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'Quero justiça', diz mãe de 1º venezuelano morto em protesto

Parentes de vítimas das manifestações falaram ao Terra; protestos, que completam 1 mês, já deixaram 28 mortos e 265 feridos, confirmou hoje a Procuradoria Geral

13 mar 2014 - 15h45
(atualizado às 16h16)
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Bassil Dacosta, 24 anos, baleado em protesto em Caracas, em 12 de fevereiro
Bassil Dacosta, 24 anos, baleado em protesto em Caracas, em 12 de fevereiro
Foto: Twitter

Na esquina onde, há um mês, Bassil Dacosta morreu, em La Candelaria, Caracas, há uma placa comemorativa, flores e cartazes com mensagens em sua memória. Era um carpinteiro e estudante de publicidade e tinha 24 anos. O tiro que ele levou na cabeça, na noite de 12 de fevereiro não só o matou, mas tornou-se um símbolo trágico: foi a primeira vítima de uma lista de 28 pessoas, de acordo com a Procuradoria Geral do país, que morreram em meio a onda de protestos, tumultos, bloqueios de estradas e ações de fiscalização do governo, que completou um mês, na Venezuela.

Sua mãe, Jeneth Frías Dacosta, tem muito fresco na memória o sentimento que teve quando ouviu a notícia: "Foi como se o mundo tivesse caído sobre mim, uma dor muito grande". Seu filho nunca tinha assistido a manifestações políticas, mas, desta vez, decidiu acompanhar um primo para uma marcha organizada por líderes da oposição e da universidade com uma dupla finalidade: para exigir a libertação dos estudantes presos em protestos dos dias anteriores em Táchira, estado fronteiriço - ainda que sobrecarregado de descontentamento -, e pedir nas ruas a saída do presidente Nicolas Maduro, no poder há menos de um ano. 

Uma metáfora servia como pano de fundo: o bicentenário da Batalha de Vitória, de 1814, um combate da Guerra da Independência declarado como Dia da Juventude, em memória aos universitários mortos na ação militar contra as forças coloniais espanholas.

Frías sabe que o assassinato de seu filho é um sintoma de uma escalada do conflito político entre partidários e aqueles que rejeitam o sucessor de Hugo Chávez e a continuidade do projeto socialista iniciado pelo falecido presidente: "Muitos inocentes já morreram e foi pela desunião que incutiram entre os venezuelanos".

O assassinato de Dacosta foi registrado em vídeo e fotos que têm servido como provas na investigação contra funcionários do Serviço Bolivariano de Inteligência - organismo dirigido pelo governo de Maduro - acusados de desobedecer ordens para não deixar os seus comandos e usar armas de fogo contra manifestantes. A maioria das pessoas que estiveram no centro de Caracas naquela tarde se dispersaram logo que chegou à Procuradoria Geral da República, que foi ponto de chegada da mobilização. Um grupo, no entanto , manteve-se e começou um ataque com pedras e coquetéis molotov na sede da instituição e a desordem tomou conta da área onde também chegaram grupos de civis armados simpatizantes ao governo - popularmente chamados de coletivos - para tirar os manifestantes da área à força.

Vídeo homenageia jovem morto em protesto na Venezuela:

Dacosta foi um dos jovens que correram para escapar dos disparos. Uma gravação, que viralizou em redes sociais, mostra o momento em que o jovem caiu subitamente, um momento registrado na retina de seus familiares. "Ouvi dizer que há funcionários presos pela morte de meu filho, mas nada disso foi relatado para mim pessoalmente. Quero justiça". Uma das pessoas investigadas por ter feito o disparo é um guarda da escolta de Miguel Rodriguez Torres, Ministro do Interior, Justiça e Paz do governo de Maduro e Major General do Exército. O estudante não morreu imediatamente: pessoas que estavam no local o levaram para receber ajuda médica, mas o dano foi irreparável. "São muitas mães que, como eu, sofrem por esta situação, que mata nossos filhos", diz Frías.

<p>Funeral de Juan Montoya, 50 anos, baleado na cabeça em protesto, em 12 de fevereiro</p>
Funeral de Juan Montoya, 50 anos, baleado na cabeça em protesto, em 12 de fevereiro
Foto: Reuters

Juan Montoya

A morte de Dacosta foi o início de uma situação que piorou imediatamente: duas pessoas foram mortas no mesmo dia. Um deles foi Juan Montoya, 50 anos, também baleado na cabeça, pouco tempo depois, e a uma curta distância de onde o estudante havia caído. Ele estava no local, designado pela Divisão de Inteligência da Polícia Municipal de Caracas, mas também era considerado um simpatizante da causa de Chávez. Seu irmão, Johnny Montoya, tem insistido que os funcionários são responsáveis pelo crime e pede que não haja impunidade.

Robert Redman

Outro assassinado foi o aviador Robert Redman, de 34 anos, um dos manifestantes que carregaram Dacosta em um esforço inútil de salvá-lo, como escreveu em sua conta no Twitter. Ele voltou para casa naquele dia e, em seguida, saiu para se manifestar em Chacao, município do leste de Caracas, onde os protestos não cederam. Também lhe deram um tiro na cabeça. Dois homens motorizados surpreenderam os manifestantes: tinham se escondido em uma rua próxima e abriram fogo sem aviso. Seus rostos estavam cobertos com capacetes e usavam jaquetas pretas, segundo versão dos investigadores da polícia.

