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América Latina

Onda de linchamentos preocupa governo da Argentina

Imprensa relatou pelo menos dez casos nas últimas duas semanas; em um deles, jovem de 18 anos foi morto por multidão depois de ter tentado roubar carteira

3 abr 2014 - 09h01
(atualizado às 09h08)
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Imagem de arquivo. Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, antes de uma reunião com a presidente do Chile, Michelle Bachelet, em Santiago, em 10 de março
Foto: Reuters

Uma série de linchamentos em várias partes do país está preocupando o governo da Argentina e levou a presidente, Cristina Kirchner, a fazer uma referência ao problema em um pronunciamento.

Nos últimos dez dias, a imprensa do país relatou pelo menos dez casos. Em algumas ocasiões, os alvos dos linchamentos ficaram em estado grave e pelo menos um resultou em morte.

"Precisamos de olhares e vozes que tragam tranquilidade, não de vozes que tragam desejos de vingança, de luta, de ódio, isto é ruim", disse Kirchner, fazendo uma referência indireta aos incidentes.

A presidente argentina responsabilizou "políticos mentirosos e sem escrúpulos" por incitar a violência.

"A violência gera violência, que se espiraliza", disse Kirchner.

Foto: Reprodução

Sergio Massa, prefeito de Tigre, líder do partido peronista Frente Renovador e um dos principais opositores do governo, acusou as autoridades argentinas de serem responsáveis pelos linchamentos.

"Estas situações ocorrem porque há um Estado ausente e a sociedade não quer conviver mais com a impunidade", disse.

"As pessoas precisam que o governo garanta o Estado de Direito e um sistema de sanções que reprima as condutas à margem da lei", acrescentou Massa, provável candidato à Presidência em 2015, quando chega ao fim mandato de Kirchner.

Insegurança

As afirmações de Massa refletem a frustração que toma conta de grande parte da sociedade argentina devido a uma onda de roubos violentos o país.

Não há estatísticas oficiais recentes, mas, nas últimas semanas, até políticos do governo admitiram que há um problema de insegurança no país, algo que até este ano era negado pela Casa Rosada.

Agora o debate é sobre como responder à preocupação dos argentinos com a violência.

Para alguns, os casos de linchamento são casos de "justiça com as próprias mãos". Para outros, mostram uma preocupante degradação social.

"Voltamos ao Velho Oeste", disse Alfredo, porteiro de um prédio que, há alguns dias, defendeu um homem suspeito de ter cometido um roubo e que estava sendo golpeado por vizinhos no bairro de Palermo em Buenos Aires.

"Se não tivesse protegido (o suspeito), o teriam matado. Estavam dando pancadas na cabeça, a intenção era matar", disse o porteiro ao canal de televisão argentino Todo Notícias.

No dia 22 de março, David Moreira, um jovem de 18 anos, morreu por causa dos golpes recebidos em meio a uma multidão no bairro da terceira maior cidade de Argentina, Rosário, na província de Santa Fé.

Moreira foi capturado por vizinhos depois de supostamente ter tentado roubar a carteira de uma mulher que carregava o filho no colo.

Desde a morte de Moreira, foram divulgados pelo menos nove casos de linchamentos em Santa Fé, Buenos Aires, Rio Negro, Córdoba e La Rioja. Apesar de não terem resultado em mortes, alguns resultaram em ferimentos graves para as vítimas.

Durante o fim de semana, também foi noticiado um outro caso em Rosário no qual dois homens foram golpeados por vizinhos depois de serem confundidos com ladrões.

Imprensa e responsabilidade

Alguns especulam que a grande atenção que estes casos receberam poderia estar estimulando a violência e até gerando um efeito de contágio.

Outros analistas responsabilizam a imprensa de aumentar o problema de insegurança no país.

"Se pode falar de insegurança, da impunidade, da inflação... mas como cidadão não gosto que o único (assunto) que se fale em meu país seja este", disse no domingo passado em um programa de televisão popular um dos atores mais famosos da Argentina, Guillermo Francella.

O comediante e ator do filme ganhador do Oscar O Segredo de Seus Olhos continuou afirmando que "vou à academia e faço ginástica assistindo televisão e, em uma hora, não há uma notícia boa sobre meu país... E não acredito que meu país seja assim, todo ruim".

A opinião do ator coincide com a da presidente Cristina Kirchner que, frequentemente, acusa os principais meios de comunicação do país de fomentar uma "cadeia nacional de ódio e desânimo".

Analistas de segurança consultados pela BBC afirmam que, apesar de a televisão ter um papel nesta onda de medo, há também no país uma sensação de impunidade.

"Desde o começo do ano, uma pessoa foi assassinada a cada 27 horas na província de Buenos Aires e uma pessoa morreu por dia em Rosário", disse Luis Alberto Somoza, especialista em políticas de segurança e professor do Instituto Universitário da Polícia Federal Argentina (Iupfa).

"As pessoas sabem que a capacidade punitiva do Estado foi perdida. (...) O delinquente entra e sai pela mesma porta porque há toda uma corrente benévola quanto à aplicação do direito penal, e o delinquente não teme o castigo. Hoje, o delinquente não tem medo de sair e cometer crimes porque tem certeza de que não vai acontecer nada", afirmou.

Mais violentos

O advogado Luis Vicat, que já foi comissário da Polícia de Buenos Aires, afirmou que o crime está mais violento devido ao ressentimento social e que as vítimas estão sendo "objetificadas".

Vicat calculou que cerca de 80% dos delitos têm relação com as drogas, algo que também torna os crimes mais violentos.

Em Rosário estima-se que pelo menos 200 assassinatos por ano sejam relacionados ao narcotráfico.

"Vamos caminhando para o que é o México, onde os vizinhos criaram defesas civis para se proteger dos crimes", disse.

Em seu discurso de segunda-feira, Cristina Kirchner reconheceu tacitamente que os crimes violentos têm um elemento de ressentimento social.

"Quando alguém sente que sua vida não vale dois pesos para o resto da sociedade, não podemos exigir que a vida dos demais tenha, para ele, um valor maior do que dois pesos", disse.

Muitos pedem mais ações da polícia ou penas maiores para os crimes. Mas a presidente afirmou que a solução passa pela ampliação da inclusão social.

"Não há melhor antídoto contra a violência do que conseguir que mais pessoas sejam incluídas", afirmou antes de anunciar novos programas sociais.

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