Após pressão da França, Itália abre portos para 125 migrantes
Deslocados internacionais serão realocados em países da UE
Após pressão da França, o governo da Itália autorizou o navio Alan Kurdi, da ONG alemã Sea Eye, a atracar na ilha da Sardenha com 125 migrantes forçados a bordo.
Segundo o Ministério do Interior italiano, 80% dos deslocados internacionais serão realocados em outros países da União Europeia, incluindo a França.
O navio socorreu 133 migrantes no último fim de semana, perto da costa da Líbia, e se dirigiu para a ilha de Lampedusa, mas não recebeu autorização da Itália para atracar. Apenas oito pessoas foram evacuadas do Alan Kurdi por motivos médicos.
Após quatro dias de negativas, o navio iniciou na última quarta-feira (23) viagem para Marselha, seu porto de partida, em uma rota que terminaria apenas no domingo (27). No entanto, o governo da França interferiu e pediu para a Itália autorizar o desembarque dos migrantes no "porto seguro mais próximo", como determinam normas internacionais de navegação.
"Nos últimos dois anos, sempre garantimos solidariedade à Itália. Estamos ao seu lado com um mecanismo de solidariedade para assumir a responsabilidade pelos desembarques", disse o Ministério do Interior francês.
Para se proteger do mau tempo, o Alan Kurdi se dirigiu ao Porto de Arbatax, na Sardenha, e depois acabou recebendo autorização para atracar na ilha italiana. Cerca de 60 dos 125 migrantes a bordo são menores de idade.
Por que a Itália?
As operações de busca e resgate no mar (SAR, na sigla em inglês) são disciplinadas por uma série de normas internacionais, como uma convenção assinada em 1979, em Hamburgo, que determina que a missão de socorro é concluída somente com o desembarque dos náufragos em um "lugar seguro".
E é justamente em torno desse último termo que gira toda a polêmica sobre quem deve se responsabilizar pelo primeiro acolhimento a migrantes. A designação do "lugar seguro" deve levar em conta tanto a proximidade geográfica em relação ao local de salvamento quanto o respeito aos direitos humanos.
Uma resolução aprovada em 2004 pela Organização Marítima Internacional (OMI), agência ligada às Nações Unidas, define "lugar seguro" como aquele onde a vida dos náufragos não está mais sob risco e no qual suas necessidades humanas básicas, como alimentação e atendimento médico, possam ser preenchidas.
Devido à distância, migrantes salvos perto da Líbia não são levados para a Alemanha (país de origem de muitas ONGs que operam na região), por exemplo, ou até mesmo para nações como França, na costa mediterrânea, mas longe para uma viagem com náufragos. Já a Líbia não entra na definição de "lugar seguro" por não existir hoje enquanto Estado unificado e por ter uma Guarda Costeira dominada por milícias.
Cada país tem uma própria área SAR definida por convenções internacionais e na qual ele fica responsável por coordenar operações de busca e resgate. A de Malta é uma ampla faixa que vai da Tunísia à Grécia e separa as zonas de socorro de Itália e Líbia, o que acaba motivando divergências.
A Itália defende que o desembarque deve ocorrer no país responsável pela área SAR onde ocorreu o socorro. Malta, que seria penalizada por essa interpretação, quer que o critério de proximidade prevaleça - a ilha italiana de Lampedusa, por exemplo, fica a apenas 100 quilômetros da Tunísia.
Em função disso, são frequentes os casos em que navios de ONGs, como o Alan Kurdi, veem a porta fechada tanto pelos italianos quanto pelos malteses.
Outro argumento de Valeta é que sua capacidade de acolhimento já está saturada. Segundo o relatório "Tendências Globais", divulgado pela agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) em junho, a ilha abriga 12,6 mil refugiados e requerentes de refúgio, o que significa 26 para cada mil habitantes.
Essa é a segunda maior taxa na União Europeia, atrás apenas da Suécia (28 para cada mil habitantes). A Itália, por sua vez, acolhe 254,6 mil refugiados e solicitantes de refúgio, quatro para cada mil habitantes, quase sete vezes menos que Malta.
O índice italiano também é a metade do registrado pela França, que abriga 510.048 refugiados e solicitantes de refúgio, oito para cada mil habitantes. A Comissão Europeia apresentou na última quarta uma proposta para aliviar o peso do primeiro acolhimento sobre os países mediterrâneos, mas o programa daria aos Estados-membros a opção de escolher ajudar com repatriações ao invés do acolhimento.