China: pais tomam medidas radicais para tratar bebês doentes
Sem condições de arcar com despesas médicas, alguns se veem obrigados a entregar filhos ao Estado
Quando Liu Jiaomei deu à luz Miaomiao em março, ela foi forçada a deixar o hospital uma hora depois do fim do seu parto. Liu e o marido, ambos trabalhadores migrantes pobres, não tinham dinheiro para pagar por cuidados adicionais.
O casal levou a recém-nascida para casa, mas sabiam que a filha estava gravemente doente.
Miaomiao tem sérias deformidades no quadril e na perna. Um grande buraco em sua boca torna difícil para ela engolir. Agora com seis semanas, ela está claramente perdendo peso.
"Eu queria eu mesma cuidar de Miaomiao", diz Liu Jiaomei, com lágrimas escorrendo pelo rosto.
"Mas meu marido perguntou: e se a nossa filha morrer porque não podemos cuidar dela?".
Sem dinheiro e sem cuidados de saúde do governo, o casal enfrentou uma escolha de cortar o coração: ficar com a filha ou entregá-la ao Estado para que, em teoria, ela recebesse tratamento.
"Ninguém quer abandonar seu filho", diz o pai de Miaomiao, Lei Zebao. "Mas se nós a entregarmos, pelo menos ela terá uma pequena chance na vida".
Eles decidiram deixar o bebê em uma pequena escotilha ao lado de um orfanato não muito longe da casa onde vivem, e que oferece aos pais um lugar para abandonar anonimamente crianças que eles não podem cuidar.
Na noite de 16 de março, o casal enrolou a filha em cobertores e foi até os portões do orfanato.
O destino interveio. Lotado com crianças doentes, o local havia parado de receber novos bebês horas antes da família chegar. Miaomiao ficou nos braços de sua mãe.
"Eu estava secretamente esperando que eles não aceitassem minha filha, apesar de eu não saber se poderíamos mantê-la viva", diz Liu Jiaomei. "Eu estava dividida".
As pressões permanecem. A família vive dentro de uma garagem de concreto ao lado de uma estrada movimentada. Eles lutam para arcar com itens básicos, como fraldas e comida para bebê.
Luta pela sobrevivência
Em março, o fechamento da escotilha de Guangzhou chamou atenção internacional. Nas seis semanas que o receptor esteve aberto, uma média de cinco crianças por dia foram deixadas ali.
No total, 262 crianças foram entregues ao Estado, disseram autoridades. Todas elas tinham problemas de saúde graves, incluindo defeitos cardíacos congênitos e paralisia cerebral grave.
Algumas das crianças tinham cinco ou seis anos. Aqueles que trabalham com crianças gravemente doentes dizem que, nessa idade, os adultos que cuidam delas por conta própria têm dificuldade de lidar com elas. É quando muitas vezes os pais desistem, acreditando que centros locais de assistência social podem fornecer o cuidado que eles não podem mais dar.
A grande maioria das crianças nos orfanatos chineses está gravemente doente ou sofre de deficiências que exigem cuidados especiais que trabalhadores migrantes pobres não podem oferecer.
Mas é preciso ser dito que a China tem feito grandes progressos na área da saúde materna e infantil nos últimos anos.
A mortalidade materna - a probabilidade de uma mulher morrer durante a gravidez ou o parto - caiu mais de 13% ao ano na China desde 1990, a queda mais rápida no mundo de acordo com um novo estudo global do Instituto de Metrologia da Saúde e Avaliação da Universidade de Washington.
Um estudo relacionado mostrou que as crianças na China também são muito mais propensas a viver além da idade de cinco anos do que em décadas anteriores.
Mas todos esses números significam pouco para famílias pobres que lutam para manter seus filhos vivos, apesar de contas bancárias vazias.
'Eu pensei em pular'
Um pai desesperado está chamando a atenção para a sua campanha radical para financiar a assistência médica de sua filha.
Cheng Bangjian, soldado aposentado da província central chinesa de Sichuan, desfila regularmente nas ruas de Pequim segurando uma placa que diz: "Eu vou trabalhar o resto da minha vida para quem financiar a assistência médica da minha filha". Poucos fazem contato visual com ele.
A filha de Cheng, Siyi, de 9 anos, tem uma doença no sangue. Após anos de tratamento caro, um transplante de medula óssea é a sua única esperança e um doador foi encontrado. Toda a família se mudou para Pequim, onde está localizado o único hospital do país que pode tratar a condição de Siyi. Mas seus pais não podem pagar os US$ 96.000 (R$ 212,000) da operação.
"Eu já pedi (dinheiro) emprestado a todos os meus parentes", chora Cheng Bangjian. "Eu até pensei em saltar de uma ponte. Se eu morresse, minha filha poderia ser salva porque mais pessoas iriam se importar conosco".
Há a esperança de que, no futuro, outras famílias não serão levadas ao mesmo desespero das famílias de Miaomiao, em Guangzhou, e de Cheng Siyi, em Pequim.
Algumas iniciativas promissoras aparecem no horizonte.
Muitas organizações de caridade estão atuando na prevenção de problemas de saúde infantis, distribuindo ácido fólico para as mulheres grávidas, por exemplo, para evitar algumas deficiências congênitas. Outros grupos estão amparando famílias com bebês doentes ou deficientes, oferecendo-lhes apoio para ajudá-las a cuidar de seus filhos em casa.
Outros na China estão pressionando o governo para adotar um seguro nacional de saúde para crianças de até 18 anos. Todos os anos desde 2009, a conhecida defensora de direitos de crianças Melody Zhang tem apresentado uma proposta de plano de seguro de saúde infantil ao Parlamento da China através de uma série de representantes parlamentares.
É difícil saber o que acontece com a proposta nos bastidores, explica Zhang, fundadora e diretora-executiva da Fundação Esperança das Crianças, uma das maiores organizações de caridade da China que oferece ajuda médica para órfãos. No entanto, ela é otimista quanto à aprovação de um plano semelhante ao que ela está propondo.
"Mais e mais cidades estão lançando seus próprios planos de seguro médico, de modo que a cobertura está se espalhando", diz ela.
Até lá, milhões de pais na China estão lutando para ficar com suas crianças e, ao mesmo tempo, mantê-las saudáveis.
Em desespero, a família de Cheng Siyi tomou um empréstimo sob taxas de juros altíssimas. Eles precisavam de um depósito de US$ 40.000 para financiar a cirurgia de medula óssea antes que o tempo acabasse.
"É claro que o que nós passamos vale a pena", diz o pai de Siyi. "Assim que a nossa filha estiver saudável, ela vai crescer como uma menina normal".