México: narcotráfico desafia o governo e se aproxima do futebol
Investigação americana alerta para uso de clubes de futebol para lavar dinheiro do tráfico internacional de drogas; seria mais um tentáculo da interminável guerra contra e entre o tráfico no México, um dos países que disputam a Copa das Confederações no Brasil
Nos últimos sete anos, pelo menos 150 mil pessoas foram executadas no México em casos de violência relacionados ao tráfico de drogas. O dado de uma associação que reúne governos locais de esquerda ainda acrescenta que 50 mil crianças ficaram órfãs por causa desses assassinatos. São dados não oficiais que ajudam a visualizar o tamanho do problema que afeta vários setores da sociedade mexicana e, recentemente, suspeita-se que tenha chegado ao futebol.
No ano passado, a Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA, pela sigla em inglês), alertou as autoridades que traficantes da Colômbia estariam usando times de futebol do México para lavar dinheiro. De acordo com a investigação, paramilitares extraditados aos Estados Unidos e até um chefe de guerrilha fizeram “investimentos” no futebol mexicano entre os anos de 2003 e 2006. O esquema foi descoberto a partir dos arquivos encontrados com um narcotraficante preso na Colômbia.
Os times mexicanos Necaxa, Santos, Puebla e Salamanca estariam envolvidos na receptação de dinheiro proveniente do tráfico de drogas. A denúncia foi revelada há um ano pela rede de televisão RCN Noticias e, desde então, não foram divulgadas novas informações sobre o andamento das investigações.
Ainda de acordo com os dados não oficiais, a violência deixou 27 mil desaparecidos em sete anos. O México registra 34 assassinatos por dia, segundo essa associação de governos locais de esquerda. Gangues promovem uma verdadeira guerra pelo controle das rotas das drogas aos Estados Unidos, o maior consumidor do planeta. Ciudad Juárez, na fronteira, já foi considerada a mais violenta do mundo com 239 assassinados para cada 100 mil habitantes.
O governo não divulga as informações que possui argumentando que isso poderia afetar as estratégias de combate ao crime. A documentação atual sobre as gangues, nomes de seus chefes e regiões de operação, por exemplo, só poderão ser consultadas em 2015, de acordo com a Procuradoria Geral da República.
O professor da Universidade Autônoma de Madri Carlos Resa Nestares, estudioso do crime organizado mexicano, afirma que identifica “em alguns âmbitos” a presença do dinheiro das drogas. “Em alguns casos, como opção propícia para a continuação do negócio (...) e, em outros, como resultado dos próprios interesses pessoais dos exportadores de drogas”, diz. Nestares lembra que a presença que chama de “social” dos chefes do tráfico é mínima. “Qualquer informação sobre um deles emitida ao exterior, ainda que seja com interesses bem intencionados, tem amplas possibilidades de atrair a polícia, o Exército e extorsões dentro e fora do setor público, com o qual é contraproducente com o negócio”, afirma.
Em entrevista recente ao jornal espanhol El País, o chefe do escritório da ONU contra as drogas na América Central, México e Caribe, Antonio Luigi Mazzitelli, alertou que o crime organizado mexicano mudou, passando do mero tráfico de drogas a uma função superior que inclui, por exemplo, a exploração mafiosa de territórios. “O fenômeno da autodefesa é um sinal bastante claro”, afirmou. O surgimento de grupos civis armados que vendem segurança privada produziu, de acordo com a ONU, a entrada de novos atores no crime.
Para Carlos Resa Nestares, desde 2005, quando ele elaborou um estudo sobre o comércio de drogas ilegais no México, também identifica essa mudança “no que diz respeito a como se vende proteção privada (mafiosos)”. Ele recorda que nos anos 80 esse tipo de “serviço” era oferecido “quase sempre desde instâncias públicas com certa ordem territorial e de propriedades”, mas agora aparecem mafiosos que oferecem seus serviços desde o setor privado. “O resultado é um aumento prolongado da violência, mas não como consequência das drogas, mas sim como resultado da ‘abertura’ a novos agentes do mercado de segurança privada”, afirma.
Em recentes declarações durante uma visita ao Japão em abril, o presidente Enrique Peña Nieto prometeu combater essas organizações armadas que comecem a “fazer Justiça com as próprias mãos” e “fora da lei”. “O governo atuará com a lei na mão para velar por sua correta aplicação”, disse.
Em fevereiro deste ano, o governo mexicano anunciou uma estratégia de prevenção e combate à violência. Na ocasião, Peña Nieto explicou que se trata de uma “política orientada não apenas a combater os efeitos da violência, mas também suas causas estruturais”. Dessa forma, o governo planeja investir em programas sociais como forma de prevenção.