As diferenças entre Brasil e Suécia nos benefícios e transparência dos chefes de governo
Os dois países estão definindo quem os comandará no futuro próximo, e há um grande contraste nas as regalias à disposição dos seus mandatários e a abertura que dão aos cidadãos para supervisionar gastos e atos do poder.
Suécia e Brasil atravessam neste momento processos que definirão quem comandará os dois países no futuro próximo.
Os brasileiros irão às urnas no domingo (2/10) para eleger seu presidente. Jair Bolsonaro (PL) tenta a reeleição, mas, até o momento, está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas.
Enquanto isso, os suecos aguardam a escolha do novo primeiro-ministro, após uma coalizão de direita vencer as eleições de setembro. Magdalena Andersson, primeira mulher a chefiar um governo no país, foi derrotada, mas permanecerá na liderança até que a oposição, vitoriosa das urnas, forme um novo governo.
Mas há um grande contraste entre a Suécia e o Brasil quando se examinam as regalias à disposição dos seus mandatários e o grau de transparência que oferecem a seus cidadãos para supervisionar seus gastos e atos do poder.
A residência oficial sueca: nem a limpeza é gratuita
Na década de 1970, o então primeiro-ministro Olof Palme morava em sua própria casa no subúrbio de Vällinby, na capital Estocolmo, e costumava dirigir para a sede do governo em um velho Fiat vermelho. O antecessor de Palme, Tage Erlander, tomava o bonde ou ia de carona com a mulher, que trabalhava perto dali.
Os suecos só decidiram criar uma residência oficial para o primeiro-ministro depois de 1986, quando Palme foi assassinado a tiros na saída do cinema enquanto caminhava para casa sem escolta, em um crime brutal e nunca solucionado.
Seu sucessor, o também social-democrata Ingvar Carlsson, mudou-se aparentemente contrariado para a nova residência oficial. Diz-se que Carlsson achava inapropriado para um premiê morar em um lugar chamado de palácio - ao adquirir a casa em 1884, a abastada família Sager a batizara de Palácio Sagerska.
Turistas menos atentos pisam, sem se dar conta, a um metro da porta de entrada da casa da primeira-ministra sueca em exercício. Sem portões externos, a residência oficial de Sagerska está situada na Strömgatan, a rua de pedestres que margeia o Mar Báltico e o lago Mälaren nas proximidades do Parlamento.
Construída em 1880, Sagerska tem 1.195 m² e quatro andares. Os aposentos privados da premiê ocupam uma área de 273 m², situada nos dois últimos pavimentos. No terceiro andar, estão a sala de estar, cozinha, um quarto e um escritório. No pavimento superior, há outros dois quartos e acesso a uma varanda.
Segundo o conselho que administra as propriedades estatais, o térreo de Sagerska abriga a recepção da residência, cozinha - apenas para recepções oficiais - e o setor de administração. No primeiro e no segundo andar, estão os espaços para hóspedes e salão para recepções oficiais.
Sagerska é uma bela mansão, mas não há serviçais no apartamento da primeira-ministra em exercício. "Não há nenhum empregado contratado para trabalhar nos aposentos privados de um mandatário sueco na residência oficial", enfatiza Sofia Sjöman Waas, assessora do setor de administração do governo.
Nem mesmo a limpeza dos aposentos privados é gratuita. "Serviços de limpeza são fornecidos por períodos que variam entre quatro e oito horas por mês. Por este benefício, a mandatária paga 470 coroas por hora (cerca de R$ 230)", diz a assessora.
E, na Suécia, viver na residência oficial não é necessariamente grátis. Se um primeiro-ministro não mantiver outro imóvel (próprio ou alugado) em seu nome, ele é obrigado a pagar impostos por morar em Sagerska.
Em entrevista à revista Femina após assumir o posto de premier, em novembro de 2021, Magdalena Andersson contou que sempre dividiu com o marido as tarefas de cozinhar, lavar e fazer a faxina. O casal tem dois filhos, de 20 e 22 anos de idade.
"Desde que me tornei ministra das Finanças (em 2014), meu marido passou a ajudar ainda mais nas tarefas domésticas. E também cozinha muito bem", disse a premiê.
"Evidentemente, a primeira-ministra em exercício Magdalena Andersson paga por sua comida com o seu próprio salário. Como qualquer cidadão", diz Jenny Ryderstedt, assessora de imprensa do governo da Suécia, à BBC News Brasil.
