As vítimas atraídas por ilusão de dinheiro fácil em golpe de empréstimo na Índia: 'Fiz dívida em 33 aplicativos'
Hackers chegam a intimidar vítimas ameaçando enviar imagens de nudez para familiares e colegas de trabalho. Número de casos vem crescendo, dizem autoridades.
Quando Raj pegou empréstimo de US$ 110 (cerca de R$ 530) no último mês de março, pensou que resolveria rapidamente seus problemas financeiros. Mas não foi assim.
O homem, que vive na cidade indiana de Pune, no Estado de Maharashtra, é uma das centenas de vítimas do golpe de empréstimos pela internet, que está crescendo no país.
Assim como muitas pessoas, Raj (nome fictício) foi atraído pela rapidez e facilidade da aprovação do crédito - tudo o que precisou fazer foi baixar um aplicativo em seu telefone e fornecer uma cópia da carteira de identidade.
Ele chegou a receber algum dinheiro, mas apenas metade do valor solicitado. E, três dias depois, a suposta empresa passou a exigir que ele pagasse três vezes o valor emprestado.
O homem decidiu então recorrer a outros aplicativos para tentar quitar o que devia, o que acabou aumentando exponencialmente suas dívidas. Até que, em determinado momento, Raj devia mais de US$ 6 mil (R$ 29,3 mil) entre 33 aplicativos diferentes.
Os golpistas chegaram a ameaçá-lo requisitando pagamento. Raj afirma não ter ido à polícia por medo.
Por meio dos aplicativos, os hackers tiveram acesso a todos os contatos e fotos armazenadas no telefone e ameaçaram enviar fotos de sua esposa nua para todos os números cadastrados no celular caso ele não lhes pagasse o que pediam.
O homem decidiu então vender todas as joias da esposa para pagar os criminosos - e diz ainda estar com medo.
"Acho que eles não vão me deixar em paz. Temo pela minha vida. Recebo ligações e mensagens ameaçadoras todos os dias", desabafa.
Esse tipo de golpe tem se tornado comum na Índia. Apenas entre janeiro de 2020 e março de 2021, um estudo do Reserve Bank of India (RBI) - o Banco Central do país - identificou 600 aplicativos diferentes de empréstimos ilegais.
O estado de Maharashtra, no oeste do país, registrou o maior número de reclamações relacionadas aos apps de empréstimo: 572 foram relatadas ao RBI.
"Esses aplicativos prometem empréstimos sem complicações, dinheiro rápido, e as pessoas são atraídas sem perceber que seus telefones são invadidos, seus dados são roubados e sua privacidade é prejudicada", diz Yashasvi Yadav, inspetor geral especial de polícia no departamento de crimes cibernéticos de Maharashtra.
"Acredito que o golpe esteja se espalhando porque muita gente na Índia não é elegível aos empréstimos no sistema bancário tradicional."
Muitos dos aplicativos são executados por meio de servidores na China, ainda que os golpistas estejam na Índia, diz o inspetor. Alguns dos criminosos já teriam sido identificados pela polícia por meio do rastreamento de suas contas bancárias e números de telefone, acrescenta Yadav.
Um golpista com quem a reportagem da BBC conversou, contudo, disse ser relativamente simples evitar a detecção pelas autoridades.
"Os desenvolvedores dos aplicativos, ou pessoas como nós, que trabalham para eles, são muito difíceis de rastrear. Todos nós usamos documentos falsos para conseguir um número de celular."
"Operamos em toda a Índia. A maioria de nós não tem um local fixo para trabalhar. Tudo que eu preciso é de um laptop e uma conexão telefônica. Alguém como eu tem mais de dez números diferentes para usar para ameaçar o cliente."
Este golpista em particular disse que os "funcionários" são treinados para encontrar pessoas "ingênuas e passando necessidade", a quem pagam apenas metade do valor pedido no financiamento. Como no caso de Raj, o golpista exigirá na sequência o pagamento de três vezes o valor enviado. Se a vítima não pagar, a pressão sobre ela aumenta rapidamente.
"O primeiro passo é incomodar. Depois ameaçar. E então começa o jogo de chantagear a pessoa, com o acesso que temos aos dados do telefone", ele conta. "Muitos não procuram as autoridades por vergonha e medo."
A BBC teve acesso a algumas das mensagens enviadas às vítimas. Algumas ameaçam contar à família e a colegas de trabalho sobre as dívidas, outras mais agressivas contêm ameaças envolvendo deep fakes - fazer e distribuir vídeos pornográficos usando a imagem do rosto da vítima.
O governo tentou frear a onda de crimes pedindo ao Google, em maio do ano passado, que fizesse uma varredura nos aplicativos disponíveis em sua loja de aplicativos.
Quase todos os smartphones na Índia rodam com o sistema operacional da empresa, o Android. Mesmo depois de excluídos da plataforma, contudo, os golpistas continuaram fazendo vítimas, desta vez usando mensagens de texto para anunciar os aplicativos.
Após a divulgação de seu estudo, o Banco Central indiano pediu ao governo que apresentasse novas propostas para tentar conter os golpes envolvendo empréstimos pela internet. A entidade se dispôs a usar parte de sua estrutura para verificar os aplicativos. A expectativa é que o governo responda nas próximas semanas.
Para alguns, contudo, as novas regras chegarão tarde demais. Segundo sua família, Sandeep Korgaonkar cometeu suicídio em 4 de maio devido às ameaças e assédio que vinha sofrendo de golpistas por trás de apps empréstimo.Segundo seu irmão Dattatreya, Sandeep nem havia chegado a pedir o crédito, mas só baixado o aplicativo.
Criminosos passaram a telefonar para colegas de trabalho de Sandeep dizendo que ele tinha dívidas altíssimas e a manipular fotos suas para criar imagens falsas em que ele estaria nu - que foram encaminhadas para 50 de seus contatos.
"O assédio não parou, mesmo depois que ele prestou queixa na polícia", diz Dattatreya. "Sua vida se tornou um inferno, ele não conseguia dormir ou comer." A polícia indiana está investigando o caso.