Operação de Cristina desperta incerteza sobre gestão do governo argentino
A operação à qual será submetida nesta terça-feira a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o tempo de recuperação ainda indefinido desperta incerteza sobre quem tomará agora as decisões em um governo personalista e pressionado pela agenda eleitoral e econômica.
Embora formalmente o Executivo esteja a cargo do vice-presidente, Amado Boudou, analistas consultados hoje pela Agência Efe mostraram suas dúvidas sobre se será ele quem verdadeiramente tomará as decisões no dia a dia.
"Não sabemos se a convalescença será de 30 ou de 90 dias. Isto gera muita incerteza no cenário político e econômico da Argentina", disse à Efe Patrício Giusto, da empresa de consultoria Diagnóstico Político.
Os assuntos econômicos são os mais prementes para o governo, como a inflação, as pressões cambiais e o tema irresoluto da dívida, que hoje somou um novo revés com a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de rejeitar a análise de uma apelação apresentada pelo país sul-americano no marco de um litígio entabulado por fundos de investimento.
Para o analista Jorge Arias, da empresa Polilat, é "possível" que esta situação de Cristina "desperte iniciativas de alguns atores econômicos" de pressão sobre o setor bancário ou nos mercados cambiais.
No campo político, o repouso obrigatório de Cristina afeta totalmente a estratégia eleitoral do governo para os pleitos legislativos do próximo dia 27 de outubro, depois de primárias marcadas por triunfos opositores nos principais distritos do país.
Giusto lembrou que Cristina estava "posicionada à frente da campanha" na província de Buenos Aires, o maior distrito eleitoral do país, para "escorar" o candidato governista Martín Insaurralde, estagnado nas enquetes.
"Mas o eleitoral passa agora para o segundo plano. O mais importante é quem vai tomar as decisões em um contexto onde a equipe econômica está brigada entre si e onde justamente a economia está no topo da agenda", declarou o analista.
Boudou assume Executivo justamente quando nas últimas semanas o governo, segundo Giusto, o tinha confinado a viagens oficiais no exterior, longe da campanha, "porque é um dos dirigentes com pior imagem no país".
O vice-presidente já governou o país durante três semanas em janeiro de 2012, quando Cristina teve que retirar a glândula da tireóide, mas os analistas duvidam que seja agora ele quem coordene a tomada de decisões.
Sem um homem forte na chefia de gabinete, os analistas também não sabem até que ponto os ministros e secretários poderiam responder ao homem de maior confiança para Cristina no governo, o secretário Legal e Técnico, Carlos Zannini, nesse cargo desde o início da gestão de Néstor Kirchner (2003-2007).
"Embora não saibamos, talvez Cristina defina antes de operar quem ocupará seu lugar na hora das decisões. Mas se não chegar a definir, vai ser uma situação complicada na gestão do dia a dia e vão começar as incongruências e os conflitos", advertiu Giusto.Jorge Arias ressaltou que "não há um corpo de generais que esteja por trás da presidente com cotas de poder claramente estabelecidas que, com uma mínima coordenação, deveria poder funcionar".
"Ainda que muitos analistas considerassem equivocada a direção do governo da presidente, é melhor uma direção equivocada que a falta de coordenação", opinou.
Para o analista, se Cristina tiver que ficar afastada do poder por mais de um mês, o governo se verá obrigado a definir um sistema provisório de condução, mesmo se Boudou seguir formalmente à frente do Executivo.
"E nesse esquema, quando se trata de antecipar uma herança política, ocorrerão muitos atritos porque vão ser vários os que vão competir por algum nível de ingerência na condução, mesmo se for colegiada, algo que é difícil de imaginar no kirchnerismo, que sempre foi verticalista", observou.
Neste contexto, Arias não descartou que "surjam antecipadamente apetências sucessórias" para 2015, quando serão realizadas eleições presidenciais para as quais o governo não tem ainda um candidato.