Após ataque de Israel matar mais de 550 no Líbano, Biden diz na ONU que 'ainda é possível' evitar guerra total
O Ministério da Saúde do Líbano informou que 6 pessoas morreram e 15 ficaram feridas em novo ataque aéreo. Israel anunciou ter matado um dos comandantes do Hezbollah.
Em meio a uma escala no conflito entre Israel e Hezbollah, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que uma solução diplomática para impedir os ataques mútuos culminem em uma guerra em larga escala ainda ainda é viável.
Em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nesta terça-feira (24/9), Biden ressaltou que, desde os ataques do Hamas contra Israel em 7 de outubro, sua administração tem se empenhado em "evitar uma guerra mais ampla que envolva toda a região".
"Quase um ano depois, muitos ainda estão deslocados em ambos os lados da fronteira entre Israel e Líbano", afirmou.
"Uma guerra em grande escala não interessa a ninguém. Apesar da escalada da violência, uma solução diplomática continua sendo possível. E essa é a única maneira de garantir uma segurança duradoura, permitindo que os residentes de ambos os países retornem com segurança às suas casas na fronteira. Estamos trabalhando incansavelmente para alcançar esse objetivo."
No Líbano, o Ministério da Saúde informou que seis pessoas morreram e 15 ficaram feridas após um ataque aéreo israelense em Beirute, a capital do país.
Desde segunda-feira (23/9), mais de 550 pessoas, incluindo 50 crianças, perderam a vida em ataques israelenses.
Milhares de pessoas estão fugindo do sul do Líbano, com famílias lotando carros, enquanto escolas fechadas estão sendo transformadas em abrigos improvisados.
A segunda-feira foi o dia mais letal no Líbano desde o fim da guerra civil, em 1990.
Israel afirma que seu objetivo é neutralizar a ameaça do Hezbollah e permitir o retorno dos moradores deslocados no norte de Israel.
O Hezbollah, por outro lado, declara que está resistindo à "agressão" israelense e agindo em solidariedade aos palestinos em Gaza.
Os ataques de ambos os lados da fronteira se intensificaram, e o receio de um conflito regional generalizado aumentou após uma série de atentados contra membros do Hezbollah.
Na terça-feira, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), Avichay Adraee, anunciou que as forças israelenses mataram Ibrahim Muhammad al-Qubasi, comandante do sistema de mísseis e foguetes do Hezbollah, em uma operação militar.
Adraee informou, por meio de uma postagem na rede X, que al-Qubasi estava acompanhado de outros oficiais de alto escalão do grupo no momento do ataque.
Mais cedo, as IDF haviam confirmado a realização de um ataque "direcionado" em Beirute, além de informar que "dezenas" de alvos do Hezbollah foram atingidos em operações noturnas anteriores.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, alertou que "dias complicados" estão por vir para o país.
Ele falou após uma reunião no quartel-general militar de Kirya em Tel Aviv, onde ele enfatizou que Israel não espera por ameaças, mas "as antecipa" — referindo-se aos ataques do país no sul do Líbano.
"Prometi que mudaríamos o equilíbrio de segurança, o equilíbrio de poder ao norte [de Israel] — é exatamente isso que estamos fazendo", disse Netanyahu.
O primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, chamou os ataques de Israel de um "plano destrutivo que visa arrasar vilas e cidades libanesas".
Mikati disse que as ações de Israel marcam "uma guerra de extermínio em todos os sentidos da palavra".
O líder libanês cancelou sua viagem à Assembleia Geral da ONU em Nova York, mas pediu à organização que tome medidas para "dissuadir a agressão".
Brasileiros no Líbano
Na noite de segunda-feira, o Itamaraty publicou uma nota na qual condenou, "nos mais fortes termos, os contínuos ataques aéreos israelenses contra áreas civis" no Líbano.
"Também deplora declarações de autoridades israelenses em favor de operações militares e da ocupação de parte do território libanês", diz a nota em nome do governo brasileiro, que pede "às partes envolvidas" a interrupção dos ataques e da "preocupante escalada de tensões".
