China coloniza oceano "plantando" ilhas em corais
Terras no Mar Meridional Sul são disputadas pela China, Filipinas, Vietnã e Taiwan
A China entrou na briga por terras no Mar Meridional Sul ao lado das Filipinas, do Vietnã e de Taiwan, que também reivindicam fatias na região. Mas a estratégia chinesa vai mais longe.
O governo do país começou a construir ilhas artificiais no oceano para poder plantar o seu poder por ali. E, diante do poderio militar naval dos chineses, isso poderia representar inclusive uma ameaça ao domínio militar americano no Pacífico.
O repórter da BBC, Rupert Wingfield-Hayes, foi enviado ao Mar Meridional para investigar a situação e relata o que encontrou por lá:
O barco vai se movendo lentamente de cima a baixo, de um lado ao outro. O ruído do motor estremece a superfície e tortura a minha cabeça. Com a camisa molhada de suor e grudando no peito, dormir se torna simplesmente impossível.
Levamos mais de 40 horas navegando pelo Mar Meridional da China. Na maior parte do tempo, na velocidade de alguém andando a pé. “Quem pode querer ser pescador?”, me perguntava em voz alta.
E de repente me chama a atenção uma espécie de plataforma no horizonte. Parece uma plataforma de extrair petróleo. Mas o que isso está fazendo aqui? Seguimos nos aproximando e já é possível ver algo que parecia terra. Olho para o GPS e ele não mostra nada, nenhuma ilha ou pedaço de continente por perto.
Mas sei que meus olhos não estão me enganando. É uma ilha, algo que não estava ali algumas semanas atrás. Tentamos nos aproximar mais, mas o início de uma tempestade nos obriga a voltar para o rumo anterior.
Consigo avistar outra ilha. Essa, sim, eu já esperava encontrar. Cheguei a ver fotos aéreas dela, registradas pelas Forças Armadas das Filipinas.
Elas mostram o trabalho que a China está fazendo no local desde janeiro, plantando ilhas artificiais para exigir a posse de terras na região.
Vejo caminhões, guindastes, grandes tubos de aço e uma equipe inteira trabalhando na construção. Há milhões de toneladas de rocha e terra dragadas do fundo do mar e empilhadas sobre bancos de corais para formar novas terras.
Sobre um bloco de concreto, um soldado nos observa com seus binóculos.
Novas ilhas
O surgimento de novas ilhas faz parte de uma mudança dramática de estratégia nesta disputa territorial que existe há muito tempo na região entre China, Filipinas, Malásia, Taiwan e Vietnã.
Apenas China e Taiwan reivindicam tudo: não só as Ilhas Spratly, mas também os arrecifes de Scarborough (ou da Democracia) e as ilhas Paracelso. As Filipinas e o Vietnã também reivindicam grandes áreas, incluindo grande parte das Ilhas Spratly.
Até o começo deste ano, a presença chinesa nas Ilhas Spratly se limitava a um punhado de concreto sobre ilhas de corais.
Agora, já estão construindo ilhas sobre cinco arrecifes.
Na verdade, em um deles parece estar nascendo uma base aérea, com uma extensão grande o suficiente para ser usado como pistas para aviões de combate.
A estratégia é usada para compensar uma grave escassez de chineses na área. Entre os países reivindicando porções do Mar da China Meridional, a China é o único que não tem sob seu controle uma verdadeira ilha.
Os chineses só têm arrecifes. O de Johnson Sur foi tomado por eles em 1988 em uma batalha sangrenta contra o Vietnã, que deixou 70 combatentes vietnamitas mortos. Desde então, qualquer tipo de confronto militar foi evitado.
Durante décadas, a questão parecia esquecida, mas em 2012, o Partido Comunista reclassificou a zona como “de interesse nacional essencial”. Foi o sinal de que o interesse dos chineses na área não tinha morrido.
Agora, Pequim parece ter decidido que é hora de ir adiante com a reivindicação das terras pelas vias de fato: formando uma cadeia de ilhas e o que virtualmente seria uma base aérea sobre o mar.
Filipinos: no meio do nada
O Mar Meridional da China é cheio de pontos estranhos com bases militares e colônias civis. É difícil decifrar o que é o quê e quem controla o quê.
O Vietnã tem oito postos permanentes, a Malásia também vários na costa de Bornéu, e a China, até agora, tem sete.
Filipinas tem nove, um é Pagasa, onde vivem 200 pessoas, segundo o governo filipino. Desembarcar ali é um alívio depois de dois dias e duas noites navegando entre óxidos.
Pagasa é uma ilha minúscula de águas cristalinas e areia branca, que está bem distante das Filipinas e do Vietnã, e muito mais distante do resto do mundo.
Ela não tem nem um píer decente.
O ditador Ferdinand Marcos retomou a ilha em 1971, pagando uma quantia simbólica para um empresário excêntrico do país, Tomas Cloma, que a ocupara desde 1956, batizando o local de "Freedomland" ("Terra da Liberdade"). Cloma acabou preso.
