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As possíveis explicações para o aceno de Kim Jong-un a um diálogo entre Coreia do Norte e EUA

Analistas veem com desconfiança a repentina mudança nos norte-coreanos, mas acreditam que postura da China, iniciativas da Coreia do Sul e pressão dos EUA ajudam a entender disposição para negociar.

7 mar 2018 - 10h50
(atualizado às 11h17)
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Especialistas apontam diferentes razões para a disposição dos norte-coreanos em negociar uma possível desnuclearização da península
Especialistas apontam diferentes razões para a disposição dos norte-coreanos em negociar uma possível desnuclearização da península
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Para Donald Trump não há dúvidas: se algo começou a mudar na Coreia do Norte nos últimos meses é por causa da pressão contra Pyongyang capitaneada pelo governo americano.

Pouco depois da Coreia do Sul anunciar que o vizinho do Norte está disposto a dialogar sobre a possibilidade de desnuclearizar a península - desde que a estabilidade do regime norte-coreano seja garantida -, o presidente dos EUA reivindicou essa vitória.

"Eu", respondeu Trump na terça, em entrevista coletiva, ao ser perguntado sobre as razões por trás do tom conciliatório de Pyongyang.

"As sanções têm sido muito, muito fortes. Têm tido muito impacto", emendou, destacando a "grande ajuda" da China para conter o vizinho. O presidente americano disse ainda acreditar na sinceridade da Coreia do Norte.

Apesar da certeza de Trump de que é o único responsável pela mudança de postura dos norte-coreanos, especialistas ouvidos pela BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, veem diferentes razões para explicar a repentina disposição de Kim Jong-un a negociar.

Alguns analistas até citam a "variável Trump", dada à intensa pressão que o governo dos EUA tem imposto contra o país asiático, mas listam outros possíveis fatores que podem ter motivado a nova postura de Pyongyang como, por exemplo, a disposição da China em respeitar as duras sanções e o papel desempenhado pela Coreia do Sul a partir do ano passado.

Não descartam, ainda, que seja apenas uma estratégia dos norte-coreanos para conseguir um "respiro econômico" ou até mesmo uma tentativa de desestabilizar as relações da Coreia do Sul com os EUA.

 

Pressão real

As múltiplas sanções são vistas como um dos fatores que podem ter forçado Pyongyang a aceitar um diálogo, na avaliação de especialistas.

Em 2017, o Conselho de Segurança da ONU impôs três séries de sanções à Coreia do Norte. A última, em dezembro, foi anunciada como a "mais dura" até o momento, com restrição de praticamente 90% do fornecimento de petróleo e combustível ao país.

A China, principal parceiro econômico da Coreia do Norte, comprometeu-se a respeitar 100% das sanções. Enquanto isso, os Estados Unidos continuaram a pressionar o país com outras medidas unilaterais.

Ainda assim, é difícil comprovar as consequências dessas ações na economia norte-coreana, pois se desconhece qual foi o crescimento econômico do país no ano passado.

Mas uma análise do Conselho de Relações Exteriores, centro de estudos dos EUA, indica que o impacto das sanções foi "misto". A entidade pondera, no entanto, que as duras sanções de dezembro podem ter um "impacto potencialmente maior" para este ano.

 

"As sanções estão exercendo uma pressão real sobre o regime", disse à BBC Mundo Abraham Denmark, que trabalhou no ano passado para o Pentágono analisando assuntos da Ásia e agora é diretor de um programa de estudos para a região do Wilson Center, em Washington.

No entanto, o analista ressalta o progresso do regime em relação ao programa nuclear e de lançamento de mísseis alcançado no ano passado. Em 2017, a Coreia do Norte realizou uma série de testes com mísseis, aumentando a tensão na região e também fazendo crescer o receio de que Kim Jong-un poderia promover um ataque a qualquer momento.

Mesmo com acesso restrito a combustível, os ensaios nucleares em série e lançamentos de mísseis balísticos intercontinentais supostamente capazes de alcançar os EUA são exemplos sólidos do êxito norte-coreano diante de tantas sanções, avalia Denmark.

Também são indicativos de que dominam a tecnologia. "Eles conseguiram a capacidade técnica que queriam", observa Michael Madden, especialista em Coreia do Norte e diretor do site NK Leadership Watch, especializado em monitorar o país oriental.

Os avanços técnicos abriram uma janela de oportunidades para Pyongyang, na avaliação de Madden. Isso porque, segundo o analista, permitiriam que o regime negocie em pé de igualdade com outras nações, confiante de que suas armas são elementos dissuasores, em especial para Washington.