O Itamaraty assegurou que a Embaixada do Brasil em Beirute está em contato permanente com a comunidade brasileira, prestando "assistência e fornecendo as orientações devidas".
"Reitera-se a recomendação aos brasileiros para deixarem a área conflagrada", disse o governo brasileiro.
O assessor especial da Presidência do Brasil, Celso Amorim, afirmou em Nova York que o Itamaraty já trabalha para uma possível situação de retirada dos brasileiros do Líbano, dado o contexto de ataques aéreos de Israel ao país.
Pela contagem mais recente do Itamaraty, cerca de 21 mil cidadãos brasileiros vivem no território libanês.
À BBC News Brasil, o Itamaraty esclareceu que "ainda não se sabe se a operação será necessária, nem quanto custaria ou quantos brasileiros estariam interessados".
Amorim afirmou que a situação é "tremendamente revoltante e perigosa, porque ali [há] o risco de uma guerra total em um lugar em que tem muitos brasileiros".
"Aquelas coisas colocadas [pagers e walkie-talkies explosivos]... De repente pode explodir na mão de uma criança brasileira que esteja lá. Muito perigoso", complementou o ex-chanceler, em referência aos dispositivos de comunicação do Hezbollah que teriam sido explodidos remotamente em uma ação de Israel.
Celso Amorim afirmou ainda que o histórico para retirada de brasileiros da área não é favorável.
"Em 2006, eu fui até o Líbano naquela ocasião, mas deu muito trabalho de evacuar os brasileiros."
"Tenho certeza que o Itamaraty já esta planejando alguma coisa nesse sentido. Mas a experiência é dura. Foram 3 mil brasileiros, e hoje as rotas são mais difíceis porque a rota que ia pelo norte do Líbano, direto para a Turquia, hoje em dia não dá [para ser usada]", disse Amorim.
Famílias em fuga
Em Beirute, a capital do Líbano, a atmosfera é tensa, informa Nafiseh Kohnavard, correspondente de Oriente Médio do serviço persa da BBC.
"Vimos muitos carros com placas do sul do Líbano, alguns com malas amarradas no topo, enquanto o interior está completamente lotado", relata a correspondente.
"Está claro que as famílias tentaram se espremer em um carro na pressa de sair de suas casas."
A BBC conversou com uma família de cinco pessoas em uma motocicleta.
Parecendo exaustos, eles disseram que eram de uma vila no sul e tinham planos de ir para Trípoli, no norte do Líbano.
"O que você quer que digamos? Nós simplesmente tivemos que fugir", disse o pai, ansiosamente.
Jatos israelenses começaram a intensificar seus ataques no Vale do Bekaa, no nordeste do Líbano. Os militares israelenses emitiram um aviso dando aos civis da área duas horas para deixarem suas casas.
O Vale do Bekaa é considerado um reduto do Hezbollah e foi atingido por Israel nos últimos meses, mas os ataques desta vez parecem muito mais pesados.
Irã condena ataques
O Irã condenou fortemente os ataques aéreos israelenses no Líbano, com o presidente do país, Masoud Pezeshkian, acusando Israel de tentar criar um conflito maior.
Pezeshkian diz que o Ocidente pedia ao Irã que não retaliasse para não prejudicar os esforços por um cessar-fogo em Gaza.
"Tentamos não responder", disse o mandatário.
"Eles continuaram nos dizendo que estávamos perto da paz, talvez em uma semana ou mais", acrescentou. "Mas nunca alcançamos essa paz ilusória."
Enquanto isso, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã alertou Israel sobre "consequências perigosas".
Irã e Israel são inimigos desde a revolução islâmica de 1979 no Irã, que trouxe um regime que usou a oposição a Israel como parte fundamental de sua ideologia.
O Irã não reconhece o direito de Israel de existir e busca sua erradicação.
ONU pede desescalada do conflito
A Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil, na sigla em inglês) expressou "forte preocupação" com a segurança de civis no sul do Líbano.
O chefe da missão, o general espanhol Aroldo Lázaro, manteve contato com as autoridades de Libano e Israel, enfatizando a necessidade urgente de desescalada do conflito, informou o órgão.
