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As policiais de elite que criam laços de vida com vítimas de tráfico sexual que salvaram

Profissionais de uma unidade de elite de detetives da polícia espanhola resgataram Vitória de uma rede de tráfico de mulheres - a investigação já está encerrada, mas o relacionamento delas permanece.

5 jan 2025 - 14h55
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Lidia (esq.) e Cristina oferecem atenção holística para as vítimas de tráfico sexual resgatadas pela polícia espanhola
Lidia (esq.) e Cristina oferecem atenção holística para as vítimas de tráfico sexual resgatadas pela polícia espanhola
Foto: BBC News Brasil

Vários anos se passaram desde que Cristina e sua equipe - uma unidade de elite de detetives da polícia espanhola - resgataram Vitória (nome fictício) de uma rede de tráfico de mulheres.

Quando foi encontrada, Vitória estava com a vida por um fio. Ela havia passado três anos sofrendo abusos físicos e emocionais em níveis extremos.

Ela conta que mal se sentia humana e a esperança de ver novamente seus filhos foi o que a ajudou a sobreviver.

A investigação policial, agora, está encerrada. Mas seu relacionamento com Cristina e o restante da equipe permanece.

Os policiais continuaram a fazer parte importante da vida de Vitória - tanto em eventos marcantes, como sua reunião com os filhos após anos de separação, quanto em ocasiões menores, mas não menos significativas, como o bolo surpresa no seu aniversário.

Em uma tarde de outono, Vitória fica emotiva assim que vê Cristina e seus colegas chegarem com o presente no parque da vizinhança. Ela sorri, feliz por comemorar mais um ano de vida com eles.

Lidia e Cristina, acompanhadas de seu chefe, Félix Durán, levam um bolo de surpresa para Vitória, comemorando seu aniversário
Lidia e Cristina, acompanhadas de seu chefe, Félix Durán, levam um bolo de surpresa para Vitória, comemorando seu aniversário
Foto: BBC News Brasil

Vitória, agora na casa dos 40 anos, conta que seu passado foi "difícil". Sua infância na Colômbia, seu país natal, foi brutal.

Seu pai desapareceu no caminho para o trabalho em uma manhã de 1986, sem deixar rastros. Sua mãe se casou novamente, com um homem que, segundo Vitória, estuprava sua irmã mais nova.

Como filha mais velha, ela estava ansiosa para conseguir um emprego e resgatar seus irmãos das dificuldades. Foi quando uma amiga a apresentou a uma mulher que ofereceu um emprego de faxineira na Espanha. Vitória acreditou que, finalmente, ela estava com sorte.

Mas o que a aguardava na Europa era outro tipo de infortúnio. Ela foi forçada imediatamente a se prostituir.

"Eu trabalhava 24 horas por dia", ela conta. "Precisava dormir maquiada e sempre [apenas] com a roupa de baixo, pronta para qualquer cliente que chegasse."

A BBC não pode fornecer detalhes do resgate de Vitória. Precisamos ocultar sua identidade, como parte das medidas de proteção às testemunhas.

Mas ela conta que nunca irá esquecer aquela manhã de domingo, quando viu as policiais pela primeira vez e correu em direção a elas.

"Olhei para elas, as abracei e comecei a chorar", relembra ela. "Elas se ofereceram para me levar para um local seguro, onde eu pudesse ser livre sem medo."

Vitória conta que estava tão traumatizada pela vigilância contínua da gangue que pedia permissão até para dormir.

Desde então, em parceria com outras organizações, Cristina e sua equipe ajudaram Vitória a conseguir apoio psicológico e informações sobre como encontrar um emprego e continuar com seus estudos.

O mais importante é que elas também trabalharam por meses para garantir a segurança dos seus filhos. A gangue que atraiu Vitória para a Espanha ameaçou machucá-los na Colômbia, se ela se atrevesse a fugir ou avisar as autoridades.

Eles eram muito organizados e era improvável que estivessem blefando.

Os traficantes enviaram mensagens de texto diretamente para as crianças no passado, e sabiam onde elas moravam e qual escola frequentavam.

