Mudança da avenida 9 de Julio gera polêmica em Buenos Aires
Governo e urbanistas discordam quanto a instalação de um corredor de ônibus a retirada de árvores e a diminuição dos canteiros da lendária via
Um dos principais cartões postais de Buenos Aires estará de nova cara a partir do segundo semestre deste ano. Trata-se da Avenida 9 de Julio, uma das mais largas do mundo, que abrigará em sua área central um corredor de ônibus que cruzará a via de ponta a ponta. O objetivo do governo municipal é reduzir à metade o tempo de viagem entre Constituição e Retiro, onde estão duas das principais estações de trem do município.
O Metrobús – como é conhecido o BRT (Bus Rapid Transit) na Argentina – terá três quilômetros de extensão e ocupará as quatro pistas centrais – duas em cada sentido – das catorze que possui a Avenida 9 de Julio. As outras dez pistas – cinco em cada sentido – ficarão livres para a circulação de automóveis particulares, assim como as ruas laterais, separadas da avenida central somente por canteiros.
Dez linhas de ônibus passarão pelo corredor: as seis que já percorrem atualmente toda a avenida, mais quatro que transitam por ruas paralelas que futuramente serão para circulação exclusiva de pedestres. Estima-se que, com a melhora da qualidade dos serviços, a quantidade de pessoas que usam essas linhas – que hoje é 200 mil – aumente em 25%.
As obras tiveram início na segunda semana de janeiro e a previsão é que sejam finalizadas no início do segundo semestre deste ano. Porém, alguns percalços podem pôr às expectativas do governo municipal.
Problemas ambientais
Apesar de ter qualidades, o projeto gera polêmica. A primeira delas tem relação com o corte de árvores necessário para a instalação das paradas, que estarão localizadas em cinco estações que ocuparão dois quarteirões cada uma e estarão dispostas exatamente no centro da avenida, onde arborizados canteiros ajudavam a compor uma das principais áreas verdes do centro da cidade.
Uma decisão jurídica ordenou, na metade de fevereiro, a suspensão de toda atividade que implique poda, transplante, remoção ou destruição do arvoredo público na região onde se realizam as obras do Metrobús. Além disso, exigiu do governo portenho a apresentação de
uma avaliação técnica sobre essa área verde e as medidas para protegê-la.
Segundo informa a administração municipal, havia 1.440 árvores na avenida antes do início das obras. Dessas, 169 estão sendo trasladadas dentro da própria via, 108 deslocadas a parques e praças próximos e somente 28 não poderão ser realocadas por más condições fito sanitárias ou por particularidade da espécie.
Além disso, o governo também destaca que 550 árvores novas estão sendo semeadas em toda a avenida. Para compensar a eliminação do canteiro central serão construídos outros dois, que separarão as pistas de automóveis privados das exclusivas de ônibus.
Insatisfação
Apesar disso, muita gente está insatisfeita. Recentemente associações de moradores realizaram manifestações simultâneas em distintos pontos da cidade para protestar contra as mudanças que o governo municipal está realizando nos espaços públicos portenhos.
E as obras nem chegaram a seu lugar mais polêmico: a Plaza de la República, onde está localizado o Obelisco. Juan Pablo Negro, professor de projeto urbano na Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo da Universidade de Buenos Aires (UBA), destaca que “o corte de árvores implica um redesenho da região que não está claro, sobretudo no ponto mais conflituoso, que é o Obelisco, um espaço público emblema da cidade de Buenos Aires”.
Problemas estruturais
Apesar disso, Negro considera que há um problema ainda mais relevante: a questão estrutural. Segundo ele, “o corte de árvores poderia ser solucionado, enquanto que uma vez feito o investimento e estabelecido o Metrobús, será difícil voltar atrás”.
O sistema BRT que está sendo implementado na capital argentina é muito básico se comparado aos que existem em outras cidades. Negro salienta que o Metrobús tem “corredores exclusivos e estações, mas ainda conta com poucos ônibus cuja capacidade seja o dobro da de um ônibus tradicional”. Isso torna necessário o aumento da circulação de ônibus, o que grava o problema da quantidade de veículos na superfície.
O urbanista enfatiza que esse sistema foi uma proposta pensada para cidades intermédias onde não havia uma estrutura prévia de metrôs e ferrovias. No caso de Buenos Aires, “é desnecessário porque compete com uma linha de metrô, que poderia ter sua frequência aumentada”, opina Negro. Mas modificar o metrô significa mais dinheiro. Por isso, Negro sugere que se poderia investir no Premetro – espécie de bonde que já funciona no sul da Capital argentina – para que fosse um sistema complementário ao metrô.
O governo municipal, por sua vez, destaca em seu site que não há competição entre esses transportes públicos porque “em geral, os passageiros que viajam nessas linhas de ônibus realizam trajetos mais extensos e não fazem combinação em Retiro e Constituição para usar o metrô”. Desconsidera, porém, que teriam que pagar a passagem duas vezes para fazer a combinação.
Megro explica que o Metrobús não é uma solução se for pensado como um sistema fechado, e não integrado. “É um investimento de curto prazo, que tem efeito quase imediato, mas que se satura rapidamente. Os outros investimentos levam mais tempo e têm melhoras a médio e longo prazo”, conclui.
Problemas legais
Os trâmites de aprovação do projeto de Metrobús também é alvo de polêmica. “Não passou pela legislatura, nem foi consultado ante as autoridades nacionais que têm competência sobre trajetos de linhas que se originam ou finalizam fora da Cidade Autônoma de Buenos Aires”, reclama Araiz. Para ser executada, a obra deveria ter sido analisada e aprovada pela Comissão Nacional de Regulação do Transporte (CNRT).
Além disso, uma resolução estabeleceu a realização de uma audiência pública para avaliar o impacto ambiental. Apesar de ter sido realizada no fim do ano passado, também foi questionada. “O expediente não esteve a disposição de quem se inscreveu na audiência e tampouco foi disponibilizado um relatório sobre ela antes do início das obras”, critica Arauz.
O Metrobús 9 de Julio se somará aos 12,5 km que já existem na Av. Juan B Justo – que cruzam a capital argentina, ligando a parte norte à sudoeste – e aos 22 km em construção do Metrobús Corredor Sur, que liga o bairro de Constituición ao extremo sul da cidade. Com a finalização da rede, a partir do ano que vem, Buenos Aires terá quase 40 km de corredores de ônibus.