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O que querem os venezuelanos que estão nas ruas?

Polarizadas, opiniões sobre saídas para a crise vão de diálogo entre os dois lados até intervenção militar estrangeira. Os protestos recentes no país já deixaram 13 mortos e 150 feridos, segundo dados oficiais

25 fev 2014 - 07h59
(atualizado às 08h00)
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Dividindo chavistas de um lado e opositores do outro, a polarizada disputa política na Venezuela voltou a ganhar características violentas nas últimas semanas.

Os protestos se acirraram após Leopoldo López, um dos dirigentes mais radicais do antichavismo, convocar a população às ruas para pressionar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, a renunciar.

Os protestos vêm sendo reprimidos pela polícia e, oficialmente, 13 pessoas já foram mortas - entre chavistas e opositores. Com um saldo de dezenas de feridos e detidos, as manifestações são diárias e envolveram o país em um clima de incertezas.

As marchas nas ruas marcam também uma disputa pela liderança da coalizão opositora. De um lado, está a ala moderada, liderada por Henrique Capriles – candidato presidencial por duas vezes e governador. De outro, está a ala radical, liderada por López, que foi preso na semana passada, acusado de formação de quadrilha, conspiração e incitação à violência.

Nas ruas, ainda dentro do panorama polarizado, há diferentes visões sobre as razões da nova crise e possíveis desenlaces. Opiniões ouvidas pela BBC Brasil vão desde pedidos por uma intervenção militar estrangeira a chamados por um pacto de diálogo entre os dois setores.

Monica Sanchez, empresária venezuelana
Monica Sanchez, empresária venezuelana
Foto: BBC News Brasil
Monica Sanchez, empresária

Segundo a empresária, seu desacordo com o governo é de natureza econômica. Ela diz estar irritada com o controle de câmbio – vigente desde 2003 - que estaria atrapalhando seus negócios no ramo de refrigeração. "Não há dólares no país, não há. Temos que inventar algo para conseguir salvar nosso dinheiro e importar."

Ela concorda com a "saída rápida" defendida por López, cujo objetivo é levar a população às ruas para pressionar Maduro a renunciar. "Se outros países conseguiram, aqui também conseguiremos (derrocar o governo)".

"Temos que aguentar nas ruas e ver se, sozinhos, podemos sair da crise. Se não, deveriam aplicar a Carta Interamericana (de Direitos Humanos da OEA) para que outros governos nos apóiem a sair disso, definitivamente", afirmou.

No cartaz que carregava na manifestação realizada no sábado, em Caracas, Monica revelava não acreditar nos caminhos democráticos para promover mudanças políticas. Ela diz que para alcançar o objetivo de "expulsar" os chavistas, considera, inclusive, uma intervenção militar de tropas estrangeiras.

"Em última instância deveria haver uma intervenção militar, sim, porque queremos sair disso, queremos paz".

Leonardo Fernandez, estudante de cinema

Leonardo Fernandez, estudante de cinema
Leonardo Fernandez, estudante de cinema
Foto: BBC News Brasil

Estudante de cinema na Universidade Nacional das Artes, Leonardo Fernandez, de 28 anos, acompanha com preocupação o nível de violência que têm alcançado os protestos dos estudantes opositores. De origem de classe média, ele conta sobre como ficou chocado ao saber da morte de um jovem que foi degolado ao cruzar, com sua moto, uma das armadilha feitas por opositores com arame farpado em diferentes pontos de Caracas.

Acionados pelas redes sociais e orientados por um general reservista, as armadilhas tinham como objetivo frear o acesso aos motoqueiros, categoria que é estigmatizada por apoiar o chavismo. "A situação está fora de controle. Estão acabando com a vida de pessoas com técnicas fascistas e protestos sem sentido", afirmou.

Para Fernandez, o objetivo final dos dirigentes políticos que conduzem as mobilizações é o controle do petróleo, disputa que se arrasta há 15 anos, desde que Hugo Chávez chegou ao poder. Ele responsabiliza o governo, no entanto, por não aplicar de maneira eficiente a legislação e por não assumir de maneira eficaz a produção e distribuição de alimentos, para contornar o desabastecimento, um dos "combustíveis" utilizados por opositores "para desestabilizar o país".

O jovem universitário diz temer que a situação fuja ao controle e afirma que o governo precisa, de imediato, paralisar os atos de violência de seus adversarios por meio do diálogo. "Se a oposição não faz propostas e o governo não baixa um pouco a soberba com algumas políticas, não poderemos mudar esse cenário de conflito".

Ele acredita que o chamado por uma intervenção militar estrangeira por parte de opositores não é algo novo, porém, não deixa de preocupá-lo. "Eles devem ter em conta que as bombas gringas não distinguem chavistas de opositores, afetará a todos da mesma maneira. Eles querem ser armados pelos Estados Unidos, porque financiados já são, para converter a Venezuela numa nova Líbia".

Para Fernandez, se as manifestações acabassem em um golpe de Estado, os chavistas não aceitariam a situação de braços cruzados. "Não acredito que esse povo que agora tem educação, saúde, trabalho, direito a se organizar deixará que isso tudo se perda. Somos milhões os que temos uma vida digna, sem importar nossa classe social ou econômica. Não queremos ser invisíveis outra vez".

Paola Jaramillo, estudante de arquitetura
Paola Jaramillo, estudante de arquitetura
Foto: BBC News Brasil
Paola Jaramillo, estudante de arquitetura

A estudante de arquitetura Paola Jaramillo, de 25 anos, conta que está nas ruas desde o início dos protestos. "Reconheço muitas coisas boas que Chávez fez, mas também cometeu muitos erros e os dirigentes que estão agora no gabinete não estão agindo bem. Dizem ser de esquerda, mas assinam tudo com a direita", afirma.