Dereck Redman, pai do aviador morto, cuida em cada palavra. "O que eu posso dizer que não é dito? Os únicos pensamentos que vêm à mente a um mês do assassinato são os mesmos que meu filho tinha: é urgente mudar o país". A polícia investiga se são corretas as declarações de testemunhas, que dizem que os assassinos chegaram no local na retaguarda de um contingente da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), que foi enviado à rua onde Redman e outros jovens protestavam. Segundo estas testemunhas, eles dispararam depois que os militares saíram e os jovens voltaram a se agrupar. "Meu filho morreu convencido de que lutava contra a instauração de um sistema comunista no país".

Geraldine Moreno

A conta de mortos não parou desde então. Organizações de direitos humanos, tais como Provea, Cofavic e Fórum Penal reponsabilizaram os agentes de terem usado "abuso de força inaceitável" como no caso da estudante Geraldine Moreno, de 23 anos, do estado de Carabobo. Sua família acusou um membro da GNB de disparar com tiro de chumbo grosso no rosto da jovem. A jovem não só teve o rosto desfigurado. Ela morreu pelas feridas. A Procuradoria Geral da República afirmou há dois dias, em um comunicado, que 14 funcionários foram presos por violações dos direitos humanos. Um dado não passa despercebido: nenhum da lista faz parte do organismo militar apontado pela morte de Moreno.

O governo também foi acusado de ser complacente com a operação de grupos paramilitares armados. Nesta quarta-feira, 12, quando se completou o primeiro mês da morte de Dacosta, um novo assassinato ocorreu em Carabobo. A vítima foi Guillermo Sanchez, 42 anos de idade. Gina Rodriguez, sua esposa, afirmou, em um programa da rede de TV CNN, que ele foi seqüestrado e baleado por civis, embora não participava de qualquer protesto. O homem chegou consciente ao hospital e conseguiu relatar à sua esposa o que aconteceu. A versão oficial está longe de ser a de que os atiradores da oposição foram os assassinos.

As barricadas montadas pelos opositores em suas zonas residenciais também fizeram vítimas. O uso de óleo no asfalto, a remoção do esgoto público e o uso de arame farpado tem sido associado com a morte de pelo menos seis pessoas, segundo dados oficiais. Uma delas ocorreu em 21 de fevereiro no condomínio Horizonte del município Sucre, em Caracas. Elvis Duran, um trabalhador da rede de automercados Excelcior Gamma, de 29 anos, estava pilotando sua moto quando bateu em um cabo de aço (guaya) que o degolou. Retornava do trabalho para casa. Luis Durán, o pai da vítima, falou aos jornalistas: "Isto não pode continuar. As pessoas que fazem isso não querem paz para o país, perderam a razão", disse o homem, em cuja família há seguidores do chavismo.

Mortes de soldados

Três soldados da Guarda Nacional foram mortos a tiros nas proximidades de áreas onde foram instalados bloqueios de rua, conhecidos como "guarimbas". As investigações indicam, por exemplo, que o sargento Acneer López foi morto depois que abriram fogo contra ele a partir de um edifício, em Caracas, em meio a um conflito entre motoqueiros e vizinhos pelo fechamento de uma avenida. Moradores da região dizem que não têm a ver com o caso, mas Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional, não demorou em dizer que francoatiradores mataram o militar.

Conferência Nacional de Paz: as condições dos opositores

Maduro convocou representantes do movimento estudantil e as principais entidades representativas da oposição - como o Bureau da Unidade Democrática - para participar de uma conferência nacional de paz nacional. Embora líderes, como o ex- candidato presidencial Henrique Capriles, tenham rejeitado os protestos violentos, não aderiram à iniciativa por consideram que se trata de uma manobra dilatória (medida para atrasar alguma decisão). Juan Requesens, presidente da Federação de Centros Universitários da Universidade Central da Venezuela, principal instituição de ensino superior no país, disse que o fim da repressão, a libertação dos estudantes detidos e de presos políticos fazem parte das condições que exigem antes de se sentar à mesa. Maduro pede um diálogo sem condições e não atenua o tom ao qualificar os protesto como parte de um golpe de Estado por "setores fascistas".

Leopoldo López, um dos promotores da idéia de tomar as ruas para adiantar a saída de Maduro, foi acusado pelo Ministério Público por sua suposta responsabilidade nos distúrbios de 12 de fevereiro. Ele foi acusado por incitamento ao crime. López se entregou ao tribunal em 19 de fevereiro convencido de que vai provar sua inocência e agora está isolado em uma prisão militar onde não é permitido que ele fale com outros prisioneiros. Ele insiste no lema de que "a saída é a rua" e, fora da prisão, há pessoas convencidas a não diminuir a intensidade das reivindicações, apesar de que toma força o clamor de que a morte de outros venezuelanos seja impedida.

Fonte: Especial para Terra
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