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Entenda se o linchamento em Cabul mudará o Afeganistão

Farkhunda foi morta próximo à mesquita Shah-Du-Shamshaira, na capital afegã, Cabul

27 abr 2015 - 08h44
(atualizado às 15h19)
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Foto: BBC Mundo / Copyright

Homenagens estão sendo realizadas em Cabul, no Afeganistão, para Farkhunda, a mulher de 27 anos que foi brutalmente assassinada por uma multidão no mês passado.

Ela foi espancada com paus e pedras até a morte por um grande grupo, composto em sua maioria por homens, próximo a um templo, depois de ser falsamente acusada de ter queimado uma cópia do Alcorão.

As cerimônias marcam o fim do tradicional período de 40 dias de luto no país.

O repórter da BBC no Afeganistão, Daud Qarizadah, relembra o caso e questiona se ele pode levar a mudanças marcantes no país.

Getty
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O templo

Farkhunda foi morta próximo à mesquita Shah-Du-Shamshaira, na capital afegã, Cabul.

Este local fica perto do palácio presidencial e do principal mercado da cidade.

Multidões de homens jovens são vistas com frequência nesta área, assim como mulheres em busca de ajuda para seus problemas.

Muitas vão atrás dos "guardiões do tempo", homens que vendem amuletos que supostamente ajudariam com questões como a dificuldade em ter filhos ou assuntos de família.

Alguns destes guardiões têm laços de família com o templo onde trabalham, mas não têm uma educação religiosa e dependem deste comércio para viver.

Mas a mesquita Shah-Du-Shamshaira agora está fechada.

Foi nela que Farkhunda foi cercada por uma turba e espancada até a morte, inclusive até mesmo sendo atropelada por um carro. Seu corpo foi depois incendiado.

Esta morte brutal - registrada em vídeos feitos com celulares, que foram amplamente compartilhados em redes sociais - ocorreu depois de um desentendimento de Farkhunda com um dos guardiões.

Ela desafiou o homem quanto às "práticas supersticiosas" realizadas ali e acabou sendo acusada de ter queimado o Alcorão, sendo atacada por homens furiosos.

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A família

Farkhunda estava treinando para ser uma líder religiosa. Seu pai, Mohammad Nadir, disse à BBC que ela tinha interesse no Islã desde a infância.

"Desde quando tinha sete ou oito anos de idade, ela ia à mesquita para aprender o Alcorão, que ela sabia de cor", afirmou ele.

"Ela sempre estava disposta a ajudar aos pobres, especialmente às mulheres."

Farkhunda havia apenas estado no templo uma vez quando a família decidiu parar no local para orar, uma semana antes de seu assassinato.

"Ela viu mulheres tremendo de frio", disse Muhammad Nadir. "Na vez seguinte que esteve lá, levou um casaco para dar a uma delas. Foi neste dia em que tudo aconteceu."

Seu irmão, Mujib, disse que não contaram a princípio à família o que ocorreu quando eles foram levados a uma delegacia de Cabul. Ele afirma que disseram a eles que Farkhunda havia sido acusada de queimar o Alcorão e estava sendo interrogada.

"A polícia sugeriu que devíamos dizer que Farkhunda tinha um problema mental para evitar que a situação fugisse do controle", ele disse à BBC. "Meu pai queria que ela fosse libertada e aceitou."

A família afirma que só mais tarde naquela noite disseram que Farkhunda tinha sido morta e que eles deveriam deixar a cidade para sua própria segurança.

Desde então, a vida da família está de cabeça para baixo.

"Nenhum de nós sai mais de casa", diz Mujib. "Não vamos para o trabalho, e as crianças não vão à escola."

Ele diz que sua família quer justiça: "Se deixarmos para lá, amanhã, outra mulher pode ser morta como aconteceu com Farkhunda".

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A polícia

A polícia foi criticada pela família de Farkhunda por não protegê-la.

Seu pai acusou policiais de apenas olhar, sem tomar qualquer atitude, enquanto ela era morta.

Vídeos do incidente mostram que policiais tentaram dispersar a multidão; alguns dispararam tiros de advertência para o ar.

Mas uma investigação oficial diz que a polícia perdeu o controle da situação e recomendou treinamento urgente, melhor comunicação e gerenciamento.

