Medo reina na cidade em que 43 mexicanos desapareceram
Apesar do medo, os vizinhos reconhecem um certo alívio porque, após o crime, a polícia municipal de Iguala foi substituída pelo novo corpo federal de Gendarmaria
Iguala, uma cidade tomada por forças federais mexicanas após o desaparecimento de 43 estudantes há 15 dias, não consegue se livrar do medo com o qual convive, representado por uma polícia corrupta e por vários cartéis que lutam até a morte.
A busca de corpos prosseguia neste sábado em quatro novas fossas clandestinas encontradas em Iguala (sul), onde acredita-se que foram enterrados alguns dos estudantes desaparecidos desde a noite de 26 de setembro, quando foram brutalmente atacados por policiais locais e pistoleiros.
Muito perto dali foram encontradas no dia 4 de outubro outras cinco fossas com 28 cadáveres carbonizados que estão sendo analisados para confirmar as suspeitas de que podem ser de alguns dos estudantes.
Na zona montanhosa onde os peritos trabalham, os moradores há anos não saem de casa à noite por medo dos criminosos que chegam ali em caminhonetes para se livrar das vítimas.
Às vezes era possível ouvir "gritos de homens, bem feios. Outra vez, ouvimos uma pessoa, parecia que estavam amputando-a com machados, e também escutamos as risadas de outros dois", relata à AFP Beto García, de 34 anos.
Das rachaduras de sua janela afirma que conseguia ver fogueiras e lanternas na montanha, onde os narcotraficantes plantam maconha.
Quando está trabalhando no campo, García e sua esposa carregam gafanhotos em um pote de plástico para ter algo para comer durante o dia, já que temem inclusive caminhar até o mercado.
"Na semana passada houve um tiroteio. Saio de noite e tenho medo que um dia me atinja", confessa a estudante Juana Martínez, de 16 anos, ao passar em frente à gigantesca operação militar montada para impedir a passagem até o lugar onde os peritos trabalham.
Iguala, situada a apenas 200 km da Cidade do México, é uma zona disputada por vários cartéis do narcotráfico, assim como o restante da região de Guerrero.
Um deles, chamado de Guerreros Unidos, é acusado de contar com o apoio do governo local e de colaborar com os agentes municipais nos tiroteios contra os estudantes, que deixaram seis mortos.
Antes deste crime que comoveu o México, trinta cadáveres já haviam sido encontrados em fossas apenas neste ano em Iguala (140.000 habitantes).
Apesar do medo, os vizinhos reconhecem um certo alívio porque, após o crime, a polícia municipal de Iguala foi substituída pelo novo corpo federal de Gendarmaria.
Estes efetivos formam parte de uma ampla mobilização ordenada pelo presidente Enrique Peña Nieto, que prometeu encontrar os jovens, esclarecer os motivos do crime e punir os responsáveis.
Os agentes de Iguala - 26 deles detidos - eram vistos como sócios do crime organizado. Testemunhas afirmam ter visto dezenas dos estudantes serem transportados em patrulhas policiais antes de desaparecer.
Este crime deixou em evidência novamente a cumplicidade das autoridades locais com o narcotráfico.
O Ministério Público afirma que os Guerreros Unidos, traficantes de papoula e maconha para os Estados Unidos, especialmente Chicago, eram há até pouco tempo um grupo com escasso poder que brigava pelo território com os cartéis Los Rojos e La Familia.
Hoje vemos "uma associação com alguns funcionários municipais" que fez com que crescessem em possibilidades, declarou nesta semana o procurador Jesús Murillo Karam.
O governo quer interrogar o prefeito de Iguala, Jose Luis Abarca, e sua esposa, mas ambos fugiram dois dias após o desaparecimento.
O prefeito é acusado há um ano de homicídio, enquanto sua esposa, María de los Ángeles Pineda, tem vários irmãos narcotraficantes.
O Ministério Público Federal tinha conhecimento desta situação, mas alegou que a acusação por assassinato de Abarca era de jurisdição regional e que Pineda não podia ser investigada apenas por seus laços familiares.
A esposa do prefeito foi acusada em um relatório da inteligência de ordenar ao diretor da Segurança Pública municipal que reprimisse os estudantes da escola rural de Magistério de Ayotzinapa, temendo que os jovens interrompessem um discurso que ela pronunciaria no dia da tragédia.
Os jovens, a maioria entre 18 e 21 anos, estavam arrecadando fundos em Iguala e haviam se apoderado de vários ônibus para que voltassem a Ayotzinapa quando ocorreram os ataques.