Restaurando a esperança

Vitória (de costas para a câmera) construiu uma nova vida com o apoio da unidade especializada da Guarda Civil Espanhola
Vitória (de costas para a câmera) construiu uma nova vida com o apoio da unidade especializada da Guarda Civil Espanhola
Foto: BBC News Brasil

Cristina e outros detetives trabalham na Unidade Central Operativa, uma divisão especializada da Guarda Civil espanhola que investiga as formas mais sérias de crime organizado.

Eles passaram meses trabalhando em conjunto com organizações femininas e advogados de direitos humanos para legalizar a situação de Vitória na Espanha e poder trazer sua família da Colômbia.

A técnica da equipe é se concentrar na vítima. As mulheres recebem apoio a longo prazo para ajudá-las a se estabelecerem em um ambiente seguro e estável depois do resgate.

Elas contam que, às vezes, ouvem brincadeiras de outras unidades porque se parecem mais com uma instituição de caridade do que com uma equipe de investigadores criminais de elite.

Cristina defende apaixonadamente seu trabalho.

"Acreditamos em um processo social e humanitário, que possa restaurar a esperança na vida das vítimas, para que elas possam realmente se recuperar e viver apaixonadamente outra vez", afirma ela.

As mulheres compõem menos de 10% dos oficiais da Guarda Civil Espanhola. Mas elas compõem 60% da equipe de Cristina. O chefe da unidade, Félix Durán, explica que o recrutamento das mulheres é "prioridade".

Ele acredita que vítimas do tráfico sexual se sentem mais confortáveis fornecendo detalhes para uma mulher policial, principalmente as meninas adolescentes.

Cerca de 50 mil vítimas de tráfico são encontradas anualmente em todo o mundo, segundo estimativas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês).

O último relatório global da instituição sobre o tráfico de pessoas, publicado no início de dezembro, afirma que houve um aumento de 25% na detecção das vítimas, em comparação com o período pré-pandemia, com "mais crianças sendo exploradas e um pico dos casos de trabalho forçado".

O relatório concluiu que as mulheres e crianças continuam a representar a maior parte das vítimas encontradas em todo o mundo. O tráfico se destina principalmente à exploração sexual.

Além da prática de exploração, a Espanha é um centro de trânsito para milhares de vítimas traficadas para a Europa.

Vitória e as outras vítimas foram confinadas em um apartamento, rodeado por outras residências. Ela tinha a sensação de estar sendo abusada à vista de todos.

Ela acredita que seus gritos de socorro, as surras e o fluxo constante de homens entrando e saindo do imóvel teriam escancarado o que estava acontecendo.

"Os vizinhos, o carteiro, todos sabiam", relembra ela. "Eles poderiam ter me matado e ninguém teria perguntado nada."

Depois dos lockdowns da pandemia, o tráfico humano para exploração sexual mergulhou ainda mais na clandestinidade, segundo a Guarda Civil Espanhola.

A instituição aponta que muitas mulheres ainda são exploradas em locais públicos, como bares ou nas ruas. Mas a maior parte das vítimas documentadas, agora, ficam confinadas em apartamentos particulares oferecidos pelos traficantes, o que dificulta sua localização pelas forças policiais.

O chefe da Seção de Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes do UNODC, Ilias Chatzis, afirma que o alto envolvimento de grupos do crime organizado significa que o tráfico de pessoas está cada vez mais interligado a outras atividades ilegais, como o tráfico de drogas e os crimes cibernéticos.

"Muitas vítimas permanecem sem serem encontradas porque, às vezes, as autoridades processam o traficante por crimes menores, mas não pelo tráfico", declarou ele à BBC. "Por isso, a vítima não é reconhecida como vítima de tráfico humano."

Vitória está agradecida por sua experiência ter sido reconhecida pela polícia. Ela quer usar seu caso para aumentar a visibilidade das vítimas que ainda esperam ser resgatadas.

"Eles me deram outra chance não só de viver, mas de me curar e abraçar novamente meus filhos."

Ela pediu à BBC para ser chamada de Vitória, devido ao significado do nome.

"Saio na rua, respiro e digo, 'meu Deus, obrigada, estou viva'", ela conta. "Eu me sinto livre e esta é a melhor sensação."

Cristina diz que admira a resiliência de Vitória.

"Ela é um exemplo de como você pode sobreviver e superar essa provação", diz. "Sempre penso: 'meu Deus, você tem tanto poder interno, tanta coragem dentro de você'."

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