Já ao longo da história política do Brasil, são tradicionalmente altos os gastos com compras de alimentos para a residência oficial do presidente da República. E as diferenças entre as realidades dos mandatários de Brasil e Suécia não se limitam à cozinha.
O marido de Magdalena Andersson é professor do prestigiado Instituto de Economia de Estocolmo, a mesma instituição em que ela se graduou como mestre em Economia. A primeira-ministra em exercício, de 55 anos, tem ainda especializações na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e no Instituto de Estudos Avançados de Viena, na Áustria.
"Gosto de tudo o que o meu marido cozinha, especialmente quando ele faz peixe com molho de vinho branco", disse Andersson em artigo publicado no jornal Expressen.
Palácio do Alvorada: dezenas de funcionários
Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o Palácio da Alvorada foi o primeiro prédio em alvenaria a ser inaugurado na capital federal, em junho de 1958. A construção de 7,3 mil metros quadrados, às margens do lago Paranoá, tem três andares.
No térreo, estão os salões governamentais usados pela Presidência para recepções, além de biblioteca e sala de música. A parte residencial do palácio, com quatro suítes e salas íntimas, fica no primeiro andar. O subsolo abriga um auditório para 30 pessoas, sala de jogos, almoxarifado, despensa, cozinha, lavanderia e a administração do palácio.
Situado em um terreno de 36 mil metros quadrados, o Alvorada também tem cinema, capela e heliponto, além de piscina com churrasqueira e bar. O Alvorada tem um quadro de dezenas de funcionários. Isso não inclui a limpeza, que é feita por uma empresa contratada.
Vivem no palácio, além de Bolsonaro, a primeira-dama Michelle e a filha do casal, Laura.
Segundo documento obtido pela revista Veja, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) calcularam que, desde a posse do governo até março de 2021, foram gastos R$ 2,6 milhões apenas na compra de alimentos para as residências oficiais do presidente e do vice, Hamilton Mourão (Republicanos-RS) - uma média de mais de R$ 96,3 mil por mês.
Os elevados gastos com alimentação para as residências oficiais não são uma exclusividade do atual governo: segundo a mesma reportagem, nos dois últimos anos de mandato do ex-presidente Michel Temer (MDB), por exemplo, o valor foi de R$ 2,33 milhões, média de R$ 97 mil.
As casas de campo
Além da residência de Sagerska, o premiê sueco tem à sua disposição a casa de campo de Harpsund, que foi doada ao Estado em 1952 pelo empresário Carl August Wicander. Situada a 120 km de Estocolmo, a residência tem uma área total de 1.654 hectares - dos quais 1.051 hectares são mantidos como florestas produtivas.
A casa de campo é usada frequentemente para receber chefes de Estado estrangeiros e abrigar conferências.
No Brasil, o presidente da República tem à sua disposição a Granja do Torto, casa de campo localizada nos arredores do Plano Piloto. São 37 hectares que incluem lago e córrego artificiais, piscina, campo de futebol, churrasqueira, quadra poliesportiva, heliponto e mata nativa.
Comida de graça para premiê na Suécia: 'Absolutamente, não'
A assessora Jenny Ryderstedt explica que nenhum primeiro-ministro sueco pode pagar despesas de caráter pessoal com dinheiro público. "E nem pedir reembolso por valores relacionados a seu custo de vida, como por exemplo alimentação, escola dos filhos ou dentista", enfatiza.
Usar o cartão corporativo do governo para pagar almoços ou jantares de caráter privado em restaurantes ou na residência oficial também não é permitido — assim como na maioria dos países ou empresas.
"Não, absolutamente não. Não só a primeira-ministra, como nenhum membro do governo têm direito a comer de graça com o dinheiro dos contribuintes. E os jornalistas checam a lista de despesas das autoridades o tempo todo", pontua a assessora.
Essencialmente, os únicos gastos autorizados são aqueles relacionados a eventos de representação oficiais - como recepções para autoridades estrangeiras - ou internos, como por exemplo a realização de seminários.
No Brasil, o presidente ou outras autoridades também não têm permissão para bancar gastos pessoais com cartões corporativos ou qualquer outro meio que implique gasto de dinheiro público. Uma diferença essencial, no entanto, está na clareza das diretrizes e na transparência.
