidência da República informou em um comunicado no Natal que o perdão presidencial fora concedido a Fujimori após uma avaliação feita por uma junta médica sobre o estado de saúde de Fujimori - que sofre de uma "doença progressiva, degenerativa e incurável" - recomendando que ele fosse colocado em liberdade.
Para muitos, Kuczynski teria concedido o perdão como parte de um acordo político firmado na semana passada para evitar seu impeachment no Congresso. O presidente foi acusado de ter ocultado pagamentos da Odebrecht a empresas vinculadas a ele entre 2004 e 2013.
Seu afastamento fora pedido pelo partido Força Popular, que tem à frente a filha do ex-presidente, Keiko Fujimori, e o acusa de corrupção em um caso envolvendo a construtora brasileira Odebrecht. O voto do irmão de Keiko, Kenji, e de outros nove deputados de seu grupo político foram, no entanto, decisivos para impedir o processo de impeachment contra o atual presidente. No último minuto, eles optaram por se abster da votação, permitindo assim que Kuczynski se mantivesse no cargo.
https://twitter.com/KenjiFujimoriH/status/945155701734805505
Internações
O ex-presidente tem 79 anos e estava preso desde 2007. Ele foi transferido várias vezes para o hospital neste ano - a última delas no sábado.
Segundo informações do médico que o acompanha, Fujimori ficou internado na Unidade de Cuidados Intensivos de uma clínica de Lima, capital do Peru, após sofrer uma queda de pressão arterial e do nível de glicose no sangue.
O ex-presidente sofre de outras doenças que lhe obrigaram a passar por várias cirurgias.
Seu filho, Kenji, postou um vídeo no Twitter em que dá a notícia do perdão presidencial ao pai, desejando-lhe Feliz Natal. Fujimori aparece na cama do hospital.
Perdão gera protestos e divide população
O anúncio do indulto provocou reações imediatas no país e ameaça inflamar ainda mais a crise política no país.
Após saber da decisão sobre o indulto, dois deputados do partido Peruanos pela Mudança - o partido de Kuczynski - anunciaram no Twitter que discordavam da medida e que deixariam a bancada do partido.
Enquanto os simpatizantes do ex-presidente comemoraram o indulto, manifestantes contrários à medida entraram em confronto com a polícia no centro de Lima.
O timing do indulto - poucos dias após a votação do impeachment - ajudou a fomentar alegações de um possível acordo entre o atual presidente e os Fujimori.
Kuzcynski foi acusado de ter recebido propina da construtora brasileira Odebrecht quando era ministro do ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006).
Analistas políticos peruanos já haviam cogitado na semana passada que Fujimori poderia ser perdoado após o voto de Kenji Fujimori no Congresso, decisivo para salvar o mandato de Kuzcynski.
No domingo, a congressista do partido Novo Peru Marisa Glave, afirmou no Twitter que "fazer dessa maneira e fazer hoje só confirma um pacto de impunidade".
Milagros Salazar, porta-voz do Força Popular, afirmou que "é lamentável para o país que Pedro Pablo Kuczynski tenha trocado a permanência no cargo por um indulto".
O advogado que defendeu o presidente no processo parlamentar, Alberto Borea, também protestou: "Como todos vocês, fui surpreendido com o indulto a Alberto Fujimori. Sempre lutei e continuarei lutando contra a ditadura e repudio firmemente o indulto", postou ele no Facebook.
A presidência do Peru insiste que as razões são humanitárias e se apoia na avaliação da junta médica que examinou o ex-presidente e considerou que "as condições carcerárias significam um grave risco à vida, saúde e integridade" do preso.
Os dois lados de Fujimori
Fujimori gera uma divisão profunda no Peru.
Seus simpatizantes dizem que seu governo (1990-2000) recuperou a economia nacional e derrotou a guerrilha maoísta Sendero Luminoso e o grupo armado Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA).
Já seus críticos alegam que durante os anos em que dirigiu o país ocorreram violações sistemáticas de direitos humanos e casos graves de corrupção.
O mandato presidencial de Fujimori terminou abruptamente em 2000, quando decidiu não retornar de uma viagem internacional.
Pouco antes, vieram a público vídeos em que, aparentemente, seu principal assessor, o então chefe dos serviços de inteligência, Vladimiro Montesinos, oferecia suborno a congressistas peruanos.
Fujimori se exilou no Japão e só regressou ao país em 2007, ao ser extraditado do Chile.
Fujimori foi condenado em 2009 a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade - por seu papel nos massacres de La Cantuta e Barrios Altos, nos quais dezenas de pessoas, entre elas estudantes universitários e uma criança, foram sequestrados e assassinados por membros do Exército peruano.
Poucos meses depois, o ex-presidente foi condenado novamente, desta vez por apropriação de recursos públicos e outros crimes de corrupção.
Desde sua prisão, sua sombra voltou a pesar sobre a política peruana, onde ainda têm aliados - e onde seus filhos desempenham papéis de liderança.
Sua filha, Keiko, foi adversária de Kuczynski nas últimas eleições e encabeça a oposição ao presidente.
Mas, ao contrário de Kenji, Keiko votou a favor da destituição de Kuczynski.
Ela comemorou a libertação do pai, dizendo, no Twitter, que o dia do anúncio de sua libertação era "um grande dia a minha família e para o fujimorismo. Finalmente meu pai está livre. Este será um Natal de esperança e alegria".
A possibilidade de indulto a Fujimori já havia sido levantada em ocasiões anteriores e sido foco de polarização na política e na sociedade peruanas.
O governo do esquerdista Ollanta Humala rechaçou, em 2013, um requerimento semelhante ao que agora foi recebido e aprovado por Kuczysnki.