Também afirmou que suspeitos não foram detidos com a rapidez necessária, permitindo que eles se escondessem.

Vários policiais que estavam no local no momento do linchamento foram presos.

O chefe da divisão de crimes do ministério do Interior, o general Zahir Zahir, disse à BBC que 20 policiais estão atualmente suspensos e detidos, aguardando orientações do Ministério Público.

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Os protestos

O assassinato sem precedentes foi seguido por manifestações sem precedentes.

Quando Farkhunda foi enterrada em 22 de março, seu caixão foi carregado por mulheres ativistas, uma total quebra de tradição, já que este papel normalmente cabe aos homens.

Nos dias seguintes, milhares protestaram em Cabul e em outras cidades afegãs, exigindo justiça.

Alguns manifestantes levaram faixas com a foto do rosto ensanguentado de Farkhunda. Outros pintaram a própria face de vermelho.

Também houve protestos em diversos países, como Estados Unidos, Austrália e Reino Unido.

Líderes religiosos reprovaram o assassinato, mas alguns alertaram que o caso não deveria ser usado para atacar o Islã.

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A investigação

Depois de uma investigação de nove dias, uma comissão especial formada a mando do presidente Ashraf Ghani divulgou seu resultado, dizendo que o "assassinato selvagem" durou 25 minutos.

Também chegou à conclusão de que a acusação feita contra a vítima era falsa e que ela não poderia ter cometido tal crime, dada sua educação religiosa e conhecimento detalhado do livro sagrado dos muçulmanos.

A comissão não conseguiu identificar o motivo exato do ataque, mas disse que, provavelmente, Farkhunda disse a visitantes para não comprarem amuletos, o que enfureceu os guardiões do templo, levando às falsas acusações.

O relatório não encontrou evidências de que um mulá, ou estudioso da religião muçulmana, estivesse entre os envolvidos na morte. "Todos os suspeitos são analfabetos e não conseguem ler o Alcorão", disse o documento.

As autoridades ainda buscam por mais suspeitos e oferecem um prêmio de US$ 1,7 mil (R$ 5,8 mil) por informações que levem a eles.

A data do julgamento do caso ainda não foi marcada.

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A lei

Ativistas de direitos das mulheres, políticos e jornalistas vêm discutindo se a morte de Farkhunda pode gerar mudanças no país.

A primeira-dama afegã, Rula Ghani, disse ter esperança que a tragédia seja um "ponto de inflexão" para o Afeganistão.

"Em muitas famílias, as pessoas estão finalmente enfrentando a violência cometida contra as mulheres", ela afirmou em um discurso feito para diplomatas em Cabul.

"Muitas mulheres já me disseram que, quando caminham na rua de Cabul, elas se sentem mais confiantes e enfrentam menos assédio."

Shukria Barakzai, uma política proeminente no país, disse à BBC que as pessoas precisam ser melhor educadas sobre as leis de proteção às mulheres.

O ex-presidente Hamid Karzai aprovou a lei de "Eliminação da Violência Contra a Mulher" em 2009, mas o Parlamento ainda não a referendou.

"Apesar da lei punir o assédio e o abuso, a lei ainda não é bem compreendida, e sua implementação é limitada", afirmou Barakzai.

Mas ela também espera que a morte de Farkhunda traga uma mudança duradoura.

"A crueldade e o horror cometidos contra Farkhunda permanecerão para sempre no coração de nossa história", ela disse.

"E devemos manter este coração batendo até que nenhuma mulher sofra com este tipo de violência."

As autoridades religiosas afegãs introduziram algumas mudanças após o assassinato.

Dae-ul Haq Abedi, vice-ministro de assuntos religiosos, disse à BBC que a venda de amuletos e outras atividades ligadas a superstições foram interrompidas em diversos templos ao redor do país e que funcionários foram substituídos.

"A morte de Farkhunda nos deu uma coragem sem precedentes", afirmou Abedi.

"Daremos continuidade a sua luta contra a superstição, e as pessoas veem isso com bons olhos."

Ele também afirmou que novas regras para templos foram criadas, assim como um novo sistema de licença para distinguir estudiosos da religião daqueles sem uma educação adequada.

"Aqueles que manipulam a religião são os verdadeiros derrotados neste caso."

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