Na Suécia, "o custo de uma refeição, em eventos de representação, não deve ser mais alto do que o preço médio pago por um almoço ou jantar normal. Bebidas alcoólicas devem ser servidas com moderação, no máximo um ou dois copos de vinho ou cerveja por pessoa. Bebidas de alto teor alcoólico não devem ser servidas em eventos de representação internos", diz o texto das diretrizes.
"Em determinadas circunstâncias, como por exemplo em eventos relacionados a visitas oficiais de autoridades estrangeiras, o valor das despesas pode ser mais elevado", acrescenta o texto. Todas as despesas oficiais podem ser verificadas por qualquer cidadão, em cumprimento à ampla lei de transparência sueca.
Transparência sueca: sigilo é exceção
Em 1766, a Suécia criou a primeira lei da transparência do mundo, conhecida como o "Princípio do Acesso Público". Assim, é possível rastrear os gastos do primeiro-ministro e de ministros, deputados, vereadores, juízes ou qualquer outra autoridade e checar os dados resumidos do imposto de renda daqueles no poder.
A base fundamental da lei sueca, segundo a Constituição, é que a abertura é a regra, e o segredo, a exceção. A maioria dos documentos oficiais deve ser acessível ao público.
As exceções estão discriminadas na chamada Lei do Sigilo, que permite classificar como secretos os documentos relacionados a questões como assuntos de segurança nacional, relações internacionais ou, por exemplo, certas comunicações entre o premiê e chefes de Estado estrangeiros. Um documento pode ser mantido em segredo por 2 a 70 anos.
Qualquer recusa de uma autoridade em fornecer acesso a um documento oficial pode ser contestada nos tribunais - incluindo documentos arquivados como secretos. As regras da transparência obrigam ainda ministros e deputados suecos a divulgar seus eventuais investimentos privados em empresas dos mercados de ações, a fim de evitar conflitos de interesse.
Também é possível rastrear documentos como atos e propostas governamentais, a aplicação de recursos públicos, os custos do governo, relatórios ministeriais, balanços e demonstrativos contábeis e as diretrizes para o orçamento da União.
Sigilo no Brasil: 'Em 100 anos, saberá'
No Brasil, o governo tem imposto sigilo de forma recorrente a informações oficiais.
O Estado de S. Paulo mostrou que, de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, 25% dos pedidos de informação foram rejeitados pelo governo Bolsonaro com a justificativa de sigilo da informação. É duas vezes o registrado na gestão de Dilma e quatro pontos porcentuais maior do que no governo Temer, segundo a reportagem.
Em diversos episódios de destaque, o governo impôs sigilo de um século, como no processo que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) por supostas rachadinhas e no processo que apurou a ida do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato no Rio de Janeiro com o presidente e apoiadores do governo.
Também foi o caso do cartão de vacinação de Bolsonaro e das informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Perguntado recentemente em uma rede social por que impõe sigilo de cem anos em "todos os assuntos espinhosos/polêmicos do seu mandato" e se"existe algo para esconder", Bolsonaro respondeu: "Em 100 anos, saberá".
A alta nas despesas dos cartões corporativos da Presidência, por exemplo, é investigada pelo TCU. Procurado pela BBC News Brasil, o Palácio do Planalto não respondeu até a publicação desta reportagem.
Outro alvo de intensas críticas no Brasil é a falta de transparência do chamado orçamento secreto, termo pelo qual ficaram conhecidas as emendas de relator para o uso de bilhões de recursos públicos sem especificação detalhada de nomes, planejamento e destinação das verbas.
Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter determinado que o Congresso dê total transparência às emendas de relator, especialistas consideram que a ferramenta criada pela Comissão Mista de Orçamento ainda é insuficiente e que facilita casos de corrupção.
Implementado em 2020, o orçamento secreto já sofreu diversas denúncias de indícios de corrupção em gastos para aquisição de tratores, construção de escolas e exames médicos.
Salários
Assim como no caso dos parlamentares, que na Suécia não têm o privilégio de aumentar os próprios salários, os valores pagos a ministros e ao primeiro-ministro são decididos por um comitê independente de três membros: um presidente, que via de regra é um juiz aposentado e dois representantes públicos, em geral ex-servidores públicos ou jornalistas.