"Qualquer nova escalada dessa situação perigosa pode ter consequências devastadoras e de longo alcance."
A Unifil, que é uma força de manutenção da paz da ONU, adverte que ataques a civis violam o direito internacional e podem ser considerados crimes de guerra.
Israel expandiu seus ataques aéreos ao Hezbollah para incluir lugares onde diz que o grupo estaria escondendo alguns de seus mísseis de longo alcance mais poderosos, incluindo casas particulares.
Dessa forma, estaria tentando desarmar o grupo, forçando-o a aceitar um cessar-fogo nos termos de Israel.
Mas o Hezbollah não parece estar desistindo. O grupo expandiu o alcance de seus alvos para incluir Haifa, o grande porto comercial de Israel no Mediterrâneo.
"Uma guerra em grande escala ainda não é inevitável - ainda há muito mais danos que ambos os lados podem causar um ao outro. Mas sem um cessar-fogo à vista, é difícil ver qualquer um dos lados recuando", avalia Frank Gardner, correspondente de segurança da BBC.
Israel acredita ter enfraquecido o Hezbollah, mas escalada traz riscos
Análise de Jeremy Bowen, editor de Internacional da BBC News, escrevendo de Jerusalém
Esta segunda-feira está se tornando o dia mais sangrento no Líbano desde que o Hezbollah atacou Israel em apoio ao Hamas em 7 de outubro do ano passado.
Israel lançou uma série massiva de ataques aéreos esta manhã que até agora mataram mais de 400 pessoas de acordo com o governo libanês, e os israelenses estão alertando sobre mais ataques por vir.
A guerra está crescendo rapidamente, um processo que está sendo impulsionado pela escala da ofensiva aérea de Israel.
As forças de defesa israelenses estão alertando os civis para deixarem as áreas que estão alvejando. O próximo, disseram, será o Vale do Bekaa no nordeste do Líbano, que é um reduto do Hezbollah.
Mesmo antes da escalada atual, bem mais de 100 mil libaneses tiveram que deixar suas casas por causa dos ataques israelenses, sem expectativa imediata de poderem retornar.
Estamos vendo mais uma escalada muito grande pelos israelenses.
Talvez o cálculo de Israel seja que eles acreditam que o Hezbollah está em uma posição tão enfraquecida agora que esta é a oportunidade de realmente infligir algum dano ao grupo e mudar o quadro estratégico nas colinas e nas cidades de ambos os lados da fronteira entre Israel e Líbano.
Enquanto o conflito Israel-Hezbollah está acontecendo há décadas, a guerra atual entre ambos começou no dia seguinte aos ataques do Hamas em 7 de outubro do ano passado.
O Hezbollah iniciou uma campanha limitada, mas contínua, de disparos de foguetes sobre a fronteira, tentando conter as tropas israelenses e danificar propriedades e pessoas.
Cerca de 60 mil israelenses foram forçados a evacuar para o centro do país. Nos últimos dias, devolvê-los às suas casas foi adicionado à lista de objetivos de guerra de Israel.
Estados Unidos, Reino Unido e outros aliados — e críticos — de Israel acreditam que a única esperança de esfriar esta crise perigosa é obter um cessar-fogo em Gaza.
Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, disse que os ataques a Israel continuarão até que um cessar-fogo em Gaza aconteça. Mas parece bem claro neste ponto que nem o líder do Hamas nem o líder de Israel estão preparados para aceitar o acordo que os EUA colocaram na mesa.
A guerra em si tem apoio esmagador dos israelenses, embora o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu continue impopular entre partes significativas do eleitorado israelense, apesar de uma melhora em suas avaliações.
Muitos israelenses também acham que Netanyahu é um líder terrível que conta mentiras e abandonou os reféns em Gaza. Então, ele é um personagem muito controverso — mas, apoiado no parlamento pelos direitistas que lhe dão respaldo, ele está politicamente seguro.
Sua decisão de partir para a ofensiva é arriscada.
Embora o Hezbollah esteja ferido, ele tem bastante capacidade para revidar. E é por isso que os amigos e inimigos de Israel ainda estão se preparando para o pior.