Bully XL: como Reino Unido vai lidar com raça de cães chamada de 'mortal'
Casos recentes de agressões levaram governo a anunciar veto a essa raça e a medidas a serem adotadas por pessoas que têm cães do tipo.
(Reportagem publicada originalmente em 11 de setembro de 2023 e atualizada em 16 de setembro de 2023)
O governo britânico decidiu banir cães da raça American Bully XL no país, segundo anúncio do premiê Rishi Sunak.
A declaração foi feita depois que um homem de 52 anos morreu de múltiplos ferimentos causados por dois cães que suspeita-se serem dessa raça, em 13 de setembro, perto da cidade de Walsall.
Poucos dias antes, um cachorro do tipo havia avançado contra uma menina de 11 anos. As imagens do ataque, que aconteceu no dia 9 de setembro, na cidade de Birmingham, na Inglaterra, foram compartilhadas na internet.
Na ocasião, a secretária de Interior, Suella Braverman, classificou o ocorrido como "terrível" e disse que a raça representa um perigo "mortal", particularmente para as crianças.
"Vamos reunir especialistas e a polícia para definir (os critérios da) raça com precisão e usar a Lei de Cães Perigosos para até o final do ano bani-la", declarou Rishi Sunak. "Está claro que ela é um perigo para as comunidades."
Representantes do governo afirmaram, porém, que o veto não significa que cães da American Bully XL serão abatidos, mas sim que donos terão uma "anistia" - um período para registrar os animais e adotar medidas como castração e focinheiras.
Christine Middlemiss, chefe da agência governamental veterinária do Reino Unido, afirmou à BBC Radio 4 que, para cães já existentes, "alguns deles serão bem socializados, gerenciados e treinados. Você (dono) precisará se registrar e tomar algumas medidas. O seu cachorro terá de ser castrado. E usar focinheira e coleira em público. Mas se você cumprir essas medidas, e se soubermos onde estão essas cachorros, daí sim, com certeza você poderá mantê-los consigo."
O secretário do Meio Ambiente, Mark Spencer, cuja pasta é responsável pela lista de Cães Perigosos, disse que "levará um tempo" até que os cães sejam de fato banidos.
"Vamos ter que passar pelo processo de identificar as características desse cachorro e ter certeza de que não vamos cometer erros", ele afirmou à BBC Radio 4. "Vamos acertar no equilíbrio entre nos livrarmos dos cães maldosos com características horríveis, mas vamos proteger os animais de estimação das pessoas."
No caso do ataque em Birmingham, dois homens que prestaram socorro à menina também foram mordidos e ficaram com ferimentos nos ombros e nos braços.
O cão foi levado a um veterinário para ser examinado. Depois, ele foi enviado para um canil enquanto as investigações então em andamento.
O dono do cachorro foi interrogado pelos policiais.
Alguns especialistas ponderam, no entanto, que a proibição de raças específicas não é o melhor caminho (veja mais a seguir).
O American Bully XL, que pode pesar até 60 quilos, não estava até agora sujeito a quaisquer restrições legais no Reino Unido. Atualmente, as raças proibidas no país pela Lei de Cães Perigosos são o pit bull terrier, o tosa inu, o dogo argentino e o fila brasileiro. O descumprimento da lei pode, em teoria, resultar em penas de prisão de até 14 anos, perda da posse do animal e até mesmo a eutanásia deles.
No Brasil, há canis que vendem filhotes da raça American Bully XL — também conhecida como "Pit Monster" — pelas redes sociais e em sites de comércio eletrônico.
Projetos de lei em discussão no Congresso Nacional tentam prevenir acidentes com animais do tipo.
Um deles (o PL 4871/20) determina que "cães perigosos ou potencialmente perigosos sejam conduzidos em locais públicos com condutor, focinheira, estrangulador e coleira". Outro (o PL 2376/2003) fala em proibir a "comercialização, reprodução e importação de cães da raça 'Pitt Bull'".
Algumas cidades brasileiras possuem leis específicas que proíbem a posse ou a circulação livre de algumas espécies de cães.
Proibir é o melhor caminho?
Segundo a agência de notícias PA, há preocupações sobre a viabilidade de adicionar o Bully XL à lista de banidos no Reino Unido.
O cão não é reconhecido como uma raça específica pelo UK Kennel Club, a maior organização que trabalha pela saúde, o bem-estar e o treinamento canino no país.
Em artigo publicado no The Conversation, site de notícias acadêmicas, Carri Westgarth e John Tulloch, professores da Universidade de Liverpool, apontam que os ataques de cães estão aumentando.
"Nossa pesquisa revelou que as internações hospitalares na Inglaterra por 'mordida ou ataque de cachorro' aumentaram ao longo de um período de 20 anos, de 1998 a 2018."
Segundo eles, o aumento na incidência de mordidas de cachorro está concentrado em adultos, cujos números triplicaram nas últimas duas décadas.
Os especialistas ainda apontam que "há poucas evidências científicas consistentes de que algumas raças são inerentemente mais agressivas do que outras".
"Nossas avaliações sugerem que as raças relatadas em casos de mordidas são simplesmente as raças mais populares naquela região", dizem eles.
"No entanto, quando examinamos as raças envolvidas em fatalidades, fica claro que a maioria delas é grande e poderosa. Isso não significa que raças menores não possam causar mortes — elas já foram conhecidas por isso."
"Um fator complicador aqui é a distribuição das raças, já que raças poderosas sempre estiveram ligadas a comunidades carentes, onde a violência e lesões já são centrais. Algumas evidências relacionam essas raças ao status ou uso criminal, mas a maioria é de animais de estimação da família."
Além de escolher as raças adequadas para cada contexto e pesquisar a genética dos progenitores, Westgarth e Tulloch defendem a prevenção.
"Melhorar as expectativas das pessoas sobre como é o bom cuidado do bem-estar dos cães é fundamental para minimizar situações de medo e frustração para os cães. Isso inclui não abusar dos cães em nome do treinamento e fornecer exercícios e espaço suficientes."
"Os métodos de treinamento devem ser gentis e baseados em recompensas, pois os métodos baseados em punição estão associados a menor sucesso e maior estresse, medo e agressão", concluem eles.