Aluna da Universidade Central da Venezuela, Paola quer que o governo de Maduro dê respostas aos problemas que afetam a maioria dos venezuelanos: insegurança, escassez e inflação.

Diferentemente da postura de muitos opositores, a estudante diz que sua manifestação é pacífica e seus objetivos, nas ruas, não estão vinculados aos protestos violentos que marcaram os focos das manifestações, desde seu início, em 12 de fevereiro.

"Não estou de acordo com incêndios, com que fechem as ruas, com armadilhas de arame farpado, não estou de acordo com nenhuma morte. Ninguém deve morrer".

Nesse sentido, ela encontra no líder da aliança opositora de Capriles a liderança que, a seu ver, sintetiza as aspirações de uma disputa "democrática". "Leopoldo (López) nos chamou às ruas, mas não propôs nada concreto. Capriles no entanto diz que temos que nos manifestar para que o governo resolva os problemas, e não para derrubar o governo".

Paola diz não estar de acordo com uma saída "golpista" para obrigar a Maduro a deixar Miraflores – sede do governo. "Me preocupa que alguns queiram isso, porque é algo que não pode ocorrer. Uma metade do povo sim que está com governo, temos que respeitá-los também. Se continuamos assim nunca chegaremos num acordo".

Paola, que se diz ex-chavista, acredita que somente uma aliança entre opositores e governistas poderá dar solução aos problemas do país: "Temos que começar a falar com esses chavistas que não se dão conta da realidade. E quando eles abrirem os olhos, ai sim poderemos dizer: Ou o governo muda ou o povo muda o governo".

Ricardo Paez, corretor de seguros e ator

Ricardo Paez, corretor de seguros e ator
Ricardo Paez, corretor de seguros e ator
Foto: BBC News Brasil

O ator e corretor de seguros Ricardo Paez, de 27 anos, diz ser contra os protestos violentos, porém, aposta na "via rápida" para derrubar Nicolás Maduro. "Quero que mude o governo, não que o governo mude". O ator diz sentir-se excluído por pensar diferente. "Esse governo exclui quem não está ligado a sua maneira de pensar. É muito mais difícil conseguir um trabalho dentro da política, de algum ministério, se você não está a favor do governo", afirmou.

Acompanhado de outros dois jovens atores, Paez se queixava da inflação e da redução de sua qualidade de vida desde que o chavismo assumira o poder. "É impossível pensar em comprar uma casa e se casar antes dos 30. Tudo está caríssimo". Paez escreveu na camiseta branca que vestia problemas que lhe preocupam: insegurança, escassez e inflação. Na parte de atrás, o nome de alguns jovens opositores mortos durante os protestos.

O ator disse concordar que, sem o apoio da maioria da população, os protestos vão perder a força. A seu ver, a maioria da população que prefere não protestar ou que apoia o governo é formada por "ignorantes".

"A classe média é a maioria nos protestos porque nós temos mais acesso à informação que as pessoas humildes, das favelas", afirmou. "O outro setor da sociedade também está incomodado. Estou protestando para um país melhor para mim e para eles (chavistas)".

Paez disse estar entusiasmado e inspirado com a situação da Ucrânia, cujos protestos levaram à queda do presidente Viktor Yanukóvich. "Se na Ucrânia foi possível, por que aqui não?

Amari Velasquez, arquiteta venezuelana
Amari Velasquez, arquiteta venezuelana
Foto: BBC News Brasil
Amari Velasquez, arquiteta

Amari Velasquez, arquiteta de 28 anos, se uniu a uma manifestação convocada pelo governo "em defesa da paz". "Somos muitos e enquanto eles estão queimando pneus nós continuamos trabalhando, enquanto eles estão do outro lado tentando paralisar a cidade, agredindo com manifestações violentas, nós continuamos construindo o socialismo", afirma.

A jovem se diz preocupada com a situação e minimiza as demandas apresentadas pelos opositores para justificar os protestos. Amari acusa a oposição, que controla as redes de distribuição de alimentos, pela escassez de alguns produtos básicos. "Estamos conscientes de que a escassez é fruto do armazenamento. Foram encontrados dezenas de galpões com toneladas com comida apodrecendo. A responsabilidade é dos importadores e quem são os importadores? Os mesmos que estão nas ruas protestando", afirma.

Emulando o argumento do governo, Amari afirma que há uma campanha midiática para maximizar a percepção de escassez e dos problemas do país, como o objetivo de insuflar uma rebelião. "O que nós vivemos dentro de casa é diferente do que os meios de comunicação e a oposição estão promovendo", afirma. "A escassez não me afeta, eu não estou morrendo de fome. Em muitos lugares encontramos o que necessitamos e continuamos vivendo bem."

A jovem considera que o que está em jogo na Venezuela hoje é a disputa de dois modelos de país, um socialista e o outro neoliberal. Ela exige, no entanto, que os opositores que estão nas ruas respeitem as regras do jogo democrático e o voto da maioria que optou pelo primeiro modelo, nas eleições presidenciais de abril.

"A atitude deles é pouco inteligente, não ajuda em nada. Estamos numa democracia e somos maioria. Eles (opositores) precisam ir, votar e ganhar. Se eles não conseguem ser maioria, o que podemos fazer?", questiona.

"Estamos num momento delicado, sem dúvida, mas não há uma ruptura, continuamos caminhando".

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