Análise: por que telefonema entre Trump e Putin é visto como uma vitória na Rússia
O líder russo conseguiu estabelecer suas próprias condições para a paz em uma ligação telefônica de duas horas com Donald Trump.
A julgar por algumas manchetes desta quarta-feira (19/3) na Rússia, Moscou acredita que a mais recente conversa telefônica entre os presidentes Vladimir Putin e Donald Trump correu bem - pelo menos para o Kremlin.
"Putin e Trump concordam em trabalhar juntos para resolver a questão da Ucrânia", concluiu o jornal Izvestia.
"Conversa recorde entre Putin e Trump", declarou o diário Komsomolskaya Pravda. O site do jornal acrescenta: "Nas atuais circunstâncias, a Rússia obteve uma vitória diplomática."
Por que alguns na Rússia estão falando em "vitória" após a ligação de duas horas feita na terça-feira (18/3)?
Provavelmente porque, no telefonema, Vladimir Putin não foi pressionado a fazer grandes concessões à Ucrânia ou aos Estados Unidos.
Pelo contrário, ele, na prática, rejeitou a ideia de Trump de um cessar-fogo imediato e incondicional de 30 dias.
Putin concordou apenas em suspender ataques a alvos da estrutura energética da Ucrânia por 30 dias.
Nesta quarta, porém, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que seu país foi atacado por 150 drones russos durante a noite passada, "visando a infraestrutura energética, entre outros alvos".
Após a ligação com Putin, em vez de pressionar Moscou com a ameaça de sanções ainda mais duras para forçar a Rússia a aceitar seu plano, o governo dos EUA reagiu elogiando o líder do Kremlin.
"Tivemos uma ótima ligação", disse Trump à emissora americana Fox News.
"Eu elogio o presidente Putin por tudo o que ele fez hoje nessa ligação para aproximar seu país de um acordo de paz definitivo", afirmou o enviado de Trump, Steve Witkoff.
Condições de Putin
Moscou não apenas recusou um cessar-fogo incondicional, como o próprio presidente Putin estabeleceu suas próprias pré-condições para a paz.
Entre elas, estão o fim da ajuda militar ocidental a Kiev, a interrupção do compartilhamento de inteligência com os ucranianos e a suspensão da mobilização na Ucrânia.
Tais condições são amplamente vistas como uma forma de forçar a rendição ucraniana.
É difícil imaginar Kiev concordando com isso.
Nesta quarta, Trump teve uma conversa com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Os dois disseram que tiveram uma conversa telefônica "positiva".
Zelensky disse ainda que a paz duradoura é alcançável ainda este ano.
Uma nova conversa entre as delegações americana e russa está marcada para o domingo (23/2), na Arábia Saudita.
Mas será que o governo Trump poderia, eventualmente, ser convencido por Moscou de que essas condições são aceitáveis? E, nesse caso, Washington pressionaria a Ucrânia a aceitá-las?
Muito pode depender de o Kremlin conseguir convencer o presidente Trump de que ele tem mais a ganhar desenvolvendo boas relações com Moscou do que defendendo os interesses ucranianos.
Para reforçar esse ponto nas conversas com os americanos, autoridades russas já estão acenando com diversas vantagens econômicas e financeiras, destacando como a relação entre Rússia e EUA poderia ser mutuamente benéfica se os dois países revitalizassem suas relações bilaterais e colaborassem em projetos conjuntos.
Recentemente, Vladimir Putin mencionou a possibilidade de cooperação entre EUA e Rússia na produção de alumínio e na mineração de minerais raros.
A mensagem parece estar sendo compreendida.
"Gostaríamos de ter mais comércio com a Rússia", disse Donald Trump na terça-feira (18/3), em entrevista à Fox News.
"Eles têm algumas coisas muito valiosas para nós, incluindo minerais de terras raras. Eles possuem uma grande extensão de território, a maior do mundo. Eles têm recursos que poderíamos utilizar."
Moscou pode estar esperando - e talvez calculando - que Donald Trump priorize garantir uma fatia desse "grande território russo" em vez de buscar um acordo aceitável para a Ucrânia que leve ao fim da guerra.
Esse ponto foi ecoado nesta quarta pelo jornal pró-Kremlin Izvestia:
"A lógica de Moscou é tornar as relações econômicas com os EUA tão lucrativas que rompê-las se tornaria caro demais para os Estados Unidos."
Após a Ucrânia ter concordado com um cessar-fogo incondicional há uma semana, o governo americano declarou publicamente que "a bola estava no campo [da Rússia]".
Agora que Vladimir Putin rejeitou o acordo e estabeleceu suas próprias condições, o líder do Kremlin devolveu a bola para o "campo" dos EUA.
Mas as negociações entre Rússia e Estados Unidos continuarão - tanto sobre a Ucrânia quanto sobre os laços bilaterais.
E são essas negociações que provavelmente influenciarão o próximo movimento de Donald Trump.