Os nomes dos três integrantes do comitê são propostos pela Comissão de Constituição do Parlamento e submetidos a votação na Casa. O comitê se reúne uma vez por ano, em setembro, após o recesso parlamentar de verão. Mas aumentos salariais não são concedidos todos os anos.
Para avaliar se haverá ou não aumento, o comitê analisa as circunstâncias econômicas, incluindo índices de inflação e de variação salarial nos setores público como no privado. A decisão do comitê não pode ser contestada e não precisa ser submetida a votação no Parlamento.
Em janeiro, entrou em vigor um aumento de 3 mil coroas suecas (R$ 1,4 mil) nos rendimentos dos integrantes do governo. O salário da primeira-ministra passou a ser de 184 mil coroas suecas (R$ 87 mil reais), e o dos ministros ficou em 145 mil coroas (R$ 69 mil).
Além de o custo de vida ser alto na Suécia, o país também tem uma tabela progressiva de impostos e quem ganha mais paga mais impostos. Com isso, o salário da primeira-ministra em exercício é na prática de 100.665 coroas suecas (R$ 48,6 mil).
No contexto europeu, o valor pago a Magdalena Andersson - que corresponde a cerca de 90 mil euros (R$ 465 mil) por ano - é baixo comparativamente: na Alemanha, por exemplo, o chanceler Olaf Scholz recebe 350 mil euros (R$ 1,8 milhão) por ano, segundo a revista Forbes.
Na Dinamarca, a premiê Mette Frederiksen ganha 225 mil euros (R$ 1,1 milhão) anuais, de acordo com o governo. Na França, o presidente Emmanuel Macron ganha 196 mil euros (R$ 1 milhão) por ano e, na Suíça, o valor chega a mais de 400 mil euros (R$ 2 milhões).
No Brasil, o salário do presidente da República é de R$ 30.934,70 por mês. Segundo o Portal da Transparência, Bolsonaro também recebe R$ 11.324,96 de aposentadoria do Exército como capitão reformado.
Foro privilegiado e benefícios vitalícios
Outro privilégio concedido ao presidente e aos parlamentares do Brasil é o foro privilegiado, que garante que os políticos sejam julgados por tribunais superiores - diferentemente de um cidadão normal, que é julgado pela Justiça comum. Na Suécia, nenhum político tem direito a foro especial por prerrogativa de função.
Quando deixar o cargo, Magdalena Andersson não terá direito a nenhum tipo de benefício vitalício pago com dinheiro público. No Brasil, presidentes da República contam com benefícios perenes, que custam milhões aos cofres públicos todos os anos.
Todos os ex-presidentes desde a redemocratização têm direito a dois carros oficiais e oito servidores de sua livre escolha, sendo quatro deles para serviços de segurança e apoio pessoal, dois para assessoria e dois motoristas. A União paga os salários dos servidores comissionados, assim como gastos com combustível e passagens e diárias em casos de viagens.
Segundo o Portal de Dados Abertos da Presidência da República, em 2021 os custos de tais benefícios atingiram R$ 5,8 milhões. Um projeto de lei que tramita no Congresso desde 2020 busca reduzir o número de servidores comissionados e o valor de seus salários.
No Brasil, presidentes não recebem pensão ao cumprirem seus mandatos. Por outro lado, na Suécia, ao final do mandato, um primeiro-ministro tem direito a receber remuneração integral durante um período máximo de um ano - é o que se chama na Suécia de "garantia de renda", paga até o beneficiário conseguir outro emprego.
Mas, se um primeiro-ministro ocupar o cargo por mais de seis anos e tiver 50 anos ou mais ao deixar o posto, ele pode receber uma uma espécie de pensão parcial, de aproximadamente 45% do salário até atingir 65 anos. A partir desta idade, ele passa a ter direito apenas à aposentadoria pública por tempo de serviço.
Mas a pensão é cancelada automaticamente se um ex-primeiro-ministro volta a ocupar um cargo político. E, se passar a trabalhar em outro emprego, o valor da pensão é reduzido, dependendo do valor do novo salário - e pode inclusive ser cancelada.
Aviões oficiais: sem caronas na Suécia, convidados a bordo no Brasil
No governo sueco, ministros costumam voar em aviões comerciais - e, de acordo com as normas governamentais, as viagens devem ser marcadas com o preço mais baixo disponível.
