Macri, o ex-cartola do futebol que governará a Argentina
O presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri, de 56 anos, é o primeiro líder político que governará o país em tempos democráticos sem pertencer aos partidos tradicionais – peronismo e UCR. "Criamos a oportunidade para construir a Argentina que sonhamos", disse nesta segunda-feira, na primeira entrevista à imprensa após o resultado do domingo.
Macri promete o que chama de uma "mudança de época". Durante a campanha, afirmou que imprimiria outro "estilo" de governar, com a extinção, por exemplo, da figura de "superministros da economia", comum no país nos últimos anos. "Gosto de trabalhar em equipe”, costuma dizer.
Filho de um dos empresários mais ricos da Argentina, o presidente eleito entrou para a política em 2003, quando fundou um partido. Dois anos depois, foi candidato derrotado a prefeito de Buenos Aires.
Foi mais bem-sucedido depois. Hoje, é prefeito reeleito da cidade até o dia 10 de dezembro, quando receberá a faixa presidencial de sua opositora Cristina Kirchner.
Sua vida, disse um de seus amigos à BBC Brasil, é recheada de "desafios" e "glórias". Em 1991, Macri foi sequestrado quando entrava em casa e
passou catorze dias no cativeiro antes que sua família pagasse um resgate milionário para sua libertação. De acordo com pessoas próximas, esses dias sob o poder de bandidos marcaram sua personalidade.
Mudança pelo futebol
Amante do esporte, da meditação e curioso pelo budismo, Macri é engenheiro, estudou em Buenos Aires e em Nova York e sempre foi visto por seus adversários como "o filhinho de papai".
Ao disputar – e vencer – a presidência do clube de futebol Boca Juniors, o mais popular da Argentina, deu início a um processo que mudaria essa percepção, pelo menos em alguns setores. Em um time com sérios problemas financeiros, adotou iniciativas então novas, como a cotização de seus títulos no mercado financeiro.
Macri ficou no cargo de 1995 a 2007, período em que o Boca Juniors conquistou 17 títulos. A reviravolta do clube durante sua administração, afirmam analistas locais, foi o "trampolim" para sua carreira política.
Pouco depois da histórica crise vivida pelo país em 2001, ele reuniu amigos e assessores para formar o partido Compromisso para a Mudança. E, de certa forma, é visto agora como resultado daquela turbulência política, econômica e social, quando os argentinos gritavam nas ruas "que se vayan todos" ("fora todos os políticos", em tradução livre).
"Macri e Scioli (Daniel, candidato governista) são fruto daquela crise porque eles fogem ao perfil do político profissional argentino. Os dois são filhos de empresários e entraram para a vida política depois dos trinta anos", disse à BBC Brasil o analista Jorge Giacobbe, da consultoria política Giabobbe e Associados.
Para o filósofo argentino Santiago Kovadloff, a experiência e a trajetória de Macri indicam que ele buscará fazer um "governo de centro", "com diálogo com os diferentes setores" e a "busca permanente da estabilidade política e econômica".
Apesar do seu perfil público – filho de um empresário que atua em diferentes setores e que gerou polêmica por sua ascensão e queda durante os anos do governo de Carlos Menem (1989-1999) –, Macri não contava com a simpatia de todos os empresários.
No setor agroindustrial, o apoio para que ele fosse eleito presidente foi mais explícito. Já na indústria, alguns empresários – principalmente os mais tradicionais – diziam não se sentir "seguros" com Macri, como contou um deles sob a condição do anonimato.
"Mal ou bem muitos de nós crescemos pelo menos até três ou quatro anos atrás, antes de o país entrar em recessão econômica. E não está claro o que Macri fará", afirmou o empresário pouco antes da votação de domingo.
Rebolado
O analista político Fabián Perechodinick, da Poliarquía Consultores, observou que Macri foi "adaptando" seu discurso ao longo da campanha presidencial. Ele era contrário à reestatização da petrolífera YPF e da companhia aérea Aerolíneas Argentinas, ambas implementadas na gestão de Cristina, e especulava-se que poderia não ser simpático a algumas das medidas sociais da atual administração.
Na campanha, ele disse que manteria as estatizações e lembrou a jornalistas que a medida social emblemática do governo de Cristina – a chamada "Asignación Universal por Hijo" (Ajuda Universal por Filho) foi iniciativa de uma de suas aliadas políticas, a deputada Elisa Carrió.
À BBC Brasil um de seus assessores internacionais, Diego Guelar, afirmou que Macri gosta de trabalhar em equipe. "Ele sabe ouvir os demais, tem interesse em entender as demandas da sociedade", disse.
"Cada vez que Mauricio entrava na casa dos argentinos, que conversava com eles, se comovia pelos problemas que ouvia da realidade das pessoas em vários pontos do país. Mauricio é uma pessoa sólida, séria e sensível à realidade", descreveu Marcos Peña, que foi chefe de campanha de Macri e deverá ser seu chefe de gabinete da Presidência.
Segundo pessoas próximas da campanha, Macri mudou bastante depois de conhecer sua terceira e atual esposa, a empresária de moda Juliana Awada. Em público, ele costuma agradecer o apoio da mulher, a quem chama de "hechicera" (feiticeira).
O presidente eleito não é adepto da gravata e costuma dançar nos fins de seus comícios – como fez no domingo, após o resultado eleitoral. Ele tem insistido que seu governo terá o seguintes pilares: "pobreza zero, educação pública, combate à impunidade, retomada do crescimento do país, diálogo e agenda de futuro".