Biden eleito: além de Bolsonaro, que outros líderes mundiais não cumprimentaram democrata pela vitória
Contestações de Trump acerca do resultado acabaram tumultando o processo eleitoral e as tradicionais congratulações de outros líderes mundiais.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, não foi o único líder mundial a não parabenizar o democrata Joe Biden pela vitória na eleição presidencial americana contra Donald Trump.
Fontes do governo brasileiro têm afirmado, sob condição de anonimato, que Bolsonaro não comentará o resultado enquanto Trump não conceder a vitória a Biden. Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a derrota da principal referência internacional de Bolsonaro deve exigir uma "reinvenção" de sua política externa.
Silêncio parecido ao de Bolsonaro tem sido visto em mandatários de Rússia, China, Coreia do Norte, Turquia e do México, entre outros.
Os resultados eleitorais dos Estados Unidos só se tornam oficiais quando cada Estado emite sua certificação final do pleito, o que ainda deve ocorrer nas próximas semanas.
Por outro lado, projeções do resultado feitas por veículos de imprensa, que envolvem o trabalho de centenas de analistas de dados, são tradicionalmente suficientes para levar a uma concessão do candidato derrotado e iniciar um processo de transição.
Mas as contestações de Trump acerca do resultado acabaram tumultuando o processo e as congratulações de outros líderes mundiais.
Vladimir Putin, da Rússia
"A coisa certa a ser feita é aguardar o resultado oficial", afirmou Dmitry Peskov, porta-voz do presidente russo, Vladimir Putin. Ele se refere à ofensiva jurídica de Trump para contestar o resultado eleitoral.
Em 2016, a história foi diferente. Putin foi um dos primeiros a congratularem Trump pela vitória sobre a democrata Hillary Clinton.
"A diferença agora talvez seja porque o Kremlin esteja menos animado com o resultado", resume Steve Rosenberg, correspondente da BBC em Moscou.
Biden tem sido um crítico frequente de Moscou, e recentemente classificou a Rússia como a maior ameaça aos EUA.
A mídia russa não pareceu entusiasmada com a vitória do democrata neste ano. Para o veículo oficial Rossiyskaya Gazeta, Biden é um "pato manco". Outro o chamou de "velho e senil".
Ao comentar a demora de Putin em se pronunciar sobre o resultado, o veículo Nezavisimaya Gazeta afirmou que a precaução era "compreensível" porque a contagem oficial de votos ainda não havia terminado nos EUA.
Moscou teme que a Presidência de Biden signifique mais pressão e mais sanções vindas de Washington. Com um democrata na Casa Branca, poderia ser hora de retribuir a suposta intervenção da Rússia nas eleições americanas de 2016?
Por outro lado, o Kremlin pode ter um sinal de esperança. Comentaristas russos preveem que um governo Biden será, pelo menos, mais previsível do que a administração Trump. Isso pode tornar mais fácil chegar a um acordo sobre questões urgentes, como New Start, o crucial tratado de redução de armas nucleares entre os EUA e a Rússia que expira em fevereiro.
Xi Jinping, da China
O mandatário chinês, Xi Jinping, ainda não se pronunciou sobre a vitória de Biden, mas quando isso ocorrer, espera-se que a mensagem dele trate de "ganha-ganha", coexistência pacífica e até em "dar as mãos" para combater a pandemia de covid-19.
Nada disso seria novidade.
Estima-se que a relação entre os países deve sofrer uma guinada inicialmente positiva, e a linguagem conflituosa entre China e EUA sobre comércio fique para trás.
O mesmo deve valer para reviravoltas súbitas e relevantes. O presidente eleito dos EUA disse, por exemplo, que consultará países aliados sobre o que fazer com as diversas tarifas impostas por Trump às importações chinesas como parte da guerra comercial.
Mas Biden não prometeu um recuo imediato.
Há rumores de que o presidente eleito poderia descrever a perseguição aos muçulmanos uigures chineses sob Xi Jinping como um "genocídio", o que seria uma mudança diplomática bastante significativa.
Sobre o domínio regional da China, a expectativa é que um governo Biden busque reconstruir ou recalibrar alianças na Ásia, com a Coreia do Sul e o Japão, entre outros, para fortalecer uma posição unida contra o poder crescente da China.
A derrota de Trump não é boa para a China em alguns aspectos. Pequim foi capaz de despontar no cenário internacional enquanto Trump solapava reiteradamente a democracia americana. Isso convinha a uma China autoritária em ascensão que buscava promover seu sistema político-econômico como alternativa.
