'As chamas vieram com tudo': O homem que escapou por pouco do mortal incêndio em Portugal
Gareth Roberts estava na estrada quando o fogo se intensificou, precisou se abrigar na casa de estranhos e chegou a se despedir dos seus pais: 'era para eu ter morrido'.
Um incêndio de grandes proporções causou mais de 60 mortes em uma região florestal no centro de Portugal, levando o país a declarar três dias de luto nacional.
Acredita-se que o incêndio, iniciado no sábado, tenha sido causado por um raio sobre uma árvore e propagado pelo tempo seco, já que essa região de Portugal passa por uma onda de calor. Muitas das vítimas morreram em seus carros enquanto tentavam fugir das chamas.
"Infelizmente, esta parece ser a maior tragédia do tipo que vimos nos últimos anos", disse o primeiro-ministro Antonio Costa.
Sobreviventes relatam cenas de desespero e dizem que as chamas se espalharam rapidamente.
O britânico Gareth Roberts, 36, que mora em Portugal há quatro anos, é um dos que conseguiram escapar das chamas - por muito pouco. Ele chegou a mandar um texto emocionado de adeus a seus pais. Veja seu depoimento:
"Estávamos dirigindo de volta de Cadiz, na Espanha, e estávamos a cerca de 50 minutos de casa. Sabíamos que havia um incêndio em curso e conseguíamos ver a fumaça. Parecia muito feio, mas eu não tinha ideia do quanto até chegarmos mais perto.
Dirigindo pelas montanhas, víamos as chamas do fogo passando de um lado para o outro do vale.
O vento jogava galhos sobre o nosso carro, mas não podíamos parar - dava para sentir o calor (do fogo).
Acabamos ficando presos em uma aldeia chamada Mó Grande, cercada por fogo. Nós e os moradores locais estávamos chorando, comovidos pelo calor e pela velocidade do fogo. Estava escuro, muito escuro, em meio às chamas.
Um homem gritou oferecendo abrigo em sua casa, junto a sua mãe. Muitos de nós aceitamos.
Sua mãe tinha um apartamento anexado à casa, onde estava mais fresco e fora do caminho do fogo. No período em que ficamos lá, mais pessoas chegaram.
A mãe do homem nos serviu vinho, e teria sido algo prazeroso se fossem outras as circunstâncias.
Ao chegar à aldeia, eu havia mandado uma mensagem aos meus pais dizendo 'o fogo está em todo o lugar, este é o fim'. Na casa (onde estava abrigado), não havia rede de celular, então me dei conta: 'A última coisa que disse a meus pais foi que estava morrendo'.
Ficamos sem energia e as chamas vieram com tudo, como um tornado feroz e vermelho passando pelas janelas. Nos encolhemos no chão por uma hora, tentando respirar, rezando, chorando.
Não sou um homem religioso, mas não tenho vergonha de dizer: estava rezando, todos estávamos. Não havia nada mais a fazer.
Disse a mim mesmo: 'não posso morrer assim'. Comecei a chorar, fiquei emocionado. Não consegui fazer nada por 20 minutos.
Até que o fogo passou e saímos para ver os destroços da aldeia, que ainda ardiam em chamas. Milagrosamente, nossa casa e a casa ao lado não pegaram fogo.
A devastação era indescritível. As pessoas (estavam) desnorteadas, restos de casas queimavam incontrolavelmente.
Eu não conseguia acreditar no que via. Depois que o fogo passou, deveria estar claro, mas estava escuro. Havia uma película estranha sobre nossos olhos.
Dava para ouvir botijões de gás explodindo, com flashes azuis. O silêncio era estranho. A sensação era estranha. Depois se transformou em alívio, e choramos.
Até então, não havíamos recebido qualquer ajuda das autoridades. Toda a ajuda veio dos locais, sem telefones e sem internet, só do jeito que se costuma fazer.
Se essas pessoas não tivessem sido generosas, eu não estaria aqui hoje. Agradeci a eles por terem salvado a minha vida. Mas um mero 'obrigado' não é nem de longe o suficiente.
Eu poderia ter morrido. Deveria ter morrido. Um ato aleatório de bondade salvou a minha vida, e agora só o que posso fazer é rezar por Portugal."