Três aviões da Força Aérea sueca são disponibilizados para viagens oficiais da primeira-ministra, da ministra das Relações Exteriores e da família real. Ocasionalmente, em caso de disponibilidade, ministros de outras pastas também podem usá-los.
Em qualquer caso, é expressamente proibido o uso dos aviões para qualquer evento não oficial e levar amigos ou familiares de autoridades a bordo.
As regras são diferentes no Brasil. O governo Bolsonaro alterou em 2020 as normas para uso dos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) por autoridades. As regras anteriores haviam sido decretadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 2002.
O novo decreto estabeleceu que o vice-presidente, os presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do STF, os ministros de Estado e os comandantes e o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas poderão solicitar as aeronaves para viagens a serviço, motivo de segurança e emergência médica. O texto ressalta ainda que as regras não implicam em restrição por autoridades de voos comerciais.
Entre as principais mudanças, está a necessidade de apresentar justificativas documentadas para a solicitação e a vedação de que as aeronaves sejam solicitadas por interinos e substitutos dos ocupantes destes cargos.
O texto atual também suprimiu da versão anterior a menção que as autoridades poderiam solicitar os aviões para retornar para seus locais de residência. O decreto determina ainda que a comitiva que acompanha a autoridade na viagem deve ter "estrita ligação com a agenda a ser cumprida, exceto nos casos de emergência médica ou de segurança".
Porém, críticos da medida apontaram que o novo decreto deixa brecha para os mesmos usos de antes ao instituir, por exemplo, como justificativa possível algum motivo de segurança e determinar que as autoridades podem preencher as vagas remascentes nos voos, quando houver, segundo critérios estabelecidos pelos próprios solicitantes.
Por isso, mesmo com as novas regras, houve casos em que o uso das aeronaves por autoridades foi questionado. Uma reportagem da Folha de S. Paulo apontou em 2021, por exemplo, que ministros de Bolsonaro levaram familiares e outros convidados em voos oficiais.
Um dos casos identificados pelo jornal, por exemplo, foi o do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), que viajou em agosto daquele com seu advogado. O ministro justificou-se na época dizendo que foi o momento encontrado em sua agenda para uma reunião de trabalho.
Segundo a reportagem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, levou sua esposa e filhos, além de parentes de outras autoridades, em pelo menos 20 voos oficiais com aeronaves da FAB. A pasta disse alegou que o ministro tinha liberdade para preencher as vagas ociosas.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, viajou com uma em duas ocasiões em 2021 e afirmou que fez isso em uma das vezes para comparecer a um evento organizado por ela e na outra por "questões de saúde da família".
Um dos casos de maior repercussão a esse respeito ocorreu também em 2021, quando a então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves (Republicanos-DF), deu carona para Michelle Bolsonaro e outros sete parentes da primeira-dama em um avião da FAB de Brasília para São Paulo.
O voo foi solicitado pela ministra com a justificativa de ir a um evento do Pátria Voluntária, programa coordenado por Michelle. Conforme revelou o jornal O Globo, naquela noite, ela e Damares Alves participaram da festa de aniversário de Agustin Fernandez, influenciador digital amigo de ambas. Na volta para Brasília, o aniversariante pegou carona no avião.
Na época, o ministério chegou a afirmar que todas as pessoas transportadas seriam voluntários do programa. No entanto, ao Globo, a Casa Civil apontou que apenas uma delas, uma servidora, seria de fato voluntária.
O decreto não se aplica ao presidente da República, que tem aeronaves próprias à sua disposição. Bolsonaro foi criticado, por exemplo, por ter usado um helicóptero da Presidência para transportar convidados para o casamento de seu filho Eduardo Bolsonaro em 2019.
Questionado sobre o assunto, o presidente disse: "Eu fui a casamento do meu filho. A minha família ia comigo. Eu vou negar o helicóptero a ir para lá e mandar ir de carro? Não gastei nada do que já ia gastar".
Em viagem recente ao Reino Unido para o funeral da rainha Elizabeth 2ª, a comitiva de Bolsonaro incluiu, além da primeira-dama Michele, pessoas que não fazem parte do governo, como o pastor Silas Malafaia, o padre Paulo Antônio de Araújo, Fabio Wajngarten (ex-secretário de comunicação e membro da campanha à reeleição) e Eduardo Bolsonaro.
O Planalto foi procurado pela BBC News Brasil para comentar sobre o assunto, mas não respondeu.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63042404