Kim Jong-un, da Coreia do Norte
Desde que Biden foi projetado vencedor das eleições, especialistas têm debatido sobre como sua política externa será diferente da de Trump.
Um grande exemplo de mudança deve ser a Coreia do Norte, que ainda não se pronunciou sobre o resultado eleitoral americano.
Em 2019, a mídia estatal norte-coreana atacou Biden por "caluniar" Kim Jong-un, com um meio de comunicação chamando-o de "cachorro raivoso" que "deve ser espancado até a morte".
Mas é improvável que vejamos um tom tão duro agora.
Sob Trump, Washington teve um relacionamento oscilante com Pyongyang, desde inicialmente ameaçar "fogo e fúria" até realizar reuniões de cúpula e trocar "cartas de amor" com o líder norte-coreano Kim Jong-un.
Biden, que chamou Kim de "bandido" durante os debates presidenciais, provavelmente adotará uma abordagem mais cautelosa em relação à Coreia do Norte.
"É muito provável que Biden volte a uma abordagem tradicional em relação à Coreia do Norte que sublinhe a importância das negociações de baixo escalão a partir das quais ele buscaria o progresso na desnuclearização antes de concordar em conversas de cúpula entre os dois líderes", disse Park Won-gon, pesquisador sul-coreano de relações internacionais e segurança, à agência de notícias Yonhap.
Mas alguns analistas temem que Biden possa retornar à política de "paciência estratégica" de Barack Obama, criticada por alguns como "ignorância estratégica" ou "coma estratégico".
Andrés Manuel López Obrador, do México
O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, conhecido pela acrônimo AMLO, foi cauteloso e evitou comentar sobre o vencedor das eleições americanas.
"Vamos esperar que todas as questões jurídicas sejam resolvidas. Não queremos ser imprudentes, não queremos agir levianamente e queremos respeitar a autodeterminação dos povos e respeitar os direitos dos outros", disse o presidente mexicano a jornalistas no Estado de Tabasco.
López Obrador disse ainda que tem "uma relação muito boa com os dois candidatos".
"O presidente Trump tem sido muito respeitoso conosco e chegamos a acordos muito bons. E agradecemos a ele porque não foi um intervencionista e nos respeitou", disse AMLO, segundo o jornal El Universal.
"E com o candidato Biden é a mesma coisa. Eu o conheço há mais de 10 anos; apresentei-lhe uma carta falando de nosso movimento, nossa luta, conversávamos sobre política de imigração, então não existem relacionamentos ruins", disse ele.
"Só não posso dizer 'felicito um candidato ou felicito o outro' porque quero aguardar o fim do processo eleitoral", concluiu o presidente.
Em seus primeiros 100 dias no cargo, Biden promete reverter as políticas de Trump que separam pais dos próprios filhos na fronteira EUA-México, cancelar os limites do número de pedidos de asilo e proteger os direitos dos chamados "Dreamers" (Sonhadores), pessoas levadas ilegalmente para os Estados Unidos quando crianças e que foram autorizadas a permanecer devido a uma política da era Obama.
A promessa que Trump faz desde 2016 de construir um muro nos Estados americanos que fazem divisa com o México é outro tópico que deve cair por terra. "Nós precisamos de segurança nas fronteiras, mas não é esse tipo de segurança que estamos falando", afirmou Biden num discurso em janeiro de 2019.
Recep Tayyip Erdogan, da Turquia
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ainda não comentou sobre a vitória projetada de Biden.
Em 2016, ele ligou para o presidente Donald Trump um dia após a eleição e tuitou seus parabéns. Da mesma forma, parabenizou Barack Obama logo após sua reeleição em 2012.
Erdogan estabeleceu laços calorosos com o presidente Trump nos últimos quatro anos, usando o relacionamento pessoal para proteger Ancara de sanções sobre a compra de armas russas e outras divergências entre a Turquia e países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Antes da eleição, a mídia turca pró-governo adotou um forte tom anti-Biden depois que ele criticou Erdogan em questões de política externa e prometeu apoiar a oposição turca.
O vice-presidente turco, Fuat Oktay, disse no fim de semana que Ancara "trabalhará com a nova administração" em questões de interesse para a aliança da Otan.
Alguns analistas sugerem que Erdogan pode estar se mantendo discreto para evitar ofender Trump durante suas últimas semanas no cargo. No entanto, a falta de parabéns para Biden até agora pode sinalizar um caminho pedregoso pela frente para a relação entre Turquia e EUA.