Novos ares do Sul

Outro fator importante está bem ao lado dos norte-coreanos. O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, que assumiu o cargo depois de um escândalo de corrupção envolvendo a antecessora, é considerado uma peça-chave no novo cenário político, segundo analistas ouvidos pela BBC Mundo.

Na campanha, Moon defendeu uma reaproximação com o Norte e, apesar de enfrentar críticas dentro do próprio país, está cumprindo o que prometeu.

 

O primeiro passo para quebrar o gelo entre os dois países foi dado durante a Olimpíada de Inverno na Coreia do Sul. O envio de uma delegação norte-coreana para competir nos Jogos foi um forte gesto de aproximação. E as delegações das duas Coreias marcharam juntas na abertura, carregando uma bandeira com o mapa dos dois países unidos.

Isso permitiu a realização de um encontro histórico neste mês: pela primeira vez desde que assumiu o poder, em 2011, Kim Jong-un recebeu representantes da vizinha Coreia do Sul em Pyongyang.

"Ele (o presidente sul-coreano) alcançou o que prometeu, mas se isso conduzirá à desnuclearização permanente (da península) ainda é uma dúvida", disse Lisa Collins, especialistas em assuntos coreanos do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).

A especialista admite ter uma visão pessimista sobre os motivos reais da Coreia do Norte. Ela não descarta que a oferta de Pyongyang seja apenas uma estratégia para conseguir um "respiro econômico" e tentar minar a aliança entre os EUA e a Coreia do Sul.

Cirurgia completa

Na terça-feira, o emissário sul-coreano declarou, após a reunião com o líder norte-coreano em Pyongyang, que a Coreia do Norte se mostrou disposta a estabelecer um diálogo direto com os EUA e prometeu suspender os testes nucleares e de mísseis enquanto essas conversas estiverem em andamento.

Chung Eui-yong, conselheiro para segurança de Moon Jae-in, afirmou que a Coreia do Norte também expressou sua disposição para a desnuclearização caso a segurança do país esteja garantida.

Segundo a agência de notícias oficial norte-coreana KCNA, Kim Jong-un disse durante a reunião que é sua "firme vontade avançar vigorosamente" e "escrever uma nova história da reunificação nacional".

Os dois países concordaram ainda em organizar uma reunião de cúpula no próximo mês na cidade fronteiriça de Panmunjom.

Essa será a terceira reunião de cúpula entre os dirigentes dos dois países desde o fim da Guerra da Coreia (1950-1953). As anteriores aconteceram em 2000 e em 2007.

 

Mas analistas ainda esperam que a Coreia do Norte se pronuncie oficialmente em relação à desnuclearização, já que apenas diplomatas sul-coreanos verbalizaram essa disposição.

O especialista em assuntos de segurança Jim Walsh participou, no passado, em negociações com funcionários norte-coreanos. Pesquisador associado ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês), nos EUA, ele acredita que as mudanças não serão imediatas.

"Digamos que todas as partes estão sendo sinceras e no primeiro dia das negociações a Coreia do Norte concorda em abrir mão das armas nucleares. Isso levaria dez anos para se tornar realidade", explica.

De qualquer forma, a avaliação é que uma hipotética negociação para desnuclearizar a Coreia do Norte será difícil e pode demorar muito até que as partes concordem em todos os itens de um possível acordo.

Walsh acredita que os norte-coreanos vão exigir que "os EUA abandonem a política hostil" contra o país.

"E o que isso significa? Alguns norte-coreanos me disseram no passado que isso significa fazer com que os EUA retirem todas as tropas da península", explica o analista.

 

Diferente das tentativas de negociações passadas, os três novos protagonistas - Kim, Trump e Moon - podem até concordar com o fim da presença militar americana na região, na avaliação de Welsh.

O presidente sul-coreano é de um partido que busca "maior autonomia e soberania", explica o pesquisador. Isso pode ajudar o país a se afastar dos EUA, em especial porque Trump não é um entusiasta de alianças internacionais.

Mas no momento Jim Walsh se mostra cauteloso. Diz ser otimista, mas está "morrendo de medo".

"Te dizem que você vai morrer, mas que existe uma operação que pode te salvar, apesar de ser muito arriscada. Se você se submete à operação, pode morrer antes do que morreria. Mas se não a faz, com certeza vai morrer."

Ele próprio explica a metáfora: "Se a diplomacia funciona, fantástico. Mas se as negociações colapsarem, todas as partes vão se irritar e podem assumir uma postura mais agressiva que antes".

Líderes norte-coreanos usaram passaportes brasileiros falsos:
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