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Ásia

Escola é acusada de transformar alunas em muçulmanas radicais

Entre outras regras, o seminário na província de Kunduz exige que professores deem aulas atrás de cortinas para não verem alunas que 'estão com olhos abertos durante leitura'

23 mar 2014 - 19h57
(atualizado às 21h49)
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Uma escola religiosa não registrada no norte do Afeganistão está sendo acusada de radicalizar milhares de mulheres muçulmanas
Uma escola religiosa não registrada no norte do Afeganistão está sendo acusada de radicalizar milhares de mulheres muçulmanas
Foto: Malyar Sadeq Azad/ / BBC News Brasil

Uma escola religiosa não registrada no norte do Afeganistão está sendo acusada de radicalizar milhares de mulheres muçulmanas. Uma investigação da BBC descobriu que a madrassa (seminário islâmico) Ashraf-ul Madares, na província de Kunduz, prega que ouvir rádio, assistir televisão e fazer fotos são atividades contra o islamismo e que as mulheres não devem trabalhar fora de suas casas.

Ativistas afirmam que a escola enfraquece os direitos da mulheres, mas os fundadores da madrassa afirmam que estão apenas garantindo a educação religiosa necessária para as estudantes.

Cerca de 6 mil mulheres e adolescentes estudam na madrassa, que foi estabelecida há quatro anos por dois mulás influentes na região de Kunduz.

As estudantes da Ashraf-ul Madares podem ser facilmente reconhecidas devido as roupas que usam, obedecendo às severas regras islâmicas para vestimentas.

As mais velhas cobrem as cabeças, rostos e olhos e também usam luvas e meias. Algumas usam o chador preto completo. Alguns dos moradores da região até chamam as estudantes de "usuárias de barracas".

Tensão

As autoridades da cidade de Kunduz afirmam que a interpretação radical dos ensinamentos islâmicos dentro da escola, particularmente em relação às roupas permitidas, está gerando tensão entre as estudantes do seminário e os moradores da região.

"Elas dizem 'você é um infiel, porque sua roupa não é islâmica, porque você não sabe como rezar'", informou uma autoridade do Diretório de Negócios Femininos de Kunduz.

Além da madrassa, algumas das estudantes também frequentam escolas públicas da região, o que acaba gerando confrontos.

"Quando elas veem estudantes ou professoras de escolas comuns usando roupas normais ou com os cabelos à mostra, elas param (as outras estudantes e professoras) e dizem abertamente: 'Você cometeu um pecado ao não usar roupas para cobrir seu corpo todo'", informou Wazhma, professora de uma escola pública.

O diretor do seminário, Mawlavi Abdul Khaleq, rejeita as críticas. Ele disse à BBC que o objetivo da escola é ajudar as jovens a alcançar o potencial total com a compreensão da história e dos ensinamentos básicos do islamismo.

"No início do Islã, as meninas muçulmanas costumavam participar das atividades religiosas. Elas até costumavam participar de guerras... mas agora, nós, muçulmanos, ficamos para trás...", disse.

Separação

As estudantes da madrassa Ashraf-ul Madares foram orientadas a não dar entrevistas, mas uma das estudantes concordou em falar com a BBC sem se identificar. "Se o chocolate não for embrulhado, as moscas podem pousar nele, mas se estiver embrulhado, poderá ser protegido. Então, o hijab para as mulheres é como o embrulho", disse.

Foto: Malyar Sadeq Azad / BBC News Brasil

A estudante afirmou que passou a infância como refugiada no Paquistão e frequentou uma universidade particular.

"Eu costumava usar roupas curtas, apertadas, que não são apropriadas para uma mulher muçulmana. Mas agora fui informada sobre a verdade a respeito do Islã e sei que não é apropriado para uma garota muçulmana rir e fazer piadas em qualquer festa", disse.

Nos seminários mantidos pelo governo no Afeganistão, professores podem dar aulas às estudantes pessoalmente, como fazem em escolas e universidades comuns.

Mas, na Ashraf-ul Madares, os professores precisam ficar atrás de uma cortina ou então dentro de uma cabine para evitar o contato visual.

"É preciso haver uma divisória para que o professor não veja as garotas, mesmo que elas estejam usando o hijab, pois os olhos delas estão abertos durante a leitura", disse Abdul, um dos professores do seminário.

Menores de dez anos

As regras são menos rígidas para as cerca de 200 estudantes menores de dez anos. Nestas aulas os professores podem se sentar em meio às estudantes, mas usam uma régua de madeira para impor disciplina.

"A disciplina na madrassa é no estilo militar e as crianças serão punidas se não aprenderem bem ou se forem barulhentas", disse Abdul, o diretor do seminário.

A região de Kunduz tem mais de 30 seminários semelhantes mantidos pelo Ministério da Educação e que atendem cerca de 2 mil estudantes. A dúvida que fica é qual a razão de enviar a filha para uma madrassa não registrada.

O vice-ministro da Educação afegão, Shafiq Samin, não comentou especificamente sobre a Ashraf-ul Madares, mas admitiu que há um problema em Kunduz.

"Falam para as estudantes que as pessoas que não rezam são infieis, enquanto que na sharia (lei islâmica), apenas os descrentes são chamados de infieis. Uma estudante de uma madrassa até disse à própria mãe que ela era infiel pois ela não rezou durante alguns dias", disse.

Abdul defende as atitudes das estudantes. "Aqueles que são contra este seminário, na verdade, não conhecem o Islã ou são influenciados por países que apoiam ideias e valores não islâmicos", afirmou.

Outros também querem saber como a madrassa é financiada.

O diretor do seminário informa que parte dos custos é coberta com doações das alunas, sendo que algumas vendem as próprias joias para dar o dinheiro para a escola.

Khaliq também afirma que a madrassa tem planos de expansão e espera abrir seminários em outras províncias do Afeganistão.

O Ministério da Educação afegão informou que existem cerca de 1,3 mil escolas religiosas não registradas no país, em comparação com as 1,1 mil madrassas públicas.

Sharzad, uma ativista defensora dos direitos civis em Kunduz, teme que a crescente influência destes seminários não regulados pelo governo possa prejudicar as mulheres afegãs.

"Quando a religião é mal interpretada, as primeiras e maiores vítimas serão as mulheres. Seus direitos islâmicos e legais, seus direitos ao trabalho, aprendizagem, de seu transformarem em políticas e sua liberdade civil serão restringidas", disse.

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