Ao tomá-la de volta, a intenção do comandante Marcos era transformá-la em fortaleza militar. Mas hoje, os muros de defesa de concreto reforçado deslizam para o mar e tanques e artilharia aérea enferrujam na maresia. Apenas a pista de pouso ainda tem uso.
Sobraram 30 fuzileiros navais por lá. Quando visitei o seu comandante, às dez horas da manhã, ele estava dormindo. Na parte da tarde, ainda de olhos inchados, ele me recebeu.
“Essa informação é sigilosa”, responde ele, quando pergunto que tipo de armamento ele tem para defender a ilha. Olho ao redor e não consigo ver mais do que alguns rifles.
Eles não poderiam fazer nada se um dia o exército chinês decidisse apagá-los do mapa.
Cerca de 30 famílias vivem no povoado de Pagasa. Segundo o governo filipino, são 200 pessoas no total, mas vi no máximo cem. Eles têm comida e casa de graça, além de uma escola para crianças.
Mary Jo, por exemplo, chegou para montar um negócio de pesca, mas não deu certo. Ela, então, aceitou um emprego de administradora da ilha. Tem planos ambiciosos, mas falta o dinheiro para torná-los realidade.
“Os chineses têm tanto dinheiro”, lamenta. “Nós temos tão pouco…mas é importante que continuemos aqui. Se não, acho que os chineses viriam”.
Para a China, a ação ali é improvável. Porque uma coisa é atacar soldados, como fez em 1988 contra os vietnamitas. Outra bem diferente é atacar mulheres e crianças.
"Barco fantasma"
Às 16h, pouco antes de anoitecer em Pagasa, chegamos a Ayungin. De alguma forma, temos que atravessar arrecifes e ondas sem encalhar.
Não muito longe, aparece a silhueta do Sierra Madre, um barco militar fantasma filipino ancorado nos arrecifes. Vindos do sul, dois navios da guarda costeira chinesa a todo vapor, mas é tarde demais, por cima do arrecife, a água é rasa demais para embarcações grandes.
Já tinha visto fotos do Sierra Madre, mas a realidade é ainda mais chocante. De perto, parece ainda pior. Está podre e é preciso ter muito cuidado com onde se pisa. E também é preciso ter cuidado com as mãos: ao subir uma escada, arranquei sem querer um pedaço do corrimão de madeira.
Do alto da embarcação, somos recebidos pela "tripulação" militar filipina.
A cena é absurda e seria cômica, não fosse trágica. Os onze fuzileiros navais, longe de terem um ar de superioridade militar, parecem constrangidos pela forma como vivem.
"É muito difícil para os meus homens”, disse um jovem tenente no comando. “Estamos longe de casa e às vezes temos quase nada para comer, é um peso grande sobre os meus homens.”
Os fuzileiros navais filipinos de Sierra Madre lutam para se manterem motivados.
Barcos chineses voltam a aparecer no horizonte. Há mais de um ano, eles têm bloqueado qualquer tentativa de levar ajuda e suprimentos para Sierra Madre. Se tivéssemos vindo do sudoeste, eles também teriam nos interceptado.
A Marinha filipina ajuda os fuzileiros navais com suprimentos que são lançados de para-quedas uma vez por mês. Mas na prática, sobrevivem da pesca.
O Sierra Madre, de acordo com o meu GPS, está a 120 milhas náuticas da costa das Filipinas, ou seja, dentro da área de 200 milhas náuticas reivindicada pelos filipinos como "zona econômica exclusiva".
No entanto, Pequim afirma que o arrrecife submerso, a mais de 800 milhas náuticas da China, é parte do seu território.
Poder chinês
A China está começando a se utilizar de seu notável poder naval. A velocidade da mudança é enorme. Pequim constrói navios de guerra e submarinos mais rápido do que qualquer outro país, incluindo os Estados Unidos. O segundo porta-aviões do país está praticamente pronto.
Logo, o poder naval chinês cresce em um ritmo surpreendente. Por enquanto, a força naval americana na região permanece maior e mais poderosa, mas a China tem se aproximado bem mais rápido do que qualquer um esperava.
E o que acontece no Mar Meridional da China é uma amostra das intenções de Pequim: dominar o mar e o ar com a "primeira cadeia de ilhas".
A longo prazo, a China quer ir além das Filipinas e do sul do Japão para a "segunda cadeia de ilhas": Palau, Guam e Marianas.
Isso seria uma mudança radical no equilíbrio de poder no Pacífico Ocidental.
Nos últimos 70 anos, os americanos não foram contestados por qualquer país na região.
Agora, pela primeira vez, a China tem não só a intenção, mas condições militares para desafiar o domínio militar de Washington.
Ao que tudo indica, os próximos anos não serão de calmaria por estes mares.